• Nenhum resultado encontrado

Operacionalização das características qualitativas

IV. A Qualidade da Informação

IV.2. A qualidade da informação financeira

IV.2.3. Operacionalização das características qualitativas

A operacionalização das características qualitativas, ou seja, a tentativa da sua medição, tem sido uma das áreas de investigação no que diz respeito à qualidade da informação financeira. A representação fiel, a relevância ou a comparabilidade são atributos da informação financeira

QUALIDADE DAS CONTAS PÚBLICAS: IDENTIDADES BÁSICAS E CONSISTÊNCIA INTERNA

118

que asseguram a sua qualidade e a que a investigação se tem dedicado a tentar medir. Como se pode medir a representação fiel, a relevância ou a comparabilidade da informação financeira? Ou seja, como se podem operacionalizar as características qualitativas?

Nas bases para conclusão do FASB (BC3.30-BC3.31) relativas ao Statement of Financial

Accounting Concepts n.º 8 (FASB, 2010), questionava-se se a representação fiel poderia ser

medida empiricamente. A conclusão foi a de que a investigação nesta área tem acumulado evidências consideráveis sobre a relevância e a representação fiel da informação financeira através da correlação com as alterações dos preços do mercado das ações e dos instrumentos de dívida das empresas. No entanto, segundo a BC 3.30 estes estudos não disponibilizam técnicas para a medição empírica da representação fiel para além da relevância. Seria desejável, conclui a BC 3.30, que fosse disponibilizada informação estatística sobre como uma medida financeira pode ser fielmente representada. A literatura identifica diversas abordagens com a operacionalização das características qualitativas, estabelecendo uma relação entre a qualidade da informação financeira e as características qualitativas definidas nas normas de contabilidade.

Karagul e Ozdemir (2012), por exemplo, utilizaram as dimensões de qualidade definidas por Wang e Strong (1996) para estudar as semelhanças e diferenças na perceção da importância dos atributos de qualidade da informação financeira através da identificação de atributos comuns às dimensões da qualidade e às características qualitativas. Para o efeito compararam o ponto de vista dos académicos com o ponto de vista dos profissionais (sector bancário no caso em estudo), em que o ponto de vista dos académicos em contabilidade é avaliado e os resultados são comparados com a visão dos profissionais de contabilidade do sector bancário. A qualidade da informação financeira implica a existência dos atributos que a informação financeira deve ter para satisfazer as necessidades de informação dos seus utilizadores. Segundo Karagul e Ozdemir (2012), de acordo com a estrutura conceptual dos relatórios financeiros do IASB e FASB, as características qualitativas são os atributos que tornam a informação financeira útil, ou seja, as características qualitativas da informação financeira são determinantes da qualidade que a informação financeira deve possuir. Para os autores, essas características são a relevância e representação fiel, bem como as características qualitativas que complementam as características qualitativas fundamentais, como a comparabilidade, verificabilidade, tempestividade e compreensibilidade. Com exceção da representação fiel, verificabilidade e comparabilidade, quando comparados com os atributos de qualidade da

informação de Wang e Strong (1996) as características qualitativas do IASB e FASB partilham a maioria dos atributos em comum (Karagul e Ozdemir, 2012).

Com base neste pressuposto, Karagul e Ozdemir (2012) construíram uma estrutura hierárquica para a qualidade da informação financeira incluindo as características qualitativas da comparabilidade, verificabilidade e representação fiel definidas pelo IASB/FASB no conjunto das dimensões da qualidade de Wang e Strong (1996). Por exemplo, à categoria que agrupa as qualidades representacionais da informação definidas por Wang e Strong (1996) foram associadas as características qualitativas da verificabilidade e da representação fiel e à dimensão que agrupa as qualidades contextuais da informação definidas por Wang e Strong (1996) foi associada a característica qualitativa da comparabilidade. A partir desta hierarquia foi utilizada a metodologia AHP (Analytic Hierarchy Process). Os resultados do trabalho de Karagul e Ozdemir (2012) sugerem que a dimensão da qualidade da informação financeira mais valorizada pelos académicos da contabilidade é a precisão, seguindo-se a objetividade e a segurança, enquanto do ponto de vista dos profissionais da contabilidade, o acesso, a precisão e a segurança são as dimensões mais referidas.

O trabalho de Van Beest et al. (2009) propõe uma medida de qualidade dos relatórios financeiros a partir da operacionalização das características qualitativas observáveis através da informação financeira das empresas. O objetivo é avaliar a qualidade dos relatórios financeiros em termos das características qualitativas fundamentais (relevância e representação fiel) e das características qualitativas que melhoram as características fundamentais (compreensibilidade, comparabilidade, verificabilidade e pontualidade), conforme definido na Estrutura Conceitual, quer do FASB quer do IASB.

A operacionalização das características qualitativas é feita através da construção de um índice composto por 21 perguntas associadas a cada uma das características qualitativas. Por exemplo, a característica qualitativa da relevância tem associadas 4 perguntas, enquanto a característica qualitativa da representação fiel foi operacionalizada através de 5 perguntas. O procedimento prolonga-se da mesma forma (com outras questões associadas) pelas restantes características qualitativas (incluindo as que contribuem para a melhoria das características qualitativas fundamentais da relevância e da representação fiel), com exceção da característica qualitativa da oportunidade que é medida através do logaritmo natural do número de dias. Os autores utilizaram uma amostra de 231 relatórios anuais de empresas cotadas no mercado de

QUALIDADE DAS CONTAS PÚBLICAS: IDENTIDADES BÁSICAS E CONSISTÊNCIA INTERNA

120

capitais dos EUA, Reino Unido e Holanda. As respostas obtidas, por análise dos relatórios pelos autores, são distribuídas numa escala entre 1 e 5.

Segundo os autores, os resultados empíricos obtidos mostram que a influência sobre a qualidade da informação financeira de diversas variáveis, como as normas contabilísticas, o sistema legal e o ambiente em que é aplicado e a dimensão da empresa e da indústria, é consistente com os resultados empíricos em pesquisas anteriores usando outros instrumentos de avaliação de qualidade. Os resultados empíricos suportam, ainda, a ideia de que a ferramenta de medição composta usada no estudo é, segundo os autores, uma abordagem válida para avaliar a qualidade dos relatórios financeiros.

Outra área de investigação orientou-se para o estudo do impacte das normas de contabilidade na qualidade da informação financeira. Por exemplo, Barth et al. (2006) compararam as métricas de qualidade contabilística entre empresas que usam as IAS (International

Accounting Stadards) e as que usam as US GAAP (princípios de contabilidade geralmente

aceites nos EUA) para analisar se as empresas que usam as US GAAP têm menores ganhos de resultados, reconhecimento de perda mais rápida e maior relevância do que as empresas que utilizam as IAS. Usando modelos econométricos para realizar as comparações, o trabalho de Barth et al. (2006) conclui que as empresas dos EUA apresentam uma maior qualidade contabilística do que as empresas que utilizam as IAS. A aplicação das IAS não teve efeitos sistemáticos sobre a diferença relativa na qualidade da contabilidade.

No mesmo sentido, o trabalho de Van der Meulen et al. (2007) procurou medir a relação entre a qualidade das demonstrações financeiras e a utilização de diferentes normas de contabilidade (US GAAP e IFRS). Usando métricas definidas com recurso a modelos econométricos, a investigação conclui que as demonstrações financeiras elaboradas de acordo com as US GAAP comparam bem com as demonstrações financeiras que utilizam as IFRS, exceto na capacidade preditiva das demonstrações financeiras preparadas com base nas US GAAP, que é superior às demonstrações financeiras preparadas de acordo com as IFRS

O trabalho de Plummer et al. (2007) é um exemplo da investigação sobre a qualidade da informação financeira do sector público usando as normas de contabilidade em vigor neste sector. A partir de uma amostra de 530 escolas do Estado do Texas (EUA), os autores investigaram a relevância da informação financeira produzida de acordo com a norma GASB n.º 34 para avaliar o risco de incumprimento (default risk) daquelas instituições. Os autores analisaram também se a informação disponibilizada pelas demonstrações financeiras

elaboradas de acordo com esta norma contabilística são incrementais relativamente às declarações sobre fundos governamentais (preparadas numa base contabilística diferente). A metodologia consistiu na apresentação de estatísticas não paramétricas (correlações de Pearson) e modelos econométricos. As conclusões de Plummer et al. (2007) são de que a informação financeira produzida de acordo com a norma GASB n.º 34 é relevante para avaliar o risco de incumprimento das escolas e que as informações disponibilizadas pelas demonstrações financeiras elaboradas de acordo com esta norma são incrementais relativamente às declarações sobre fundos governamentais.