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A POLÍTICA EDUCACIONAL NO PERÍODO 1998-2002 – NO RASTRO DA REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO

3.1 A REFORMA DO ESTADO E SEUS PRESSUPOSTOS

Há cerca de três décadas instalou-se um amplo debate em torno das funções do Estado, num cenário marcado por crises expressas, sobretudo, pelas mudanças no processo de acumulação capitalista, promovidas pelo processo de globalização e que têm alterado a organização política dos Estados Nacionais, impondo-lhes a efetivação de amplas reformas.

Nesse sentido, as análises do papel do Estado e de suas crises, em escala internacional, segundo Azevedo e Andrade (1996), trazem à tona duas diferentes formas de entendimento: a leitura feita pelas correntes neoliberais e a interpretação realizada pelos pensadores de inspiração neomarxista.

Para as correntes neoliberais, a crise do Estado nos países de capitalismo avançado começa a partir dos meados dos anos setenta, devido às políticas de “Welfare State58”, implementadas desde a década de cinqüenta, nas chamadas democracias ocidentais, gerando, dentre outros efeitos, o superávit de demandas para o sistema

58 “Trata-se de um modelo sobre o qual sustentou-se o padrão de acumulação capitalista neste último meio

século e que a literatura o denomina, mais comumente, de modelo Keynesiano, Estado do Bem-Estar Social ou Estado-Previdência, modelo fordista” (FRIGOTTO, 1995, p. 71).

político e o inchaço da agenda governamental face à capacidade de arrecadação do Estado.

Para os neoliberais, a reforma do Estado deveria ter como pressuposto que a existência de um mercado livre, não regulado e, portanto, auto-suficiente contribui para a estabilidade da economia, além de garantir a liberdade individual como condição indispensável ao seu pleno desenvolvimento.

Já para os teóricos neomarxistas, a crise do Estado passa pelas transformações tecnológicas, pela crise de governança decorrente da transição do fordismo para a acumulação flexível, acarretando a necessidade de reformar o Estado de modo a adequá-lo aos imperativos da atual conjuntura.

Em que pese a existência de formas diferenciadas de entender o espaço estatal, observa-se consenso quanto à reestruturação havida nas sociedades contemporâneas, tanto de capitalismo central, como periférico, o que representaria ruptura da prática regulatória do Estado59.

É nesse contexto que se assiste na América Latina e, de modo particular no Brasil, ao esgotamento do modelo de Estado desenvolvimentista, de forte ingerência na economia, proliferando propostas de reformas voltadas para reduzir o tamanho do Estado, inclusive as relações entre Estado-sociedade-economia, com destaque para a inserção competitiva das economias nacionais na nova ordem internacional; o esgotamento do padrão de financiamento do setor público, a agudização da crise fiscal (MELO, 1998, p. 264).

Nesse sentido, o entendimento das reformas procedidas no Estado brasileiro implica considerar a interação entre “os atores internacionais e os atores nacionais

59 “Um dos desafios nesta passagem de século seria a formação de um novo marco de regulação por parte

do Estado que desse conta da profunda complexidade e idiossincrasias das sociedades contemporâneas” (AZEVEDO e ANDRADE, 1996, p, 57).

relevantes das diversas arenas decisórias” (p. 237), expressa no fortalecimento do papel das entidades transnacionais na formação de agendas governamentais, como ocorre no Brasil. É no Governo Collor de Melo que se dá início à Reforma, em que pese não se visualizar, nesse período, projeto estruturado de redefinição do papel do Estado. É no Governo Fernando Henrique Cardoso que ela adquire substrato, mediante um Projeto de Reforma Constitucional levada ao Congresso Federal, de modo a dar suporte jurídico-institucional às medidas requeridas pelo novo padrão gestionário que se intentava implantar.

Conforme Souza (1999, p. 195), “essa Reforma parece ter sido relativamente bem aceita tanto pela sociedade como pela coalizão política de sustentação do governo”. Para ela as razões que justificam tal aceitação parecem residir:

a) “Na forte e positiva associação entre a Reforma e a chamada crise fiscal do Estado;

b) Na forte e positiva associação entre Reforma e continuidade do Plano Real;

c) Na promessa de que a Reforma tornaria o serviço público eficiente” (idem).

Bresser Pereira (1998, p. 178), um dos artífices da Reforma, no Governo FHC, defende a instauração de “uma prática gerencial que considere como setores do Estado Moderno, o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não-exclusivos e a produção de bens e serviços para o mercado”. Dentre os chamados serviços não- exclusivos encontram-se a saúde, a educação, a cultura e as atividades de pesquisa

científica, podendo ser oferecidos pelo setor privado ou pelo setor público não estatal. Resumidamente, para Bresser Pereira, o fortalecimento do Estado brasileiro só seria

possível mediante a realização de ajustes fiscais, da introdução de mecanismos de privatização, de uma sólida reforma gerencial e da implementação de medidas de desregulamentação da economia.

Essa perspectiva que passou a ser hegemônica no país, na ótica de Melo (1998), vem produzindo o que pode ser denominado de despolitização plena da economia, pelas leis impessoais do mercado, pela desregulamentação dos processos econômicos, pela liberação do comércio internacional e pela estabilidade da moeda.

No bojo da Reforma, a descentralização das políticas é entendida a partir dos princípios da racionalidade dos gastos públicos. Para os seus apologistas, na medida que se transfere para a base do sistema o compromisso com a execução das ações, estar-se-iam criando as condições para garantir maior eficiência e racionalidade, ao mesmo tempo em que possibilitaria efetivo envolvimento dos beneficiários diretos das políticas implementadas, tanto em termos de prioridades como de controle dos gastos. Perspectiva esta que corresponde ao que Azevedo (2002, p. 55) denomina de “economicista-instrumental”, pautada na lógica do mercado.

Assim, no Governo FHC realiza-se notória modificação na distribuição de competências entre as esferas públicas - municípios, Estados Distrito Federal e União quanto ao provimento dos serviços sociais, o que segundo os argumentos do Governo, expressaria o compromisso com a eficiência, a eficácia e a qualidade do serviço público brasileiro.

No que se refere às políticas sociais, o Estado buscou atuar na relação entre público e privado, diminuindo a oferta de bens e serviços de cunho social, que ficaria restrita aos segmentos não diretamente vinculados ao mercado, ou seja, àqueles setores da população incapazes de dar retorno ao mercado. Caberia ao Estado, portanto, assumir a oferta de ações de baixo custo, garantindo maior eficácia e ampliação da relação custo-benefício.

Azevedo (2002), confirmando as análises precedentes, destaca que os governos brasileiros, sobretudo na década de noventa, não obstante proclamarem o

Estado mínimo, na prática o que promoveram foi a compatibilização entre este tipo de Estado e o Estado-forte, alargando sua capacidade de acumulação, gerenciando e legitimando em nível nacional, as exigências do capitalismo mundial.

3.2. – OS EFEITOS DA REFORMA DO ESTADO NA POLÍTICA