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DESCENTRALIZAÇÃO , MUNICIPALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO: SUAS INTERFACES

2.2 DESCENTRALIZAÇÃO E MUNICIPALIZAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

A literatura consultada tem revelado a estreita e íntima relação existente no caso brasileiro entre descentralização e municipalização, face às mais diversas experiências que vêm ocorrendo, sobretudo, a partir de meados do século XX, mais enfaticamente ao longo das suas duas últimas décadas, o que nos autoriza a tomar, no presente estudo, a municipalização como expressão da descentralização.

45 Ao se referir ao federalismo brasileiro, sobretudo no que diz respeito ao processo de definição e de

implementação das políticas sociais, Almeida (2001) observa que o mesmo evidencia, ao longo da história, um duplo modelo, um que fora inaugurado ainda no período republicano e, outro, que se instaura com a Constituição Federal de 1988.

Assim, a municipalização como uma manifestação da descentralização vem se pautando, conforme evidenciam as recentes tendências, nos princípios de subsidiaridade segundo os quais “tudo que puder ser feito de forma mais eficiente – com economia de meios -, eficaz – assegurando a realização das metas,- e efetiva, gerando os resultados gerais’ na realidade – por uma entidade espacialmente menor, como o município, não deve ser feito por um organismo, como o Estado ou União” (BACELAR, 2000, p. 46).

Tomando-se os movimentos pendulares existentes no Brasil, sobretudo no período pós trinta, constata-se que estes vêm ocorrendo por meio de ciclos de fraca/forte criação de municípios. Isso indica que os períodos de centralização política têm exibido uma redução nos índices de criação dos municípios, inversamente ao que se processa nos períodos de descentralização, onde há um considerável aumento das municipalidades.

Cabe destacar que centralização e descentralização vêm se alternando no Brasil, ao sabor dos movimentos conjunturais, desde o Império, passando pela primeira República e chegando aos tempos atuais. Assim, a trajetória histórica do país, como a da maioria dos países latino-americanos, tem sido marcada pela relação entre centralização e autoritarismo.

O ciclo de centralização, que se inicia no país, a partir de 1930, é minimizado a partir de 1946, criando condições favoráveis à instalação de uma fase de descentralização do poder político, que corresponde à chamada fase de redemocratização e da república populista que perdura até o golpe militar de 1964. Não obstante se afirmar que a partir do golpe se instala um período de descentralização, a análise da conjuntura deste corte temporal – 1964-1984 – mostra uma nítida feição centralizante que, conforme afirmam Gomes e Mac Dowell (2000,

p.16), “do ponto de vista político, os Estados e os municípios, o Legislativo e o Judiciário foram reduzidos a simulacros de poderes, estritamente controlados pelo Governo Central e, dentro destes, pelas elites militar e tecnocrática”.

Essa situação, contudo, não impediu que houvesse um início de descentralização, sobretudo no que se refere à distribuição das receitas fiscais para os municípios, nos anos setenta. Era, porém, “uma descentralização comandada e, em grande parte, concedida por Brasília, que poderia, muito bem, retirá-la quando lhe aprouvesse” (SERRA e AFONSO, 1991, p. 04).

Cabe lembrar que o paradigma da centralização e do intervencionismo que predominou na economia mundial, no pós-segunda guerra, entrou em crise nas décadas subseqüentes, assumindo, no Brasil, a forma do Estado Desenvolvimentista intervencionista, atingindo, sobremaneira, as políticas sociais, marcando fortemente as décadas de sessenta e setenta, ratificando o centralismo na cultura política brasileira46. A centralização que marcou o regime militar, contraditoriamente, minou espaços propícios à luta pela descentralização que passou a ser reivindicação política, aglutinando as forças opositoras. A excessiva centralização decisória dos governos militares gerou ineficiência, corrupção e falta de participação nas decisões, produzindo, em escala nacional, consenso entre forças políticas de esquerda e de direita em favor da descentralização.

Os pressupostos subjacentes eram a possibilidade de se firmar as bases democráticas capazes de conferir legitimidade ao Estado, além de contribuir para a construção de uma sociedade civil forte, organizada e participativa, depositando-se

46 Nos tempos do autoritarismo militar, iniciado em 64, a centralização se expressa nas diferentes

dimensões, ela é política, é financeira e é também administrativa. Os representantes da ditadura centralizaram o poder, as finanças e as atribuições, promovendo o esvaziamento das instâncias subnacionais.

credibilidade na capacidade autogestionária da população e de eliminação dos tradicionais regimes tutelares.

Com a abertura política, nos anos oitenta, assiste-se a ampliação das demandas pela oferta de políticas públicas, reivindicando-se mudanças nas formas de sua implementação denunciando-se, inclusive, as estruturas centralizadoras, acenando-se para a urgência da descentralização em sua tríplice dimensão: política, administrativa e financeira.

Um amplo e mais firme movimento em defesa da descentralização começa a acontecer, sobretudo, a partir das eleições de 1982, quando a descentralização é encampada por diversos governadores eleitos, representantes de forças políticas progressistas, promovendo-se múltiplas e diversificadas experiências descentralizantes. Esse processo é bem descrito por Barreto (1992, p.273), para quem

“o movimento de rearticulação dos esquemas de poder, que já não têm condição de se sustentar nos moldes do modelo altamente concentrador, esgotado com o regime militar autoritário, desencadeia um processo de descentralização que se instala definitivamente na sociedade brasileira, a partir do restabelecimento da ordem democrática no país” .

A própria Constituição Federal de 1988 alterou, substantivamente, o quadro de poderes, responsabilidades e recursos, concedendo relevo aos municípios, reconhecendo-os, pela primeira vez em nível de legislação, como sistemas municipais, ao mesmo tempo em que estabelece a necessidade de cooperação técnica e financeira, num esforço conjunto entre as três instâncias governamentais.

Entretanto, algumas questões acerca da municipalização são levantadas por Fonseca (1997), tais como: a municipalização não estaria na contramão dos acontecimentos e das experiências do mundo moderno? Não seria um anacronismo valorizar o local, quando nos tornamos cidadãos do mundo e rompemos barreiras

comerciais e outras fronteiras? A premissa subjacente a tais indagações é a do perigo do “paroquialismo”, apresentando como alternativa a busca de articulação da mundialização com a globalização, seu argumento é o de que

“a municipalização é o retorno às instâncias menores da vida pública não são concebidos como ponto de chegada, mas como ponto de partida para a universalização e internacionalização em bases sólidas e sem perda da identidade e das características culturais de cada povo ou comunidade, (...), O desafio reside em conciliar individual e social, local e global” (34).

A notória aceleração da municipalização por que vem passando o Brasil é apreendida por Boaventura Santos (2002, p. 67), quando diz que

“os sistemas municipais vêm crescendo bastante nas últimas décadas, principalmente no NE, impulsionados por fatores os mais diversos, tais como situação financeira do Estado, urbanização e pressão direcionada às prefeituras”.

Também Azevedo (2002) entende que esse crescente processo de municipalização traduz uma das externalidades da adoção do princípio da descentralização que vem orientando a definição das políticas sociais e, por conseguinte, caracterizando a forma de intervenção estatal.

Nesse sentido, parece unânime entre os teóricos que o processo de municipalização tem sido debitado à ênfase na descentralização, não obstante as diferentes interpretações. Portela (1997, p.177), por exemplo, acha que o argumento da descentralização possui ambigüidade, na medida em que se

“pode ter um processo de municipalização em que o poder local não seja descentralizado, mudando-se apenas a esfera administrativa responsável pela gestão das ações. A julgar pela política vigente na maioria das administrações municipais no Brasil, esta deve ser a tendência dominante” 47.

Com base nessa constatação, Portela mostra a necessidade de se investigar, de forma mais aprofundada, se os processos de municipalização têm, de fato, concorrido

47 Essa afirmativa parece conter a ambigüidade entre descentralização e desconcentração, pendendo mais

para a ampliação da participação popular, uma vez que cerca de metade da população brasileira se encontra em cidades de grande densidade demográfica, fato que, para ele, se apresenta como inibidor de uma aproximação maior dos segmentos populacionais dos centros decisórios.

Essa análise é importante, segundo Portela, quando não se dispõe de pesquisas que comprovem a relação maior proximidade físico-geográfica x maior democratização das decisões, mesmo em cidades de pequeno porte.

Comungando com essa leitura, Tânia Bacelar (2000, p. 47) diz que “mesmo nas cidades de pequeno porte não se tem comprovação de que a proximidade físico- geográfica garante uma gestão mais democrática”.

De modo geral, conforme a bibliografia consultada, constatamos um processo bastante diferenciado entre os municípios, havendo, diferenças tanto dos índices de desenvolvimento, como de capacidade gerencial de muitos municípios em relação a outros, comprovando extrema heterogeneidade da composição das municipalidades brasileiras. A Região Nordeste constitui típico exemplo, ao estampar níveis de empobrecimento e de dependência financeira em grande parcela dos municípios existentes.

Essa constatação é ratificada por Arretche (1998) que, ao analisar as diferenças existentes entre as realidades estaduais e locais no que se refere à descentralização das políticas sociais, detecta a diversidade que há entre os níveis de implementação da descentralização, em decorrência dos graus de adequabilidade das estratégias desenhadas, consoante com o contexto econômico, político e institucional dos municípios.

As reflexões feitas até o momento oferecem condições de melhor compreender como vem se processando a municipalização da educação brasileira, sob a égide da descentralização, tema que será, a seguir, objeto de nossa análise.

2.3 - MUNICIPALIZAÇÃO: UMA POLÍTICA DE