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A cobertura da mídia nos furacões Katrina e Rita: casos

A cobertura jornalística dos furacões Katrina5 e Rita nos Estados Unidos em 2005 alterou, certamente, o paradigma habitual na veiculação noticiosa de eventos desse gênero. O ataque dos furacões que deixou rastros violentos de devastação em vários estados do sul daquele país, especialmente na cidade de Nova Orleans, resultou em histórias tão dramáticas que não podiam ser sensacionalistas, de acordo com Ralph Izard e Jay Perkins (2010). As histórias eram reais e a indignação, tanto da população quanto dos jornalistas envolvidos, também era real, o que resultou em uma grande reaproximação, um forte vínculo entre a mídia e o seu público. Para os autores, talvez a maior lição a ser tirada da cobertura de Katrina e Rita é que a mídia de hoje tem papéis de liderança na sociedade, quer se goste ou não (IZARD; PERKINS, 2010, p.15). O envolvimento dos jornalistas com a situação durante a

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Os furacões Katrina e Rita deixaram um saldo de mais de mil mortos nos estados do sul dos Estados Unidos em 2005. O furacão Katrina atingiu principalmente a cidade de Nova Orleans, rompendo seus diques de contenção de água e inundando cerca de 80 por cento de seu território. Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1044923-1655,00.html. Acessado em 24.05.2012.

cobertura fez boa parte dos profissionais abandonar sua abordagem tradicional impassível à notícia e permitiu que eles expusessem seus sentimentos em suas reportagens. De acordo com Izard e Perkins (2010), a reportagem desapaixonada e equilibrada sempre foi essencial dentro do credo jornalístico desde o surgimento dos meios de comunicação. Para os autores, jornalistas sempre aprenderam que suas reportagens devem ser justas e equilibradas e, ao mesmo tempo, deve-se procurar a verdade. No entanto, a verdade dos furacões Katrina e Rita não era justa ou equilibrada e certamente não era desapaixonada. “A verdade nunca é” (IZARD; PERKINS, 2010, p.6-7).

Ao mesmo tempo em que jornalistas precisavam ajudar a salvar a vida das pessoas antes de registrar o drama que as mesmas viviam, procurar abrigos para si mesmos ou ainda, no caso dos jornalistas locais, socorrer suas próprias famílias, eles precisavam informar um público que necessitava de fatos que poderiam literalmente salvar suas vidas. Definitivamente, essas respostas não estavam com os governantes, de acordo com o amplo material pesquisado por Izard e Perkins, que entrevistaram inúmeros profissionais envolvidos na cobertura. O papel do defensor (advocate) se fez presente quando os furacões revelaram claras vítimas, os pobres de Nova Orleans e ao longo da Costa do Golfo, e claros vilões, os ineptos funcionários do governo, “mais preocupados com as suas reservas de jantar do que sobre os milhares que estavam sem jantar” (IZARD; PERKINS, 2010, p.15)6

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Apesar de a indignação geral ter sido fundamental no estabelecimento de um vínculo entre repórter e público, Izard e Perkins entendem que isso não significa que os repórteres e âncoras devem adotá-la como uma substituição para o conceito tradicional de cobertura justa e equilibrada. Não significa que repórteres devem apresentar apenas um lado da história, tampouco acreditar que seu trabalho está concluído por terem apresentado os dois lados da história. “Eles devem se tornar ativos buscadores da verdade, comparando e contrastando pontos de vista diferentes para encontrar o que melhor representa a realidade” (IZARD; PERKINS, 2010, p.16)7

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Tradução Livre: more concerned about their dinner reservartions than about the thousands who had no dinner.

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Tradução Livre: They must become active seekers of truth, comparing and contrasting different viewpoints to find the one that best represents reality.

Há uma outra lição resultante da experiência de cobrir os furacões na Costa do Golfo, conforme os autores, que é o fato de o trabalho de um jornalista não poder terminar com o testemunho e a simples descrição do que ele presenciou. O trabalho deve se tornar um exercício intelectual, começando com a capacidade de planejar e terminar, com a capacidade de descartar todos os planos, se necessário. De acordo com Izard e Perkins, foram poucos os repórteres e equipes nacionais que se organizaram com telefones por satélite ou mesmo anteciparam a necessidade de um barco e veículos com tração nas quatro rodas, por exemplo, diante da grande dificuldade em se locomover nas áreas inundadas após os diques de Nova Orleans terem cedido (IZARD; PERKINS, 2010).

Mas apesar de todos os alertas sobre a chegada dos furacões, a cobertura jornalística mostrou como as grandes redes de TV nos Estados Unidos estavam despreparadas para um desastre do tamanho do Katrina, de acordo com levantamento realizado pelo pesquisador Guido H. Stempel III (2010), que examinou a cobertura do Katrina pelas cinco redes de televisão - ABC, CBS, NBC, CNN, FOX, nas primeiras 24 horas do furacão. Segundo o autor, normalmente a cobertura de furacões é algo básico no território norte-americano, mas as equipes de filmagem tiveram muita dificuldade em lidar com a falta de energia elétrica e ruas parcialmente submersas em Nova Orleans (STEMPEL III, 2010, p.21). Stempel III entende que não havia espaço para a surpresa sobre o furacão Katrina e nem para o furacão Rita, já que a mídia teve vários dias para mobilizar recursos, mover equipes de filmagem e preparar a cobertura da tempestade inicial, diferentemente de acontecimentos com séries rápidas de explosões, como foi o caso do ataque às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 (STEMPEL III, 2010, p.19). Ao contrário do ataque de 11 de setembro, as redes de televisão, ABC, CBS e NBC não alteraram a sua programação diária por causa do Katrina. A comparação de Stempel III mostra uma proporção de 20 por 1 entre o 11 de setembro e o Katrina no número de matérias geradas nas primeiras 24 horas pelas redes de TV. Em parte, essa comparação pode ser explicada porque as implicações políticas do ataque às Torres Gêmeas eram claras desde o início. Já os aspectos políticos da história do Katrina surgiram mais tarde, sendo mais associados com a resposta do governo para a tempestade. Mas em ambos os casos, a descrição do evento foi a maior parte da cobertura jornalística (STEMPEL III, 2010, p.27).

Nessa comparação entre dois episódios marcantes na história recente dos Estados Unidos, houve também uma diferença no foco inicial das tragédias. Na tentativa de explicar o que aconteceu no ataque

de 11 de setembro, as redes de TV procuraram funcionários do governo e especialistas em política externa para oferecer explicações, deixando as vítimas em segundo plano em um primeiro momento. Já no Katrina o foco das redes de TV estava sobre as vítimas nas 24 horas iniciais da cobertura, sendo estas as principais fontes, seguidas pelos especialistas que também tinham nas vítimas seu principal conteúdo de discussão. Surpreendentemente, o Serviço Nacional de Meteorologia não foi a fonte para qualquer história em três redes de TV e não era uma fonte importante para as outras duas redes pesquisadas (STEMPEL III, 2010).

Mas todas as implicações surgidas durante o episódio do Katrina fez com que muitos repórteres pudessem exercer o seu “faro” para as notícias, como foi o caso do veterano jornalista John DeSantis, do New York Times e de Robert Pierre, do Washington Post, que saíram às ruas procurando matérias, obrigados a usar os seus próprios olhos e ouvidos para determinar o que era para ser relatado. De acordo com o relato de DeSantis à pesquisadora Roxanne K. Dill (2010), eles começaram a falar com as pessoas para descobrir as experiências delas a respeito do desastre e que isso foi muito importante por ensinar aos jornalistas sobre o que realmente estava acontecendo (DILL, 2010, p.50). Pierre declarou à pesquisadora que nem governo, nem chefe de polícia tinham boas informações sobre as ocorrências dentro do desastre, impedindo que os jornalistas pudessem utilizar as fontes que normalmente eram confiáveis, já que existiam muitos rumores e pouca informação confiável, obrigando cada vez mais que eles voltassem e checassem cada fato investigado (DILL, 2010, p.50-51).

A dificuldade para os jornalistas encontrarem respostas junto às fontes oficiais nestes episódios manifesta o nítido distanciamento entre autoridades responsáveis e público atingido. Apesar da larga experiência norte-americana em alertas sobre desastres, as vítimas acabaram se transformando em fontes de maior relevância diante de uma situação derradeira como a dos furacões da Costa do Golfo, estreitando mais as relações entre jornalistas e público envolvido e, consequentemente, entre jornalistas e acontecimento.

2. A MÍDIA NOS DESASTRES E A QUESTÃO DO