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O FUNDEF: ENTRE DIFERENTES DISCURSOS

4.2.3 – A CNTE: A EXPRESSÃO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO

A posição da CNTE, revelada em seus documentos, se traduz, de modo geral, em constante combate a “políticas orientadas pela globalização econômica, com o viés neoliberal”, o que pauta a sua ação de exercer força de pressão para a “ampliação da receita pública”. Com efeito, segundo análise da entidade, os percentuais de destinação

de recursos para a educação decaem, no período 1995/1998 “há queda significativa de verbas para a função Educação e Cultura, chegando-se a um número acumulado de 19,5%, em 1998”.

É de notar que a CNTE assumiu, deliberadamente, um discurso de resistência às políticas emanadas do Governo Federal, demarcando posição política contra qualquer proposta provinda de um Governo considerado como de nítida feição neoliberal, alinhando-se às posições dos partidos à esquerda.

É com esta visão que analisa iniciativas de políticas educacionais como, por exemplo, a alteração da Constituição Federal pela PEC nº 233, que resultou na Emenda Constitucional nº 14. Para esta entidade, a Emenda “elimina as principais conquistas obtidas em 1988”, uma vez que limita a gratuidade do ensino público aos estabelecimentos oficiais, redefinindo o dever do Estado para com a educação, ao mesmo tempo em que “retira a garantia do Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, aos que não tiveram acesso em idade própria, retira, também, a possibilidade de estender a obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio, restringindo a oferta gratuita de creches”. Em síntese, a Emenda, segundo a CNTE, reduz o compromisso da União com a Educação Básica, na medida que não inclui a Educação Infantil e a EJA como também destinatárias dos recursos subvinculados pelo Fundo.

Ressalte-se que, desde o início das discussões sobre o FUNDEF, a CNTE defendia uma outra proposta de Fundo, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB - de modo a contemplar os diferentes níveis e modalidades da Educação Básica, questão que está presente em todas as suas práticas discursivas.

Para esta entidade, o FUNDEF “nada mais é do que a política do cobertor curto, onde se tira de quem já tem pouco, para dar a quem nada tem”.(Resoluções, Cuiabá, 1997).

Nessa perspectiva analisa o custo aluno ano apresentado pelo Governo Federal, como “uma deturpação grosseira da proposta de custo/aluno/qualidade, capaz de viabilizar um padrão mínimo de qualidade de ensino nacional” (1998). Entende, portanto, o FUNDEF como negação do direito à educação e do dever do Estado, ao negar a sua aplicação às demais modalidades de atendimento no próprio Ensino Fundamental. Posição que não consegue avançar, não obstante haver consenso entre os educadores sobre a necessidade de um fundo mais abrangente, até porque o FUNDEF propiciou, de fato, atendimento prioritário da etapa obrigatória de escolarização: o Ensino Fundamental.

A CNTE considera que “a política do Governo FHC está na contramão das necessidades fundamentais das escolas, da construção da qualidade do ensino, da afirmação da valorização profissional, da democratização da educação; portanto, é uma política de negação ao direito” (Resoluções do XXVIII Congresso da CNTE, 2001), o que revela a tônica polarizada que assumiu uma política educacional que visava a encontrar meios para materializar significados democráticos que haviam sido fixados no campo educacional como a efetiva universalização do acesso à educação.

Outro foco de polarização torna-se o processo de municipalização que, conforme anotamos, constitui uma de suas principais características, reelaborando sentidos historicamente construídos em relação à democratização da educação. Para a CNTE, entretanto, a municipalização compulsória, com “repasse de atribuições, mas sem repasse de recursos adicionais”, constitui uma das “armadilhas do neoliberalismo”. Como consequência tem-se: a acentuação das desigualdades regionais/locais; a

ampliação da interferência das elites locais, pelo clientelismo e autoritarismo; o incentivo à busca de parcerias com empresas, induzindo à privatização; o prejuízo para a organização dos trabalhadores em educação, pela diversificação de situações funcionais, portanto, ação que diferentemente do propalado constituiria entrave à efetiva democratização do ensino.

A municipalização da educação, como forma de descentralização da política educacional ansiada desde os anos de 1930, constitui para a CNTE uma estratégia neoliberal que “teve como um de seus objetivos a descentralização da pressão social sobre os governos, isto é, a atomização da luta em defesa de uma escola pública democrática e de qualidade, a velha tática do “dividir para reinar”. Estaria aí talvez um indício de que a afiliação política da fonte indutora de políticas termina por ser o principal foco da disputa por sentidos, realimentando o antagonismo. É o que pode ser observado quando a CNTE se refere à União.

Classifica, assim, a ação supletiva da União de “vergonhosa sonegação federal no FUNDEF”, desde que, passados três anos de vigência do texto da Lei, o seu próprio criador, “não vem cumprindo-a”. Considera que isto não é um fato isolado, mas “faz parte de uma política irresponsável do Governo Federal, no tocante ao setor educacional, traduzindo-se num calote sob a lábia de ajuste econômico”. Compromete a maioria dos governadores com essa situação, dizendo que, “infelizmente, segue a política traçada pelo Palácio do Planalto e que, apesar de lesados, nada fazem para alterar a situação vigente”. (1999). Destaca ser preciso “estar alerta em mais este combate, para cobrarmos do governo FHC, o pagamento do calote e o necessário aumento de recursos para a educação” (1999).

Os pontos cruciais de divergência apontados pela CNTE (1999) com relação ao FUNDEF podem ser observados nos momentos que elege para denunciar:

. Veto do executivo sobre as matrículas de alunos da EJA;

. Uso do Salário-Educação-Quota Federal para complementação da União; . Denúncias de desvios de recursos de salários para qualificação docente; . Investimentos com juros não aplicados na educação;

. Falta de controle e acompanhamento pelos conselhos;

. Aumento de competição e não de colaboração entre os níveis subnacionais.

Calcada em denúncias de conselheiros sobre “ações ilícitas de chefes do executivo tais como: sonegação de informações, desvios de recursos, falcatruas, dentre outras”, feitas durante a realização do III Encontro Nacional do FUNDEF, em julho de 2001, a CNTE e seus sindicatos afiliados vêm fazendo denúncias junto aos órgãos competentes pela sua fiscalização – Ministério Público e Tribunais de Contas, dizendo que os

“conselhos já nascem viciados porque os governantes, tanto prefeitos, como governadores, indicam as pessoas de sua estrita confiança – parentes, amigos, irmãos, mulher - se tornando em conselhos fantasmas, existindo apenas para cumprir a lei. Na planilha, 98% das cidades brasileiras têm conselhos, mas na prática não funcionam e quando funcionam têm dificuldades para encaminhar a fiscalização79” (2000).

Ressalte-se que, por ocasião da VI Conferência Nacional de Educação, promovida pela CNTE, em agosto de 2001, foram tiradas algumas conclusões que expressam a tentativa de marcar posição antagônica ao Governo Federal:

• “A adoção do FUNDEF com focalização no Ensino Fundamental de idade própria e o desrespeito ao valor mínimo aluno-ano não é ato isolado do Governo Brasileiro, mas um alinhamento às políticas de ajuste fiscal;

79 O secretário da CNTE e membro do Conselho Nacional do FUNDEF, descrevendo a situação dos

conselhos afirma que, apesar dos problemas, “a sociedade tem demonstrado vontade de fiscalizar, não apenas os recursos do FUNDEF, mas da educação de modo geral” (2001).

• A sonegação oficializada pela isenção de impostos constitui grande problema, diminuindo quase pela metade a disponibilidade de recurso para a educação;

• A falta de clareza quanto a critérios adotados por vários governos municipais quanto à divulgação do FUNDEF nos órgãos oficiais de controle social”. (Revista de Educação - CNTE,

1999/2002, nº 5).

Referindo-se à sua posição com relação ao Fundo, a CNTE assume explicitamente que sua

“atuação sobre o FUNDEF ultrapassa a simples denúncia para constituir uma ação consistente, articulada com o país e outras representações nos seminários Regionais e Nacionais. Isso fundamenta, com corpo político, as ações judiciais postas ou apoiadas pela CNTE para cumprimento do art. 6º da Lei 9424/96 que se refere ao custo aluno” (Resoluções do XXVIII Congresso Nacional da CNTE, 2001).

Ou seja, fica claro que há nítida disputa por hegemonia na definição e implementação de políticas educacionais, mesmo daquelas claramente inspiradas na luta em favor da democracia, como seria o caso do FUNDEF. E o álibi é encontrado na sua principal reivindicação, o Piso Salarial Nacional para os Profissionais da Educação. Por não ter sido contemplada no FUNDEF nos moldes propostos pela CNTE, esta reivindicação continua a ser objeto de sua luta. Para tanto, salienta que este piso, que deveria ser extensivo a todos os profissionais da educação e foi defendido desde as primeiras discussões sobre o Plano Decenal de Educação Para Todos e ganhou destaque nas primeiras formulações do FUNDEF, integrando, aliás, o Pacto de Valorização do Magistério, estabelecido em 1994.

Os discursos da CNTE, conforme pudemos observar, decorrem de práticas articulatórias que se inscrevem em outra formação discursiva, explorando, portanto, elementos que permitam estabelecer diferenças com o discurso do FUNDEF. De maneira geral, apresenta resistências, marcadas pelas diferenças discursivas, onde o

elemento chave da afirmação de suas diferenças é a disputa de projetos políticos e a estratégia consiste em equivaler o FUNDEF ao neoliberalismo.

Se tentássemos fazer uma gradação entre os discursos do MEC e das entidades examinadas, poderíamos concluir que o MEC manifesta nítida aderência ao FUNDEF, até porque foi o seu formulador, aderência encontrada também no CONSED e na UNDIME no que se refere à concepção do FUNDEF, como Fundo que redistribui recursos para a educação, induzindo a colaboração entre instâncias governamentais. As relações de conflito e de antagonismo ocorrem, sobretudo, quanto à sua implantação/implementação, especialmente no tocante à ação suplementar da União. Já a CNTE se situa mais no campo da resistência, tanto em relação à sua concepção como à sua implementação, pelo deslocamento de sentidos que realiza, localizando-os como materialização de políticas neoliberais.

A necessidade de se buscar uma nova engenharia para o financiamento educacional constitui referência comum das três entidades, convergência esta imediatamente transformada em diferença quando tratam de sua implementação. Com efeito, ao tornarem equivalente o FUNDEF ao ideário neoliberal, as entidades alargaram o espaço de luta política exacerbando as diferenças, o que impediu qualquer negociação visando a superação das distorções apontadas. O que prevalece é a reivindicação do abandono do que é considerado o núcleo de tais políticas.

A seguir, fazemos uma análise dos discursos contemplados nas entrevistas com aqueles que tiveram papel ativo na sua implementação, seja como dirigentes seja como conselheiros, buscando captar os sentidos por eles atribuídos ao FUNDEF.

CAPÍTULO V

DESCOBRINDO SIGNIFICAÇÕES E RESSIGNIFICAÇÕES