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As contas públicas, a crise financeira de 2007-8 e a sustentabilidade das finanças públicas

III. Contas Públicas e Finanças Públicas

III.2. As contas públicas, a crise financeira de 2007-8 e a sustentabilidade das finanças públicas

A crise financeira mundial de 2007-8 deu origem a recessões profundas em muitas economias desenvolvidas, marcadas por quedas nas taxas de emprego e aumentos acentuados dos défices orçamentais (Bozio et al., 2015). As figuras 1 a 4 ilustram esta situação para os chamados “países do ajustamento” (Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia), bem como para a Alemanha e conjunto da União Europeia:

Gráfico 1. Cap./Nec. de financiamento das Administrações Públicas

(% do PIB)

Gráfico 2. Dívida consolidada das Administrações Públicas

(% do PIB)

Gráfico 3. Taxa de variação do PIB Gráfico 4. Taxa de desemprego

(% da população Ativa)

Fonte: Ameco, European Comission

-40,0 -30,0 -20,0 -10,0 0,0 10,0 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Portugal Spain Ireland

Greece Germany EU 0,0 20,0 40,0 60,0 80,0 100,0 120,0 140,0 160,0 180,0 200,0 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Portugal Spain Ireland

Greece Germany EU -10,0 -8,0 -6,0 -4,0 -2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Portugal Spain Ireland Greece Germany EU 0 5 10 15 20 25 30 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Portugal Spain Ireland Greece Germany EU

As necessidades de financiamento das Administrações Públicas da Irlanda atingiram os 32,3% do PIB em 2010, quando eram de apenas 0,3% em 2007. A dívida pública, que era de 42,4% do PIB antes da crise financeira, chegou aos 120,1% do PIB. O PIB da Irlanda teve uma queda de 2,2% em 2008 e de 5,6% no ano seguinte. A taxa de desemprego nos anos a seguir ao do início da crise financeira atingiu os 13,9% em 2010 e os 14,7% em 2011.

No caso da Grécia, as necessidades de financiamento das Administrações Públicas, que eram de 6,7% do PIB em 2007, atingiram os 10,2% no ano seguinte e os 15,2% em 2009. O PIB, que tinha registado um crescimento de 3,3% em 2007, registou quebras sucessivas a partir de 2008, atingindo o valor máximo de 9,1% em 2011. A taxa de desemprego saltou de 8,4% em 2007 para 24,5% em 2012, mantendo-se neste nível desde então. A Espanha e Portugal seguiram o mesmo padrão: as necessidades de financiamento de Portugal atingiram os 11,2% do PIB em 2010 quando eram de apenas 3,0% em 2007. A Espanha, que registava um excedente (capacidade de financiamento) de 2,2% antes da crise financeira, chegou rapidamente a uma necessidade de financiamento de 11,0% em 2009. A dívida pública portuguesa passou de um peso de 68,4% do PIB em 2007 para 111,4 em 2011 e continua a crescer desde então, prevendo-se que atinja os 129,0% do PIB em 2015. Desde o início da crise financeira, o nível de fiscalidade em Portugal subiu de 31,7% do PIB em 2008 para 34,2% do PIB em 2014. No caso da Grécia o nível de fiscalidade subiu de 31,8% para 36,0% do PIB no mesmo período. A Espanha foi a que registou um aumento do nível de fiscalidade menor (de 32,2% para 33,6% do PIB). Deste conjunto de países, a Alemanha foi o único país que não seguiu este padrão.

Para Bozio et al. (2015), o tamanho e a duração destes efeitos adversos variaram substancialmente de país para país e a resposta dos orçamentos nacionais à recessão também. Segundo os autores, tipicamente, a resposta orçamental dos países foi feita em duas fases: na primeira fase foram aplicados pacotes de estímulos orçamentais, temporários e com o objetivo de limitar a duração e a profundidade da recessão, seguidos de uma segunda fase virada para o processo de consolidação orçamental, com características permanentes e com o objetivo de recuperar a sustentabilidade financeira das finanças públicas. Com o advento da crise financeira, a necessidade de assegurar a sustentabilidade das finanças públicas passou a dominar a política económica dos países mais desenvolvidos, particularmente dos países da Europa que integram a zona do Euro. A crise transformou-se de uma crise de confiança nos mercados numa crise de confiança nos governos, e exigiu dos contribuintes esforços adicionais de financiamento das políticas públicas (Izza, 2012). As questões da

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sustentabilidade orçamental ganharam um novo fulgor com a deterioração das contas orçamentais de muitas economias (Cottarelli, 2012).

A sustentabilidade das políticas orçamentais é a capacidade para continuar no presente e no futuro as políticas correntes mantendo os serviços públicos e o nível de impostos atuais sem que se traduza num crescimento no tempo do rácio da dívida pública em relação ao PIB (European Commission, 2012). Segundo Beeton (2012), a gestão de longo prazo da sustentabilidade das finanças públicas exige relatórios financeiros robustos. De acordo com este autor, a gestão de longo prazo da sustentabilidade das finanças públicas assenta em quatro princípios essenciais: transparência, prestação de contas (accountability), simplicidade e coerência. O Reino Unido tem incorporado estes princípios nos seus relatórios financeiros e no controlo (scrutiny) das suas contas (Beeton, 2012).

A crise terá mostrado que existe uma relação entre a qualidade das contas públicas e a sustentabilidade das finanças públicas. De acordo com o IMF (2012), a crise financeira veio revelar que os governos não tinham uma perceção adequada da sua situação orçamental, conforme se veio a demonstrar pelo aparecimento de défices e de dívidas que não se encontravam contabilizados. Quer dizer, portanto, que as contas públicas não divulgavam de uma forma fiel e apropriada a situação financeira dos países. Segundo Ball (2012), a crise da dívida soberana trouxe à luz do dia a má qualidade dos relatórios financeiros e a má qualidade da gestão financeira realizada pelos governos. Para este autor, os problemas financeiros da Grécia, que desencadearam a crise da dívida soberana centrada na ocultação dos verdadeiros níveis do défice e da dívida, tornaram claro que a utilização da contabilidade virada para o desempenho e para a situação financeira é uma tarefa que os governos, em geral, têm desempenhado muito mal. Segundo Ball (2012), a crise da dívida soberana terá tido origem em práticas contabilísticas de reduzida qualidade utilizadas no sector público, defendendo o autor que uma maior qualidade das contas e a aplicação consistente de normas na contabilização, auditoria e gestão financeira, são a resposta para as causas fundamentais da crise: a ausência de relatórios financeiros transparentes, consistentes e mensuráveis.

Segundo Cottarelli (2012), a avaliação da sustentabilidade das finanças públicas pelo governo e pelos cidadãos contribuintes exige “informação de alta qualidade” (p. 8) sobre o estado das contas públicas. Uma fonte crucial de informação para a avaliação da sustentabilidade orçamental é um bom conjunto de contas públicas, defendendo o autor que a publicação pelo Governo do Reino Unido em 2011 do seu primeiro conjunto de contas do governo (Whole of

Government Accounts - WGA), constituído por demonstrações financeiras preparadas e

auditadas de acordo com as normas internacionais de contabilidade, pode contribuir para uma compreensão mais forte das finanças públicas e para melhores escolhas sobre impostos e gastos públicos.

Para Klinz (2012) a preocupação com a sustentabilidade das finanças públicas é indissociável da qualidade das contas públicas. Para este autor, a crise da dívida soberana foi principalmente uma crise de confiança e a sustentabilidade das finanças públicas desempenha um papel importante no restabelecimento da confiança dos investidores (em dívida soberana) e dos contribuintes. O autor aponta a transparência e o planeamento orçamentais de longo prazo, a qualidade dos dados estatísticos e a inclusão nos orçamentos dos governos de responsabilidades implícitas, como algumas das medidas necessárias para restabelecer a confiança na capacidade dos decisores políticos e na economia de mercado livre europeia. No centro da confiança estão altos níveis de transparência das contas públicas. Estatísticas financeiras confiáveis sobre as finanças públicas são indispensáveis para a avaliação da dívida e da estabilidade de um país. A transparência orçamental baseada em dados orçamentais e estatísticos sólidos permite aos decisores políticos atuar com responsabilidade. Segundo Klinz (2012), o passado mostrou que, no caso da Europa, a soberania dos Estados-Membros nacionais em questões estatísticas levou a dados de baixa qualidade e em casos excecionais até mesmo à falsificação desses dados. Por essa razão, defende o autor que os dados estatísticos devem observar os princípios de independência, fiabilidade, oportunidade e transparência.

De acordo com Cottarelli (2012), as contas públicas e as estatísticas orçamentais têm limitações como ferramentas para avaliar a sustentabilidade orçamental. Qualquer conjunto específico de contas ou estatísticas orçamentais podem ser objeto de manipulações e as más práticas nesta área são frequentes. Estas limitações, no entanto, segundo o autor, não devem prejudicar os esforços para melhorar as contas públicas e as estatísticas orçamentais e sugerem que pode não ser adequado para a gestão das finanças públicas depender de um conjunto específico e reduzido de estatísticas. Será necessário, de acordo com o autor, uma mais ampla e mais completa informação sobre as contas públicas para compreender plenamente os desafios orçamentais que se colocam à gestão das finanças públicas dos países. A ideia é os governos e os decisores políticos disporem de informação de qualidade proporcionada pelas contas públicas sobre a natureza dos verdadeiros riscos orçamentais que não tiveram antes da crise financeira de 2007-8.

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A resposta para alcançar a sustentabilidade das finanças públicas tem sido a exigência de uma maior transparência orçamental. Bozio et al. (2015) afirmam que uma clara melhoria durante o período da crise comum aos países que estudaram (França, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Irlanda e Itália) foi a introdução de uma maior transparência e independência na produção de previsões económicas e orçamentais. Para estes autores, estas previsões são produzidas por conselhos orçamentais independentes, embora a responsabilidade exata de cada uma destas instituições independentes varie de país para país, mas em todos os casos elas representam uma melhoria na transparência orçamental e nos resultados orçamentais e na contenção do otimismo indevido e politicamente motivado pelos governos relativamente às perspetivas de crescimento económico, e das despesas e receitas públicas.

O IMF (2012) define a transparência orçamental como a clareza, fiabilidade (reliability), frequência, oportunidade e relevância dos relatórios financeiros sobre a execução do orçamento (public fiscal reporting). Na definição do IMF (2012), a fiabilidade, enquanto elemento da transparência orçamental, refere-se ao grau com que os relatórios refletem a “verdadeira posição financeira do governo” (p. 5). A transparência orçamental diz respeito, portanto, à capacidade de a informação sobre o orçamento (Fiscal Reports) permitir uma leitura compreensiva, relevante, oportuna e fiável do desempenho e da situação financeira do governo e do sector público. De acordo com o IMF (2012), a transparência orçamental ajuda a garantir, entre outras, que as decisões económicas dos governos são tomadas com base no conhecimento preciso da situação orçamental, dos custos e benefícios de quaisquer alterações de política e dos potenciais riscos a prazo para os respetivos orçamentos. Para Salinas (2002), a transparência orçamental deve ser entendida como a abertura ao público em geral da estrutura e funções do governo, das intenções da política orçamental, das contas do sector público e das projeções macroeconómicas. Isto envolve, segundo Salinas (2002), o acesso a informação confiável, completa, oportuna, compreensível e internacionalmente comparável sobre a atividade do governo, de modo a que o eleitorado e os mercados possam avaliar com precisão a posição financeira do governo e os verdadeiros custos e benefícios das atividades do governo. Neste sentido, conclui o autor, a transparência orçamental é fundamental para alcançar políticas orçamentais sólidas, existindo um vasto consenso em associar a transparência orçamental com a promoção com sucesso da boa governação.

i) A crise financeira de 2007-8 mostrou que, mesmo no caso das economias desenvolvidas, o entendimento que os governos detinham da sua situação orçamental era inadequada, como se veio a provar com a necessidade de se incluir no défice e na dívida responsabilidades que não tinham sido consideradas;

ii) A crise financeira demonstrou que, em muitos casos, os países tinham subestimado os riscos associados ao seu processo orçamental, designadamente os relacionados com o sector financeiro;

iii) A acentuada deterioração da situação orçamental que acompanhou a crise e a necessidade de se proceder a ajustamentos orçamentais, aumentou os incentivos dos governos para se envolverem em atividades que obscurecem o verdadeiro estado das suas finanças públicas, tornando crítico um esforço de revitalização da transparência orçamental, de modo a refletir as lições da própria crise financeira e prevenir o ressurgimento, na sua esteira, da opacidade orçamental.

Na última década e meia foram feitos esforços substanciais para melhorar a transparência orçamental nas economias avançadas, em desenvolvimento e emergentes, através do desenvolvimento de arquiteturas globais de normas e padrões de transparência orçamental, do fortalecimento do acompanhamento e do cumprimento dessas normas e padrões e da melhoria da transparência orçamental a um nível nacional (IMF, 2012). O FMI (IMF, 2016-a) dispõe de um código de transparência fiscal que funciona como uma norma internacional para a divulgação da informação sobre as finanças públicas. O código compreende um conjunto de princípios construídos à volta de quatro pilares. Esta instituição internacional tem divulgado regularmente relatórios sobre a transparência orçamental dos países (IMF, 2016-b).

No caso dos países que integram a UE, a sustentabilidade das finanças públicas e a vigilância por parte da Comissão Europeia (CE) da política orçamental nacional dos Estados Membros (EM), é aferida através de indicadores (saldo orçamental e dívida pública) calculados a partir de estatísticas elaboradas com base em reportes orçamentais e financeiros. Estatísticas e relatos que não sejam credíveis impedem uma vigilância eficaz e escondem a sustentabilidade das finanças públicas. A Grécia tem sido dada como o exemplo típico de como as estatísticas das finanças públicas e os relatos financeiros (contas públicas) não refletiam a verdadeira situação orçamental do país. A UE está também empenhada em que os EM demonstrem a transparência orçamental dos seus orçamentos e contas.

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Salinas (2002) afirma que, em certas circunstâncias, os governos podem querer manipular as contas públicas (“cook the books”). Por exemplo, segundo Salinas (2002), os governos podem ser tentados a apresentar a sua realidade orçamental usando uma contabilidade criativa para convencer os contribuintes eleitores de que o custo do crescimento é menor do que na realidade é, de que o défice orçamental é menor do que na realidade é, que as responsabilidades a pagar pelas futuras gerações são menores do que na realidade são, que os investimentos decididos no passado continuam a gerar valor para as futuras gerações mesmo que eles sejam inúteis e que o desempenho do governo compara favoravelmente com o desempenho dos governos anteriores.

A preocupação dos governos com a transparência orçamental e com a qualidade das contas públicas tem assumido diversas formas, todas elas com o objetivo de assegurar que as mesmas contem a verdadeira história sobre a situação financeira do governo e do sector público. Por exemplo, alguns países ajustaram as regras relacionadas com o orçamento público e criaram instituições independentes para acompanhar e vigiar a evolução das finanças públicas com vista à melhoria da transparência orçamental. Portugal criou o Conselho das Finanças Públicas (CFP), conselho independente com a missão de fiscalizar o cumprimento das regras orçamentais e a sustentabilidade das finanças públicas e proceder a uma avaliação independente sobre a consistência, cumprimento e sustentabilidade da política orçamental, promovendo a sua transparência. O CFP está previsto na LEO (artigo 7º) e deve pronunciar-se sobre os cenários macroeconómicos, a sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas e o cumprimento das regras orçamentais numéricas. A França (Assemblée Nationale Française, 2015) consagrou na sua constituição (Artigo 47-2) a qualidade e a transparência das suas contas ("Les comptes des administrations publiques sont réguliers et

sincères. Ils donnent une image fidèle du résultat de leur gestion, de leur patrimoine et de leur situation financière”) e o Brasil dispõe de uma Lei de Responsabilidade Fiscal5 que serviu de base legal para um processo de empeachment da sua Presidente da República por violação de normas relacionadas com a execução do orçamento federal.

Segundo o IMF (2012), a acentuada deterioração da situação orçamental que acompanhou a crise, e a consequente necessidade de por em prática ajustamentos orçamentais, aumentou os incentivos dos governos para se envolverem em atividades que obscurecem o verdadeiro

5 A expressão “fiscal” é a designação adotada nas economias anglo-saxónicas para designar a atividade ou a

política relacionada com o orçamento, reservando a expressão “tax” para os impostos. Em português a expressão é traduzida como “orçamental”. O Brasil adotou a expressão anglo-saxónica para se referir à realidade orçamental.

estado de suas finanças públicas. Mas a opacidade das contas públicas e das finanças públicas (a opacidade orçamental), com implicações para a transparência orçamental, pode também ter origem em outros comportamentos do governo. Kido et al. (2012), a propósito das eleições para os governos dos Estados que constituem os EUA, investigaram em que medida os acontecimentos políticos podem afetar as escolhas contabilísticas do governo. Segundo os autores, historicamente, quando os candidatos se preparam para a reeleição, o desempenho orçamental tende a ser uma parte importante da sua plataforma eleitoral. Os autores afirmam que existe evidência de que, nos anos 90, o desempenho orçamental influenciou o resultado das eleições para um lugar de prefeito em Israel, e que a partir deste resultado, encontrou-se evidência de que nas democracias os candidatos aumentariam a sua probabilidade de reeleição entre 7% e 9% se aumentasse o rácio do excedente orçamental em relação ao PIB em 1%. Para Kido et al. (2012), estes resultados levantam a questão de saber se os candidatos gerem os resultados divulgados nos relatórios financeiros governamentais para influenciar o resultado das eleições.

Para responder a esta questão os autores concentraram-se nas eleições gerais para governadores dos EUA durante o período 2000-8, recolhendo informação financeira a nível do Estado e identificando nos relatórios financeiros as contas que de acordo com as normas contabilísticas oferecem aos candidatos suficiente flexibilidade para permitir uma manipulação. Em concreto, os autores concentraram-se nas contas que têm impacte no défice orçamental, uma vez que esta abordagem é consistente com a ideia de que os eleitores, especialmente nos países desenvolvidos e nas democracias estabelecidas, não gostam de défices. Os autores usaram as contas relacionadas com passivos (responsabilidades) associados com a força de trabalho de cada um dos Estados em estudo. Kido et al. (2012) encontraram evidência de que as responsabilidades associadas a estas contas são sistematicamente baixas (reduzidas) em ano eleitoral. Os autores encontraram ainda evidência de que a variação das responsabilidades relacionadas com o emprego está relacionada com a

proxy para os incentivos do candidato e a sua capacidade para manipular os relatórios

financeiros. Conjuntamente, concluem os autores, estes resultados sugerem que os governos estaduais manipularam os resultados contabilísticos para apresentarem uma imagem financeira mais favorável em anos eleitorais.

De acordo com o IMF (2012) o grau de transparência orçamental tem sido visto com um importante preditor do desempenho e da credibilidade orçamental de um país, afirmando esta instituição que uma crescente investigação empírica tem mostrado que existe uma relação

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positiva entre o grau de transparência orçamental e as medidas de sustentabilidade orçamental, tais como o défice e a dívida pública, e de que existe também evidência empírica de uma relação positiva entre a transparência orçamental e a perceção pelo mercado da solvência orçamental (através dos credit default swaps - CDS), spreads ou prémios de risco sobre a dívida soberana, ratings, etc.). No entanto, de acordo com esta instituição internacional, mantêm-se algumas deficiências substanciais:

i) Continuam a existir diferenças significativas e inconsistências nos padrões de transparência orçamental em áreas como a cobertura das entidades públicas (perímetro), tratamento de ativos e responsabilidades, relatos de transações e outros fluxos económicos e comparabilidade entre previsões e dados atuais;

ii) A implementação de normas internacionais de contabilidade e de relato estatístico têm sido deixadas para trás pelos governos, e;

iii) O acompanhamento da transparência orçamental tem diminuído.