• Nenhum resultado encontrado

O FUNDEF: ENTRE DIFERENTES DISCURSOS

4.1 O MEC: A EXPRESSÃO DO CRIADOR DO FUNDEF

Para o MEC, o FUNDEF representa o “principal instrumento de mudança contemplado pela reforma constitucional proposta e implementada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso”. Por meio dele foi possível ao Governo responder ao compromisso assumido perante a sociedade brasileira de “conferir prioridade à universalização e melhoria da qualidade do ensino obrigatório” (Relatório 1998-2000, p.5), enfrentando as iniqüidades históricas que impediriam o desenvolvimento da política educacional do país. A incorporação, no prazo mais curto e de modo adequado, do expressivo contingente de crianças que ainda se encontrava fora da escola constituía, portanto, a grande prioridade governamental, tendo em vista que, em 1994, a taxa de escolarização no Brasil, do Ensino Fundamental, ficava em torno de 89% (Relatório 1998/2002, p.3).

Segundo o MEC, o FUNDEF vem promovendo “autêntica revolução nas condições de oferta do Ensino Fundamental no Brasil –uma revolução silenciosa- tendo como mérito enquanto política pública, a universalidade”, conforme afirma Semeghini.

Tais formulações indicam a credibilidade e a adesão suscitada pelo FUNDEF, posturas que se justificariam pela própria posição do MEC na proposição e condução do processo de sua instituição, instância, portanto, que criou as bases da legitimação e hegemonia do FUNDEF como um discurso político.

Com efeito, o modelo de financiamento introduzido a partir da Constituição Federal de 1988, não teria permitido ao MEC “promover o aumento adequado da destinação dos recursos efetivamente aplicados no ensino obrigatório, em grau

compatível com o nível de gastos efetivamente demandados”.(Relatório 1998/2000, p. 6).

Este relatório, aludindo às razões históricas que engendraram a oferta educacional significativamente diferenciada nos estados da federação, constata a acentuada desigualdade na repartição dos encargos educacionais (nota 79), e a ausência de capacidade orçamentária dos municípios para investir em educação. Esses e tantos outros argumentos conduzem ao MEC considerar o FUNDEF como dispositivo legal capaz de promover a correção da má distribuição de recursos e de enfrentar a raiz das desigualdades existentes entre as redes públicas de ensino. Daí decorreria seu caráter inovador, possibilitando a articulação das três instâncias federadas, além de propiciar espaço de participação da sociedade, aspecto salientado, igualmente, no Relatório 1998/2002.

A afirmação do discurso de que faltava à educação uma política de financiamento capaz de superar os crônicos e graves problemas do aporte de recursos para as demandas educacionais serviu, assim, de base para construir uma prática discursiva convincente para os educadores que desde os anos oitenta, no âmbito do processo de redemocratização da sociedade e da educação, reforçaram a reivindicação de mudanças substantivas no financiamento educacional.

Vários atributos são conferidos pelo MEC ao FUNDEF, tais como:

“promover a justiça social; promover uma política nacional de equidade no acesso aos recursos destinados à educação fundamental; promover a efetiva descentralização; promover a qualidade do ensino e a valorização do magistério”, na concretização do objetivo de “redução dos desníveis interestaduais e interregionais pelo estabelecimento de um valor mínimo nacional” (Relatório 1998/2002, p. 6).

É, entretanto, a complementação do Governo Federal que, conforme o MEC, “assegura recursos adicionais aos estados e municípios das regiões mais carentes,

garantindo o valor mínimo por aluno/ano75” (Relatório 1998/2000, p.10). Argumento discursivo que muito contribuiu para a aderência de gestores estaduais, municipais e dos próprios docentes ao FUNDEF, porque estes últimos acreditaram na possibilidade de terem maiores salários e melhores condições de trabalho.

É, aliás, este o aspecto mais destacado pelo MEC no Relatório de 1998/2000, p.12: “colhendo, em três anos, resultados alentadores que já confirmam o acerto das mudanças”, expressas na “participação dos municípios, no bolo dos recursos do FUNDEF,(que) passou de 38% em 1998 para 44% em 2000, como consequência direta das mudanças ocorridas na distribuição do alunado do Ensino Fundamental entre as redes estaduais e municipais”. Promove, assim, o processo de municipalização acelerada, o que é reconhecido pelo Ministério: “os expressivos resultados atingidos pelo FUNDEF, transformando radicalmente as condições do financiamento do Ensino Fundamental, explicam-se pela forte municipalização ocorrida no seu ainda curto período de vigência”.(p17). Observe-se que este discurso, de certa forma, constitui resposta ou comentário a tantos outros discursos que denunciam o açodamento da municipalização como um dos efeitos negativos provocados pelo FUNDEF. Para o MEC, os aspectos positivos expressos nos dados estatísticos referentes ao Fundo demonstrariam o seu potencial transformador da política de financiamento educacional. Em sua avaliação, naqueles estados onde houve uma política favorável à municipalização, em decorrência de incentivos do Governo federal, ou por interesse dos próprios municípios, houve um elevado fluxo de transferência de alunos.

75 O balanço 1998-2000 acrescenta que “há acréscimo de recursos aos fundos estaduais, uma vez que o

Governo Federal realiza aportes destinados à equalização dos gastos dos Estados cujos fundos, ao serem repartidos pelo nº de matrículas, não atingem o valor mínimo fixado por aluno” (Relatório 1998/2000, p.11).

Em termos regionais, a municipalização ocorreu no Norte, sobretudo no Pará, seguida da Região Sudeste, puxada por Minas, São Paulo e Espírito Santo, onde se evidenciava uma concentração de atendimento estadual acima de 70%, em 1997. (Relatório 1998/2002, p.20). Em Minas, por exemplo, o atendimento em escolas municipais se restringia a 26,3% em 1997, passando a 44,9% em 2001, situação próxima àquela de São Paulo que passou de 18,8% a 33,3% nesse mesmo período. Para o MEC, é possível ”aquilatar a significativa melhoria alcançada pelos valores por aluno/ano registrados nas redes municipais, exatamente nas regiões mais carentes, onde os municípios respondem pelo atendimento da maior parte do alunado” (Relatório 19978/2000, p.13). A redistribuição também teria gerado benefícios para as regiões metropolitanas, áreas de concentração de carências educacionais.

De fato, as suas estatísticas comprovam que os municípios mais beneficiados com o FUNDEF foram justamente os do Norte e do Nordeste, regiões mais pobres do país. O forte processo de municipalização induzido pelo FUNDEF permitiu “ganhos a 85% dos municípios do Nordeste, de 111% em 2001” (Relatório 1998/2002, p.12). De modo geral, em 2001, 64% das municipalidades tiveram suas receitas elevadas, proporção que chega em 2002 a 89%, “confirmando o alcance pleno do objetivo de redistribuição financeira do FUNDEF” (p.14).O MEC evidencia o crescimento de 7,5% de alunos nas salas de aulas das redes públicas, no período 1997/1999, incremento que pode ser também resultado da Campanha - Toda Criança na Escola - deflagrada pelo MEC em 1997. Nas redes municipais este crescimento foi de 30,6%. Afirma que o crescimento em 1999 foi de 1,5% e que, a partir de 2000 iniciou-se o processo de inversão da curva de crescimento da matrícula, registrando-se uma tendência de redução que culminou, apenas nos anos de 2000 e 2001, uma queda de 2,13%” (Relatório 1998/2002, p.19).

Dados estatísticos mostram a influência positiva do FUNDEF sobre o perfil e a remuneração dos professores do Ensino Fundamental, confirmando que o “quantitativo de professores leigos reduziu-se celeremente, elevando a qualidade do ensino” (Relatório 1998/2000, p23/25), além de se observar um expressivo crescimento quantitativo e qualitativo de professores das redes municipais, devido a processos de capacitação associados ao aumento substantivo de salários, sobretudo de professores das regiões mais pobres76. A melhoria salarial ocorrida ao longo do período 1997-2002 é ratificada pelos dados estatísticos apresentados no Relatório 1998/2002.

Segundo o MEC, até 2000, foram instalados Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF, em praticamente todas as regiões do país, o que indica a compulsória criação dessas instâncias fiscalizadoras. O efetivo avanço na prática de fiscalização e acompanhamento tem sido possível, conforme o MEC, devido a articulações institucionais, envolvendo o Ministério Público, os Tribunais de Contas, a Promotoria de Justiça e as Comarcas Municipais, que têm minorado a interferência do poder local, mesmo na Região Nordeste, em que 23,7% foram indicados.

Como podemos ver, é notória a aderência do MEC aos elementos articuladores dos momentos que vêm constituindo o discurso do FUNDEF, salientando os benefícios por ele gerados, nas diversas áreas de sua intervenção, diferenciando-se, assim, das práticas discursivas de outros atores desta política educacional, que realçam, sobretudo, as suas fragilidades.

É nessa perspectiva que o MEC destaca o Prêmio UNESCO 2000, atribuído ao FUNDEF “em reconhecimento a sua importância como iniciativa capaz de alcançar e

mobilizar a sociedade, possibilitando a promoção da justiça social e a correção das

76 Houve aumento médio de 33,3% na remuneração de professores nas redes municipais e de 25,2% na das

distorções na aplicação dos recursos vinculados ao Ensino Fundamental público” (29). Discurso que apela para o convencimento e para a garantia de uma base de sustentação

política do FUNDEF nas instâncias subnacionais, onde se verificam os maiores conflitos a seu respeito, especialmente, quanto ao CONSED e à UNDIME.