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A relação com o público e as fontes durante o desastre

2 A MÍDIA NOS DESASTRES E A QUESTÃO DO

2.1 Papel da mídia e do rádio na cobertura de desastres naturais

2.1.2 A relação com o público e as fontes durante o desastre

Conforme foi possível observar no capítulo anterior com os antecedentes sobre coberturas jornalísticas de desastres, as fontes oficiais mostram-se, muitas vezes, distantes das reais necessidades dos veículos de comunicação, principalmente durante a ocorrência do desastre, em seu período mais crítico. Não obstante as recomendações nas cartilhas elaboradas pelas assessorias de comunicação governamentais10

, orientando procedimentos quanto à escolha, o preparo e a forma de atendimento das fontes aos meios de comunicação, os veículos cada vez mais tendem a buscar apoio em fontes alternativas, como especialistas de outros órgãos (muitas vezes não governamentais) e principalmente no próprio público que testemunha o fato.

O envolvimento da população como fonte jornalística e também como co-orientadora em diversas atividades exercidas durante um desastre está estreitamente relacionado ao avanço das conquistas individuais e da cidadania, principalmente no mundo moderno ocidental. Tanto que consta entre as prioridades no Marco de Ação de Hyogo11

para o período 2005-2015 dentro das propostas de redução de riscos de desastres, “promover a participação da comunidade nas atividades de redução dos riscos de desastres mediante a adoção de políticas específicas”, incluindo aos voluntários a “atribuição de funções e responsabilidades e a delegação e transferência da autoridade e dos

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Zenatti e Souza (2010) recomendam a definição e o treinamento de um porta- voz para atendimento à imprensa durante um desastre, como forma de reduzir o desconhecimento acerca das ocorrências. De acordo com as autoras, se o número de atendimentos à imprensa for maior que a capacidade de resposta, deve ser identificada mais de uma pessoa para a função.

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Em 22 de janeiro de 2005, em Kobe, Hyogo (Japão), a Conferência Mundial sobre a Redução de Desastres aprovou o Marco de Ação de Hyogo para 2005- 2015: aumento da resiliência das nações e das comunidades ante os desastres.

recursos necessários” (CONFERENCIA MUNDIAL SOBRE LA REDUCCIÓN DE LOS DESASTRES, 2005)12.

Também dentro da Estratégia Internacional para Redução de Desastres (EIRD), coordenada pela Organização das Nações Unidas (ONU), duas das recomendações a jornalistas que atuam nas coberturas de desastres são “ouvir as comunidades e o que elas têm a dizer” e “familiarizar-se com a maioria das zonas sujeitas a desastres e áreas vulneráveis”, o que envolve uma relação maior com o público (LEONI; RADFORD; SCHULMAN, 2011, p.87).

Anelise Ribeiro Rublescki (2011) analisou diversos sites de notícia no Brasil durante o terremoto ocorrido no Japão em março de 201113 e observou que uma prática muito recorrente foi a convocação dos leitores-interagentes para auxiliar na cobertura, veiculando assim as experiências pessoais de brasileiros que residiam naquele país (p.198). Segundo a autora, em uma catástrofe natural como a ocorrida no Japão, a chamada web social (Twitter, Facebook e Orkut) demonstrou sua força como mídia ágil para coberturas pontuais, com os veículos tradicionais fornecendo matérias mais completas e interpretativas do evento (p.209). Rublescki analisou os portais UOL e Terra e as versões digitais dos jornais Folha de São Paulo online, Estadão.com e O Globo Online.

Débora Lopez (2009) entende que no rádio é muito comum que a internet seja utilizada mais para pesquisas como uma ferramenta de produção em coberturas de tragédias e eventos não produzidos, apoiando os âncoras, que realizam as entrevistas com especialistas ao

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Tradução livre: promover la participación de la comunidad em las actividades de reducción de los riesgos de desastre mediante la adopción de políticas específicas [...] atribución de funciones y responsabilidades y la delegación y transferencia de la autoridad y los recursos necesarios.

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O Japão sofreu o maior terremoto de sua história em março de 2011, um tremor de 8,9 graus na escala Richter, considerado 900 vezes mais forte do que aquele ocorrido no Haiti em janeiro de 2010. O fenômeno conjugou terremoto, tsunami, risco de acidente nuclear, devastação econômica e a perda de milhares de vidas (14.949 pessoas mortas e 9.980 desaparecidas até 11/05/2011, de acordo com o portal G1, disponível em http://g1.globo.com/tsunami-no- pacifico/noticia/2011/05/japao-faz-um-minuto-de-silencio-para-vitimas-dos- desastres-naturais.html. Acessado em 08.02.2012).

vivo e também para acompanhamento das notícias de última hora veiculadas em outros meios de comunicação, além de declarações e dados divulgados pelas autoridades (LOPEZ, 2009, p.16). A autora cita o caso do acidente com o avião da TAM em São Paulo, em 2007, quando a Rádio CBN ouvia testemunhos de fontes que estavam próximas ao aeroporto de Congonhas e buscava relacioná-los e relativizá-los a partir da fala de especialistas, ouvidos em estúdio, por repórteres e via telefone. O cruzamento dessas fontes normalmente é observado em coberturas especiais (como tragédias) e auxiliam o jornalista a compor um cenário mais amplo, levando a uma melhor compreensão dos fenômenos (LOPEZ, 2009, p.8).

Porém, a inclusão do público é algo recente e que faz parte de modificações significativas nas coberturas jornalísticas de tragédias ambientais ao longo da história, cada vez mais envolvendo fatores sociais junto aos fatores ambientais.

Há algumas décadas, as coberturas de catástrofes estavam mais centradas na naturalidade de fenômenos como secas, enchentes, deslizamentos, tremores de terra e erupções vulcânicas e seus efeitos eram considerados fatalidades. Quando pessoas eram atingidas por uma tragédia, relatava- se o caso de forma generalizada e só tinham visibilidade alguns testemunhos anônimos. [...] Entretanto, as representações das questões relativas aos desastres que envolvem a natureza vêm se modificando ao longo dos anos e os enquadramentos midiáticos, influenciados pela grande narrativa da preservação ao meio ambiente, passaram a relacionar a ocorrência destes fenômenos também à ação humana frente à natureza e ao Estado ineficiente. (AMARAL; POZOBON; RUBIN, 2010, p.3-4)

Ao analisar a cobertura ao vivo do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, do deslizamento do Morro do Bumba, em Niterói (RJ), em 2010, as autoras perceberam que foram poucas as intervenções das fontes oficiais e experts. Ainda assim, a maioria delas enquadradas pelo jornalista. Com as fontes em segundo plano, o espaço de destaque coube para os testemunhos das vítimas.

O testemunho tem a função de demonstrar um fato ou situação, de ser uma prova cabal, afinal, nele alguém relata o que viu, ouviu ou sentiu. [...] É,

muitas vezes, um relato simultâneo ao acontecimento, com características efêmeras e fragmentadas, porém convocado a dar efeito de real ao discurso da notícia ou da reportagem. (AMARAL; POZOBON; RUBIN, 2010, p.10-11) Para Damasceno (2009, p.52), uma das maiores preocupações dos “gestores” do testemunho é a idoneidade do informante, apontada no fragmento. No entanto, “o jornalista se converte numa espécie de ‘fiador’ da testemunha e faz um jogo aparente de submissão ao testemunho, mas tem sobre ele um domínio muito grande” (AMARAL; POZOBON; RUBIN, 2010, p.12).

Segundo as pesquisadoras, a narrativa da cobertura ao vivo oferece aos espectadores o lugar de vítimas virtuais, “que não estavam no local, mas acompanharam o acontecimento como se estivessem”. (AMARAL; POZOBON; RUBIN, 2010, p.13).

Vaz e Rolny (2010), ao analisar narrativas midiáticas sobre catástrofes naturais da década de 1970 até 2010, observam que nos últimos tempos o que tem sido destacado pelos meios de comunicação é a felicidade que as vítimas tinham antes da ocorrência da tragédia.

[...] detalhes do passado e da personalidade de cada vítima parecem individualizar, mas, de fato, cumprem as funções de generalização e de idealização. Simplificando ao extremo a vida de indivíduos, retirando delas o que há de angústia, conflito e incerteza, os meios de comunicação só retêm o que delineia o ideal de uma felicidade privada. Não se trata da vida dos indivíduos, mas do que a vida deveria ser, se não fosse a incapacidade do Estado de prover segurança. (p.13) (VAZ; ROLNY, 2010)

No entanto, Amaral (2011) alerta que “se é no testemunho que muitas vezes o jornalismo se humaniza, também é por intermédio dele que se pode espetacularizar ou descontextualizar um relato jornalístico”. (p.78)