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A CGE e a Conta das Administrações Públicas

II. As Contas Públicas Portuguesas

II.2. A CGE e a Conta das Administrações Públicas

A ausência de uma conta consolidada para o conjunto do sector público, incluindo o governo, baseada em demonstrações financeiras como as previstas no SNC-AP, tem sido ultrapassada usando a conta das Administrações Públicas, elaborada de acordo com a metodologia das estatísticas das contas nacionais. Embora a LEO não o preveja, o relatório que acompanha a CGE, tradicionalmente, inclui uma conta das Administrações Públicas na ótica da contabilidade pública (base caixa) e uma conta das Administrações Públicas na ótica da contabilidade nacional (contas nacionais).

Em 2013, último ano para o qual se conhece a CGE aprovada (Resolução da Assembleia da República n.º 58/2015, de 2 de junho) e as contas finais das Administrações Públicas divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e reportadas ao Eurostat (nesta data, as contas de 2014 são ainda provisórias e as contas de 2015 são preliminares), o relatório da CGE (Ministério das Finanças, 2014) incluía a seguinte conta das Administrações Públicas (quadro 1):

Quadro 1. Conta das Administrações Públicas 2013

(ótica da contabilidade pública)

(10^6 Euros)

Receita corrente 71 788,5

Impostos diretos 20 650,7 Impostos indiretos 21 267,9 Contribuições para a Segurança Social, CGA e ADSE 18 524,6 Transferências correntes 2 503,7 Outras receitas correntes 8 392,8 Diferenças de conciliação 448,8

Receita de capital 2 931,4

Venda de bens de investimento 208,2 Transferências de capital 2 030,1 Outras receitas de capital 671,0 Diferenças de conciliação 22,1

Receita efetiva 74 719,9

Despesa Corrente 77 939,1

Despesas com o pessoal 16 410,8 Aquisição de bens e serviços 13 886,1 Juros e outros encargos 7 956,2 Transferências correntes 36 317,9

Subsídios 2 335,3

Outras despesas correntes 1 032,8 Diferenças de conciliação 0,0

Despesa de capital 5 665,7

Investimento 4 493,4

Transferências de capital 1 001,6 Ouras despesas de capital 170,7 Diferenças de conciliação 0,0

Despesa efetiva 83 604,8

Saldo global -8 884,9

QUALIDADE DAS CONTAS PÚBLICAS: IDENTIDADES BÁSICAS E CONSISTÊNCIA INTERNA

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Esta conta alarga o âmbito da consolidação que é muito mais amplo do que a CGE. Para além do governo (Administração Central) esta conta engloba também a Segurança Social, a Administração Regional e a Administração Local. Obtém-se, assim, com esta conta, uma visão mais ampla do conjunto do setor público. Contudo, o âmbito de consolidação é o da contabilidade pública, ou seja, a conta inclui apenas as entidades públicas abrangidas pela contabilidade pública. O perímetro da contabilidade pública pode não coincidir com o perímetro do setor público tal como definido nas contas nacionais, ou seja, a conta das Administrações Públicas (ótica da contabilidade pública) pode não divulgar a posição e o desempenho financeiro do todo o setor público porque deixa de fora do perímetro algumas entidades públicas que, pela sua natureza, não são abrangidas pela contabilidade pública mas integram o sector público.

A estrutura da conta das Administrações Públicas é simples e apura o saldo global, medida do desempenho financeiro e orçamental do setor público, através da diferença entre a receita total e a despesa total. Para além do respetivo perímetro, a sua principal limitação é a de que ela é apresentada numa base de caixa, ou seja, divulga apenas o valor das receitas cobradas (recebidas) e o valor das despesas pagas. Deste modo, a conta não revela, por exemplo, o valor do imobilizado nem dos direitos e obrigações/responsabilidades, incluindo as responsabilidades contingentes, assumidas no decorrer da execução do orçamento público aprovado pelo parlamento. Esta estrutura da conta também não favorece a gestão financeira pública.

Para ultrapassar as limitações desta conta, o relatório da CGE inclui também uma conta das Administrações Públicas mas na ótica da contabilidade nacional. Esta conta é apresentada no quadro 2:

Quadro 2. Conta das Administrações Públicas 2013

(ótica da contabilidade nacional)

A produção desta conta é da responsabilidade do INE e apresenta um saldo global negativo, calculado pela diferença entre receita total e despesa total, também conhecido por Necessidade Líquida de Financiamento que corresponde ao saldo B.9 da conta de capital das contas nacionais. A diferença entre esta conta e a conta do quadro 1 é a de que ela regista as operações numa base contabilística de acréscimo e o perímetro de consolidação desta conta coincide com o perímetro das contas nacionais (SEC2010). No entanto, esta conta continua a não divulgar informação sobre obrigações/responsabilidades que envolvem pagamentos futuros, a dívida a fornecedores (pagamentos em atraso) e os direitos a receber (valor da receita liquidada que ficou por cobrar) que se traduzem em entradas de dinheiro no futuro. Esta conta também não está estruturada de modo a divulgar outra informação necessária à gestão financeira pública, como, por exemplo, a natureza dos seus ativos (ativos correntes, imobilizado, etc.) e passivos (dívida soberana, dívida comercial, etc.), nem inclui informação sobre o património líquido do governo e do setor público.

Não existindo contas públicas estruturadas de acordo com as normas de contabilidade nacionais ou internacionais, a sustentabilidade das contas públicas portuguesas, a posição e o desempenho financeiro do sector público (dívida pública e défice público), são avaliados com base nesta conta das Administrações Públicas na ótica da contabilidade nacional. Esta conta

(10^6 Euros)

Receita corrente 70 907,0

Impostos sobre o rendimento e património 19 522,2 Impostos sobre a produção e importação 22 568,3 Contribuições para fundos da Segurança Social 20 139,6

Vendas 4 508,2

Outras receitas correntes 4 168,7

Receitas de capital 1 502,6

Receita total 72 409,6

Despesa corrente 76 507,9

Despesas com pessoal 17 788,6

Consumo intermédido 7 307,9

Prestações sociais 38 834,0

Juros 7 063,9

Subsídios 1 116,9

Outra despesa corrente 4 396,6

Despesa de capital 4 023,5

Despesa total 80 531,4

Poupança Bruta [B.8g]=Receita Corrente-Despesa Corrente -5 600,9

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tem sido a base das comparações internacionais (UE, OCDE, FMI) e é ela que permite também o cálculo de outros indicadores sobre as finanças públicas (percentagem das despesas com o pessoal em relação ao PIB, carga fiscal, peso dos consumos intermédios, peso do investimento público no investimento total da economia, etc.). Por exemplo, em 2015, a despesa total vem percentagem do PIB, com base nesta conta, foi de 47,9% enquanto a receita total ascendeu a 44,9%. No conjunto dos Estados-Membros da União Europeia, aqueles indicadores foram, respetivamente, de 47,4% e de 44,9%. Na zona do euro a despesa total atingiu os 48,6% e a receita total 46,6%. As necessidades líquidas de financiamento em percentagem do PIB atingiram em Portugal, na área do euro e na União, respetivamente, - 3,0%, -2,0% e -2,5%. No mesmo período, o consumo intermédio em Portugal correspondeu a 6,2% do PIB e a despesa de consumo coletivo situou-se nos 8,4% do PIB (Eurostat, 2015). Um aspeto relevante relacionado com as duas contas das Administrações Públicas é a transformação dos agregados de base de caixa em agregados na base de acréscimo. O relatório da CGE inclui habitualmente um quadro de conciliação entre o saldo global na ótica da contabilidade pública e o saldo global na ótica da contabilidade nacional. Esta conciliação é apresentada no quadro 3.

Quadro 3. Conciliação entre o saldo de base caixa e o saldo de base acréscimo (2013)

O quadro 3 mostra que a conciliação entre os dois saldos depende essencialmente do valor dos acréscimos e da especialização do exercício no que diz respeito aos juros (que são também um acréscimo). Na prática, no entanto, o ajustamento da informação de base de caixa em informação de base de acréscimo, que conduz aos dois saldos globais, obedece a um conjunto de diversos ajustamentos. De acordo com os fluxogramas que detalham estes ajustamentos realizados pelo INE, o ajustamento no caso do subsector Estado, envolve a conversão de códigos de contabilidade pública para contabilidade nacional, tratamento de fontes e realizações de correções sem impacte no saldo e incorporação de fontes, classificações e reclassificações (INE, 2014). É na fase da incorporação de fontes que o INE,

(10^6 Euros)

Saldo global, incluindo ativos financeiros -13 166,5

Saldo global -8 884,9

Ativos financeiros -4 281,6

Operações financeiras consideradas no saldo global inc. ativos fin. 5 072,5 Outras contas a receber(+)/a pagar(-) 861,0 Diferença entre juros pagos (+) e juros vencidos (-) -171,5 Nec./cap. liq. De financ. (+) de outas entidades das AP 540,0

Outros ajustamentos -1 257,2

Saldo Global [=Cap(+)/Nec(-)Financ. Líquido] [EDP B.9] -8 121,7 Fonte: CGE de 2013

designadamente, considera as demonstrações financeiras da Caixa Geral de Aposentações numa base de acréscimo, inclui a variação da dívida comercial tendo como fonte a Direção Geral do Orçamento (DGO) e tem em conta os juros em especialização do exercício, sendo o IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) a fonte. É nesta fase também que se considera a informação sobre o consumo de capital fixo. Após a consolidação entre unidades institucionais do subsector Estado, obtém-se a conta trimestral consolidada do subsector Estado. O procedimento para os restantes subsectores é o mesmo.

As contas das Administrações Públicas nas duas óticas e a respetiva conciliação de saldos, apesar de constarem do relatório da CGE, não são objeto de aprovação formal pelo Parlamento. Na verdade, as contas das Administrações Públicas consolidam as contas da Administração Regional e as contas das Autarquias Locais que já foram objeto de aprovação formal pelas respetivas assembleias regionais e assembleias municipais, que são as entidades que detêm competência para o efeito. No caso da conta das Administrações Públicas na ótica da contabilidade nacional (contas nacionais), a sua produção é da responsabilidade do INE e não está sujeita a aprovação pelo governo ou pelo parlamento. Nos termos da CRP e da LEO, o Parlamento aprova apenas a CGE.

No entanto, entre o momento de aprovação formal da CGE pelo Parlamento e o momento em que a conta das Administrações Públicas, incluída no relatório da CGE, se torna definitiva, existem alterações (ajustamentos) na informação muito significativas. Ou seja, no momento em que a CGE é formalmente aprovada pelo Parlamento, a conta das Administrações Públicas incluída no relatório da CGE não é definitiva, o que implica que as contas dos subsetores, designadamente a CGE, também não o são. A principal implicação é a de que, sendo a própria CGE uma das principais fontes usadas na conta das Administrações Públicas (cerca de 73,0% do total do sector das Administrações Públicas e responsável pela maior parte do respetivo saldo global), as alterações feitas na conta das Administrações Públicas podem ter origem em alterações na informação relacionada com a própria CGE. Isto sugere que o Parlamento pode estar a aprovar uma CGE que, na verdade, não é uma conta final ou definitiva.

O quadro 4 mostra, para alguns agregados, as diferenças entre a conta das Administrações Públicas incluída no relatório da CGE e a conta final das Administrações Públicas (INE, 2015) divulgada pelo INE:

QUALIDADE DAS CONTAS PÚBLICAS: IDENTIDADES BÁSICAS E CONSISTÊNCIA INTERNA

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Quadro 4. Diferenças entre a conta das Administrações Públicas – ótica da contabilidade nacional

(CGE e INE – final-2013)

Entre o momento da aprovação da CGE e o valor final que veio a fixar-se pelo INE, a receita total da conta das Administrações Públicas sofreu um ajustamento de 4.377,5 milhões de euros, o equivalente a cerca de 2,6% do PIB e mais de metade do défice do próprio ano (4,8%). O ajustamento foi realizado principalmente na receita corrente. A despesa total foi objeto de um ajustamento de idêntica dimensão. Estes ajustamentos na receita total e na despesa total, apesar da sua dimensão, deixaram inalterado o valor do défice em percentagem do PIB. Não sendo razoável admitir que os ajustamentos feitos na conta das Administrações Públicas seja totalmente imputável aos subsectores da Administração Regional e Local e ao subsector da segurança social, admite-se que uma parte significativa os ajustamentos feitos na informação tenha origem na CGE.

(10^6 Euros) CGE INE Valor % do PIB

Receita corrente 70 907,0 74 839,6 3 932,6 2,3 Receitas de capital 1 502,6 1 947,6 445,0 0,3 Receita total 72 409,6 76 787,1 4 377,5 2,6 Despesa corrente 76 507,9 79 638,4 3 130,5 1,8 Despesa de capital 4 023,5 5 393,9 1 370,4 0,8 Despesa total 80 531,4 85 032,3 4 500,9 2,6

Saldo Global [=Cap(+)/Nec(-)Financ. Líquido] -8 121,8 -8 245,2 -123,4 -0,1

Fonte: CGE de 2013 e INE (Contas Nacionais)

Diferença Conta das AP,s