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II. As Contas Públicas Portuguesas

II.3. A qualidade das contas

Os principais fatores de risco para a qualidade das contas públicas portuguesas podem, assim, estar associados com a estrutura fragmentada das contas e com a base contabilística usada. A fragmentação das contas levanta, desde logo, dois problemas: 1) a capacidade deste conjunto disperso de contas dos subsetores, não consolidas, poder divulgar uma verdadeira posição e desempenho financeiro do conjunto do setor público, incluindo o governo; 2) a possibilidade de existirem problemas de consistência entre a informação destas contas e aquela que seria divulgada em demonstrações financeiras se elas existissem ou estivessem disponíveis. O risco para a qualidade das contas associado à base contabilística está relacionado com a necessidade dos ajustamentos na informação de base de caixa e na dimensão desses ajustamentos (como se viu, em 2013 a receita e a despesa sofreram ajustamentos da ordem dos 2,6% do PIB).

Segundo Jesus (2010), os agregados das contas nacionais relacionados com o sector das Administrações Públicas são baseados nos sistemas de contabilidade pública, pelo que as diferenças entre dois sistemas (contabilidade nacional e contabilidade pública) podem originar problemas quanto à exatidão e fiabilidade dos dados reportados. A autora argumenta que a existência deste problema decorre das diferenças entre os subsistemas de contabilidade pública (vertente orçamental e vertente financeira) adotados em Portugal, e as regras do Sistema Europeu de Contas e considera que o foco do problema – a exatidão e fiabilidade dos dados reportados - é centrado no facto de os dois sistemas utilizarem bases contabilísticas distintas – base caixa no sistema de contabilidade pública e base acréscimo no SEC – e de o subsistema de contabilidade orçamental, no qual prevalece a ótica de caixa, constituir a maior parte das fontes de informação para a elaboração das contas nacionais. Quanto aos ajustamentos, realizados durante o processo de produção das estatísticas, a informação usada é recolhida através de um processo meramente estatístico, não beneficiando da consistência que um sistema contabilístico poderia proporcionar. Por exemplo, a informação sobre a dívida comercial tem como fonte a DGO e a informação sobre os juros tem origem no IGCP. Esta informação é recolhida administrativamente não se sabendo se ela é consistente com a informação que se obteria se as contas públicas fossem elaboradas numa base de acréscimo e de acordo com as normas nacionais ou internacionais de contabilidade.

Os pareceres de entidades independentes externas ao sector público são normalmente usados para assegurar a qualidade desejada das contas públicas no sentido de elas divulgarem de uma forma fiel e adequada toda a informação financeira associada à atividade pública do governo e

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do sector público. A CGE e as contas dos restantes subsectores não são auditadas por qualquer entidade independente, embora as contas das entidades públicas com algum grau de autonomia financeira (os FSA, por exemplo) façam acompanhar os seus relatórios e contas do parecer do fiscal único, ou da comissão de fiscalização, e de um parecer do revisor oficial de contas. No entanto, as contas que consolidam as contas de todas estas entidades públicas (CGE, CSS, contas das regiões autónomas) não são objeto de uma auditoria e parecer de uma entidade independente. De igual modo, a conta das Administrações Públicas também não é objeto de qualquer parecer, dada a sua natureza estatística e a independência das entidades estatísticas.

No entanto, a aprovação da CGE pelo parlamento, incluindo a CSS, é precedida do parecer do Tribunal de Contas (artigo 73º, n.º 2 da anterior LEO e artigo 66º, n.º 4 da atual LEO 2), que é um tribunal especializado, de natureza jurídico-financeira, definido pela CRP como o “órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe”, e que lhe compete, entre outras atribuições, “dar parecer sobre a Conta Geral do Estado incluindo a da Segurança Social”, bem como “sobre as contas das regiões autónomas dos Açores e da Madeira” (artigo 214º) (p. 4674). Ao longo da última década o Tribunal de Contas (2015-a) tem questionado a qualidade da CGE através de diversas referências à natureza das operações contabilísticas que suportam a sua elaboração. A CSS, bem como as contas das regiões autónomas, também têm sido objeto de referências negativas pelo Tribunal de Contas, que tem levantando diversas reservas e apresentado várias recomendações com o objetivo de melhorar a qualidade da informação financeira que suporta aquelas contas. As reservas e as recomendações do Tribunal de Contas podem ser vistas como um indicador da qualidade das contas.

No que diz respeito à CGE, já em 2001 o Tribunal de Contas mantinha uma “posição de reserva” (p. 16) sobre os valores da receita porque o modelo de contabilização não assegurava o registo integral, tempestivo, fiável e consistente da informação, e, do lado da despesa, o tribunal observava que não existiam dados sobre o montante dos encargos de anos anteriores pagos por conta do OE/2001, nem sobre os encargos transitados para o ano seguinte, designadamente os vencidos que não foram pagos por insuficiência de dotação orçamental ou outro motivo.

2 O artigo 66º prevê também que a CGE seja igualmente submetida a “certificação” do Tribunal de Contas.

Portanto, relativamente à anterior LEO, a CGE é agora submetida a “parecer” do Tribunal de Contas (artigo 66º, n.º 4) e a “certificação” do Tribunal de Contas (artigo 66º, n.º 6).

A ausência de fiabilidade, tempestividade e consistência do modelo para contabilização das despesas e das receitas, que estão na base da dificuldade em determinar o valor verdadeiro do défice em contabilidade pública, são uma referência quase permanente nos pareceres sobre a CGE. No Parecer sobre a Conta de 2004, o Tribunal de Contas “mantém as reservas que tem vindo a colocar aos valores globais da receita e da despesa (…) e, consequentemente, ao valor do défice (…) apresentado” (p. 23). O Tribunal de Contas acaba por sugerir ao Parlamento que sejam tomadas as medidas adequadas “no sentido de que a CGE possa dar uma imagem verdadeira e apropriada da atividade financeira e da situação patrimonial do Estado” (p. 24). No Parecer á Conta de 2004 são feitas, ainda, referências à elevada dimensão financeira dos ajustamentos efetuados na sua elaboração, em resultados de erros significativos ao nível da classificação económica das receitas e despesas dos vários subsectores.

No Parecer à CGE de 2010, o Tribunal de Contas afirma não ter sido “possível confirmar os valores globais da receita e da despesa inscritos na CGE devido ao desrespeito de princípios orçamentais, ao incumprimento de disposições legais que regulam a execução e a contabilização das receitas e das despesas e às deficiências que subsistem nos procedimentos aplicados, situações que continuam a afetar o rigor e a transparência das contas públicas” (p. I do Sumário), acrescentando, no que diz aos encargos assumidos e não pagos, que o relatório da CGE apresenta informação sobre estes encargos mas, uma vez que são informação extraorçamental, não fica assegurada a fiabilidade e integralidade destes dados, nem distingue os EANP vencidos dos vincendos.

Relativamente à conta de 2011, o Tribunal considera que “o rigor, a integralidade e a transparência da CGE continuam afetados dado o desrespeito de princípios orçamentais” (p. I do Sumário) e que, por essa razão, “não foi possível confirmar os valores globais da receita e da despesa” (p. I do Sumário). Em virtude de uma auditoria realizada ao Sistema Central de Impostos sobre o Rendimento, o parecer à CGE de 2011, emitia também uma opinião desfavorável quanto à qualidade da informação residente naquele sistema, porque os procedimentos de registo e controlo, a nível central e local, não oferecem qualidade razoável de que os dados processados centralmente são completos, válidos e fiáveis.

No Parecer à Conta de 2013, refere-se que “a CGE continua a não comportar um balanço e uma demonstração de resultados da Administração Central do Estado, sendo as demonstrações financeiras que apresenta suportadas por diferentes sistemas contabilísticos” (p. 417) e formula-se um conjunto de reservas das quais se destacam a omissão de receitas do

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Estado relativas, sobretudo, a “impostos, contabilizados diretamente pelas entidades às quais estão consignados” (p. 417), a “conta dos fluxos financeiros continua a não desempenhar o papel que lhe cabe no controlo das contas do Estado, por não comportar a totalidade dos movimentos correspondentes” (p. 417) e o relatório que integra a CGE “é omisso em matérias relevantes (v.g. património imobiliário e unidade de tesouraria) ” (p.417). O Tribunal de contas emite ainda reservas relativamente à omissão de valores nas receitas e nas despesas do Estado relativos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares afeto aos municípios (valor que não integra a conta consolidada da administração central) ” (p. 418), quanto ao valor da dívida direta do Estado (“a informação sobre o stock da dívida pública direta do Estado não abrange a dos SFA, incluindo as Entidades Públicas Reclassificadas”) (p.418), quanto à informação sobre os fluxos financeiros com a União Europeia (a informação “não é consistente nem completa”) (p. 418), e quanto à “falta (recorrente) de inventário do património imobiliário e da sua devida valorização. As receitas e despesas relativas às operações imobiliárias estão afetadas por erros e por falta de validação” (p. 418).

Por fim, no que diz respeito à CGE de 2014, o Parecer do Tribunal de Contas refere que “o exame das receitas da Administração Central (…) voltou a evidenciar casos relevantes de desrespeito pelos princípios e regras orçamentais, de incumprimento das disposições legais que regulam a execução e a contabilização das receitas” (p. III do Sumário), para além de constatar que existem “insuficiências dos sistemas de contabilização e de ineficácia dos sistemas de controlo” (p. III do Sumário) que permitem omissões materiais e autonomia financeira para entidades registarem como receita própria as receitas do Estado provenientes do financiamento. Do lado da contabilização da despesa, ocorreram casos de desrespeito das regras orçamentais (“contabilização como despesas pagas de transferências para contas bancárias dos próprios serviços destinadas a serem utilizadas no período seguinte”).

O Conselho Económico e Social (CES) partilha da preocupação do Tribunal de Contas de que o incumprimento das obrigações legais relativas à execução do orçamento continua a comprometer o rigor e a transparência das contas públicas, subscrevendo as recomendações do Tribunal para que a situação não volte a repetir-se no futuro. O CES lamenta, ainda, as omissões identificadas que, em grande medida, limitam o alcance da CGE como instrumento de avaliação da execução da política orçamental.

Quanto à Conta da Segurança Social (CSS), o Tribunal de Contas tem também formulando diversas reservas à sua fiabilidade. Entre 2010 e 2014 o Tribunal de Contas apontou diversas

deficiências que, no seu juízo, colocam em causa a fiabilidade e consistência da CSS. Em 2010, o Tribunal de Contas conclui que a CSS “apresenta deficiências que influenciam negativamente a fiabilidade e consistência da respetiva informação económica, financeira e orçamental” (p. 414), pelo que o Tribunal formula reservas quanto à contabilidade orçamental (valores deficientemente escriturados) e quanto à contabilidade patrimonial (valores relevados no balanço e na demonstração dos resultados relativos ao imobilizado, às dívidas a terceiros, às disponibilidades, às reservas, aos resultados transitados, ao resultado líquido e aos proveitos diferidos). O Parecer de 2011 mantém, na essência, o mesmo juízo sobre a conta daquele ano: “a CSS apresenta deficiências que influenciam negativamente a fiabilidade e consistência da respetiva informação económica, financeira e orçamental” (p. 446), o que levou aquele tribunal a formular reservas quanto à contabilidade orçamental e quanto à contabilidade patrimonial relativamente aos valores relevados no balanço e na demonstração dos resultados. O teor dos pareceres e do juízo do Tribunal de Contas sobre a CSS não se alterou nos anos de 2012, 2013 e 2014. Em 2013 e 2014 o Tribunal referia textualmente que “não é possível assegurar que a CSS reflete, em todos os aspetos materialmente relevantes, uma imagem verdadeira e apropriada da situação económica, financeira e patrimonial da SS” [p. 420 (2013) e p. 440 (2014)]).

Nos últimos anos, o próprio governo, que é, simultaneamente, produtor e utilizador de informação financeira, tem reconhecido que existe margem para a melhoria da qualidade da informação relacionada com a execução do orçamento e com as contas públicas. O Documento de Estratégia Orçamental (DEO) para 2011-2015 (Ministério das Finanças, 2011), apresentado pelo Governo à Assembleia da República, expressava já uma preocupação com a qualidade da informação usada nas contas públicas, referindo que “existe um elevado nível de dívida de entidades públicas e de responsabilidades futuras do Estado que não estão refletidas nas contas das Administrações Públicas” (p. 9) e que as diferenças de metodologia no registo das operações entre contabilidade nacional e contabilidade pública têm-se traduzido em “diferenças que, nos últimos anos têm assumido particular expressão quer ao nível do universo das entidades que fazem parte do sector público quer ao nível do apuramento da receita e despesa do ano. Estas diferentes abordagens afetam a transparência das contas públicas e dificultam o controlo orçamental em tempo real” (p. 11). A propósito da informação financeira relevante para efeitos da execução orçamental, acrescenta o documento que “o facto de a informação sobre a execução orçamental ser ainda em larga medida baseada

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numa ótica de caixa, impede um conhecimento atempado da totalidade dos compromissos assumidos”(p. 12).

O DEO 2012-2016 (Ministério das Finanças, 2012) mantinha a preocupação com a qualidade da informação financeira prevendo a adoção de medidas com o objetivo de melhorar a qualidade da informação orçamental e de reforçar o controlo da despesa e dos compromissos assumidos com a entrada em vigor de uma lei de controlo dos compromissos e pagamentos em atraso. Por fim, o DEO 2013-2017 prevê que a reforma do processo orçamental contemple as várias fases do processo orçamental, designadamente a prestação de contas, estabelecendo como objetivos estratégicos, entre outros, a garantia da “convergência entre os universos da Contabilidade Pública e da Contabilidade Nacional” (p.43), a reorientação do controlo orçamental “para o controlo dos compromissos” (p.43) e a melhoria da “qualidade da informação contabilística” (p. 43). Relativamente ao registo de compromissos, ou seja, das responsabilidades que se traduzem em pagamentos futuros, o DEO 2013-2117 defende que a “integração da informação relevante nos sistemas contabilísticos é um fator crítico para a qualidade da informação orçamental” (p.44), assegurando “maior fiabilidade da informação obtida” (p. 44). Para melhorar a informação contabilística, o DEO 2013-2017 reconhece que melhoria da qualidade da informação contabilística só será efetiva “quando a contabilidade de base de acréscimo for utilizada por todas as entidades do Sector Público, sendo a partir dos sistemas contabilísticos locais que deverá assentar a base de informação a ser integrada na contabilidade pública e na contabilidade nacional” (p. 45).

A Lei n.º 64-C/2011, de 30 de dezembro, que aprova a estratégia e os procedimentos a adotar no âmbito da LEO, bem como a calendarização para a respetiva implementação, reconhece que a existência de duas óticas para registo das operações (caixa e acréscimo) tem-se traduzido em “diferenças que nos últimos anos têm assumido particular expressão (…) ao nível do apuramento da receita e despesa do ano” [p. 5538-(245)], pelo que “estas diferentes abordagens afetam a transparência das contas públicas” [p. 5538-(245)]. A Lei acrescenta que a “informação sobre a execução orçamental é ainda em larga medida baseada numa ótica de caixa, impedindo um conhecimento atempado da totalidade dos compromissos assumidos” [p. 5538-(248)], pelo que determina, assim, como prioridade imediata, a “melhoria da qualidade da informação orçamental e o reforço do controlo dos compromissos assumidos pelas entidades públicas” [p. 5538-(245)]. Aquela lei destaca, ainda, que, em matéria de procedimentos contabilísticos e de prestação de contas, o Governo está empenhado na “adoção de uma contabilidade patrimonial pela Administração Pública” [p. 5538-(252)] e que,

a ausência de um redesenho dos processos e dos procedimentos orçamentais e contabilísticos, tem consequência para a qualidade da informação. Nesse sentido, o Governo está empenhado em que a apresentação das contas das entidades do sector público seja feita com base nos princípios das IPSAS.

Quanto às administrações regionais dos Açores e da Madeira, que constituem um dos subsetores das Administrações Públicas, os pareceres do Tribunal de Contas formulam igualmente um conjunto de juízos críticos que sugerem existir problemas de qualidade das respetivas contas e da informação que elas divulgam (Tribunal de Contas, 2015-b).

Relativamente à conta da Região Autónoma da Madeira (CRAM) de 2010, O Tribunal de Contas observava que as demonstrações financeiras daquele ano mantinham um nível de informação semelhante ao dos anos anteriores, em que apenas refletiam os pagamentos realizados e as dotações orçamentais finais, sem referência ao volume de compromissos assumidos no ano e aos pagamentos feitos em 2010 que reportam aos compromissos dos anos anteriores, apesar de, na conta de 2010, a Região Autónoma já apresentar informação sobre a dívida administrativa. De acordo com o Tribunal de Contas, os valores das demonstrações financeiras de 2010 foram marcados pelo apuramento, em 2011, de montantes significativos de encargos assumidos e não pagos (EANP) não reportados às autoridades estatísticas nacionais nem registados nas contas regionais de 2004 a 2009 remetidas àquele Tribunal. Estes montantes de EANP tiveram impacte “nomeadamente no cálculo do défice e da dívida de 2010 à luz do PEC e do SEC95” (p. 6).

O Parecer do Tribunal de Contas à conta de 2010 destaca, ainda, que a Administração Regional procedeu em 2011 e 2012, “em articulação com a Direção Geral do Orçamento (DGO) e o Instituto Nacional de Estatística (INE), a reajustamentos que determinaram a reclassificação como compromissos nas contas de 2011 de várias operações” (p. 6) e que esta matéria dos EANP tem merecido várias considerações do Tribunal de Contas em anteriores relatórios e pareceres “sem que se tenha assistido a suficientes melhorias” (p. 6). As considerações feitas pelo Tribunal de Contas eram no sentido de se “introduzir maior rigor e transparência às contas públicas, e de promover a sustentabilidade das finanças regionais, através da garantia de fontes de receita e de gestão controlada das despesas” (p.6).

Nas principais conclusões à CRAM de 2010 o Tribunal de Contas destaca que aquela conta “não espelha de forma fiel as cobranças dos principais agregados da receita (impostos e transferências correntes), induzindo apreciações incorretas da execução orçamental” (p. 11)

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por força da indevida contabilização de receitas de impostos quando na verdade se tratava de transferências do OE e que os encargos assumidos e não pagos (EANP) indicados na conta de 2010 devem ser corrigidos em alta devido à existência de compromissos não reportados. O parecer do Tribunal de Contas acrescenta que a Região Autónoma da Madeira tinha compromissos financeiros acumulados com empresas participadas que não foram considerados no valor dos EANP indicados no relatório da conta de 2010, nem reportados na informação que a Administração Regional prestou à DGO e ao INE, e que a relação dos EANP omitiu compromissos assumidos pelos SFA regionais. Por fim, o Tribunal de Contas refere que a informação acerca da dívida administrativa reportada no relatório da CRAM de 2010 estava afetada por “erros significativos” (p. 13).

No Parecer à Conta de 20113, o Tribunal de Contas continuou a revelar o apuramento de montantes significativos de EANP de anos anteriores que não foram reportados às autoridades estatísticas nacionais, nem foram incluídos nas contas enviados ao Tribunal, e que têm impacte no cálculo do défice e da dívida pública, acrescentando, na parte das conclusões, que os métodos e procedimentos do sistema de controlo interno existente “não garantem suficientemente a precisão e plenitude dos registos referentes aos compromissos assumidos pelas diversas entidades públicas [regionais], nem a obtenção atempada de informação indispensável ao acompanhamento e controlo da execução do orçamento regional” (p. 9). Por fim, o Parecer refere que a Região deveria acolher a recomendação feita anteriormente no sentido de implementar “um sistema eficaz que permita uma efetiva correspondência entre as contas de gerência dos SFA e os mapas anexos da CRAM referentes à execução orçamental das despesas globais desses organismos” (p. 14).

A dívida da Região Autónoma da Madeira é outro exemplo de compromissos assumidos pelas entidades públicas da Região Autónoma sem expressão nas demonstrações financeiras. O Banco de Portugal e o Instituto Nacional de Estatística, em comunicado conjunto (Banco de Portugal, 2011), revelam ter tomado conhecimento do relatório sobre a Auditoria Orientada para os Encargos Assumidos e Não Pagos da Administração Regional da Madeira – 2009” onde são identificados Acordos de Regularização de Dívida (ARD) que não foram inscritas na lista de encargos assumidos e não pagos. Tal como já se tinha referido a propósito da passagem de agregados de base de caixa para agregados de base de acréscimo, o INE considera a informação desta lista no processo de ajustamento da base contabilística. O Banco de Portugal e o INE reconhecem que esta lista de EANP, de “preenchimento obrigatório (…)

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é uma importante fonte de informação estatística para apurar a despesa e a dívida dessas entidades na ótica das contas nacionais” (p.1).

Este problema do “registo” dos ARD confirma, pois, que os encargos assumidos e não pagos pelas entidades públicas não são obtidos com base nas demonstrações financeiras mas numa “lista de preenchimento obrigatório”, não existindo qualquer garantia de que estes encargos assumidos e não pagos sejam coerentes com os encargos que decorrem da execução orçamental e com os encargos inscritos no passivo das entidades públicas. O problema do registo administrativo dos EANP coloca em causa a qualidade das fontes de informação usadas nas contas públicas.

Ainda de acordo com o INE e o Banco de Portugal (Banco de Portugal, 2011), as dívidas objeto de regularização em 2008 e 2009 foram contraídas desde 2004 e não foram registadas como encargos assumidos e não pagos, nem foram comunicados à autoridade estatística. Até