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a concentração Da proDução agropecuária

No documento 7Mielitz (páginas 123-128)

A concentração na agricultura brasileira também é uma marca histórica. Ela pode ser vista por vários ângulos de análise. Nessa seção, priorizou-se tra- balhar com as seguintes vertentes: espacial; da renda gerada; e dos indicadores tecnológicos.

Concentração espacial

A Tabela 7 a seguir mostra a concentração espacial da produção agro- pecuária brasileira no período 1975-2010, tendo sido construída da seguinte forma: para cada atividade (35 no total) foram selecionados três indicadores: um relativo ao número de microrregiões geográficas do IBGE que respondiam por 50% da quantidade produzida nos anos selecionados (G50); outro relati- vo ao número total de microrregiões geográficas do IBGE que tinham alguma produção das atividades selecionadas (TOTAL); e o último concernente à par- ticipação relativa do G50 no TOTAL (PCTG50).

Exemplificando: em 1975, 17 microrregiões geográficas do IBGE eram responsáveis por 50% da quantidade produzida de algodão herbáceo, num total de 289 microrregiões com alguma produção deste produto. Ou seja, com apenas 5,9% das microrregiões produtoras era possível obter ao menos metade da produção nacional de algodão herbáceo! Note-se que, em 2010, os valores mudaram para, respectivamente, 4, 126 e 3,2%.Um dado muito interessante é que, para um conjunto de 35 atividades, somente com a participação de no máximo 15% das microrregiões produtoras já se consegue atingir ao menos 50% da produção.

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Fonte: Tabulação especial feita por Fernando Garagorry, a partir de metodologia desenvolvida em Garaborry e Chaib Filho (2008). tabela 7

concentração da produção agropecuária, segundo as principais atividades

Brasil, 1975-2010

Abacaxi 7 325 2.2 5 211 2.4 5 271 1.8 7 279 2.5

Algodão arbóreo (em caroço) 16 144 14.0 6 77 7.8 1 29 3.4 1 8 12.5

Algodão herbáceo (em caroço) 17 289 5.9 12 248 4.8 7 236 3.0 4 126 3.2

Alho 17 199 8.5 7 216 3.2 4 162 2.5 3 126 2.4

Arroz (em casca) 35 489 7.2 19 482 3.9 14 469 3.0 9 429 2.1

Aveia (em grão) 3 43 7.0 7 61 11.5 8 66 12.1 5 51 9.8

Banana 28 503 5.6 23 488 4.7 30 522 5.7 21 513 4.1 Batata-doce 29 452 6.4 23 305 7.5 19 289 6.6 22 254 8.7 Batata-inglesa 11 214 5.1 8 170 4.7 12 145 8.3 7 128 5.5 Bovinos 73 538 13.6 71 554 12.8 64 556 11.5 59 554 10.6 Caprinos 17 531 3.2 15 551 2.7 13 554 2.3 18 551 3.3 Cebola 6 252 2.4 5 171 2.9 5 151 3.3 8 134 6.0

Centeio (em grãos) 3 33 9.1 4 26 15.4 3 23 13.0 2 14 14.3

Cevada (em grãos) 3 33 9.1 4 41 9.8 4 32 12.5 2 33 6.1

Feijão (em grãos) 49 529 9.3 54 544 9.9 41 551 7.4 26 540 4.8

Galinhas 69 504 13.7 64 549 11.7 48 551 8.7 38 551 6.9

Galos, frangos, frangas, etc. 61 504 12.1 36 552 6.5 28 554 5.1 29 552 5.3

Laranja 6 506 1.2 5 489 1.0 8 509 1.6 10 470 2.1 Leite de vaca 83 538 15.0 85 554 15.3 72 555 13.0 60 554 10.8 Maçã 3 79 3.8 2 70 2.9 2 55 3.6 2 65 3.1 Mamão 5 132 3.8 2 195 1.0 2 271 0.7 2 258 0.8 Mandioca 58 534 10.9 50 535 9.3 44 547 8.0 38 545 7.0 Manga 37 358 10.3 37 325 11.4 18 362 5.0 4 317 1.3 Maracujá - - - 6 100 6.0 9 307 2.9 4 343 1.2 Melancia 31 375 8.3 19 280 6.8 18 333 5.4 17 318 5.3 Melão 4 114 3.5 2 88 2.3 2 114 1.8 2 92 2.2

Milho (em grãos) 48 536 9.0 38 544 7.0 40 551 7.3 32 542 5.9

Ovinos 6 535 1.1 9 549 1.6 19 549 3.5 29 550 5.3

Ovos de galinha 39 537 7.3 34 550 6.2 31 549 5.6 26 551 4.7

Soja (em grãos) 13 194 6.7 18 222 8.1 15 220 6.8 19 248 7.7

Sorgo (em grãos) 4 83 4.8 4 118 3.4 6 131 4.6 7 168 4.2

Suinos 69 538 12.8 87 554 15.7 62 556 11.2 34 553 6.1

Tomate 15 345 4.3 19 363 5.2 20 395 5.1 15 377 4.0

Trigo (em grãos) 10 111 9.0 13 126 10.3 12 100 12.0 15 117 12.8

Uva 1 190 1.1 1 136 0.7 2 199 1.0 2 199 1.0

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Ou seja, mesmo com os deslocamentos destas atividades para novas áreas ao longo destes 35 anos, a marca fundamental continuou sendo a con- centração da produção agropecuária em poucas microrregiões.

Observe-se que, para um subconjunto de 17 atividades (abacaxi, algo- dão herbáceo, alho, arroz, banana, caprinos, feijão, laranja, maçã, mamão, manga, maracujá, melão, ovos de galinha, sorgo, tomate e uva), em 2010, bastou apenas o máximo de 5% das microrregiões produtoras para atingir os 50% da produção. Em outro subconjunto de 13 atividades (aveia, batata- doce, batata-inglesa, cebola, cevada, galinhas, galos + frangos(as), mandioca, melancia, milho, ovinos, soja e suínos), foram necessárias entre 5% e 10% das microrregiões; e, num terceiro subconjunto de cinco atividades (algodão arbó- reo, bovinos, centeio, leite de vaca e trigo), entre 10% e 15% das microrregiões responderam por, pelo menos, 50% da produção nacional.

Concentração da renda bruta e da produção dos principais produtos

Um dado impressionante na agricultura brasileira é o fato observado de que, em um total de 4,4 milhões de estabelecimentos agropecuários que decla- raram ter gerado alguma renda própria em 2005-2006, apenas 11,3% respon- deram por 86,6% do valor bruto da produção agropecuária. Em contrapartida, 88,7% dos estabelecimentos produziram os 13,4% restantes (Alves et al., 2013). Além do dado mais geral, esse quadro repetiu-se para os principais cultivos8, conforme descrito a seguir:

– Leite: de acordo com os dados do Censo Agropecuário 1995-1996, 34 mil produtores (1,9% de um total de 1,8 milhão de produtores) produziam mais de 72 mil litros por ano e respondiam por 28% do total produzido no Brasil. Em 2005-2006, apenas 14 mil produtores (1% de um total de 1,4 milhão de produtores) produziam mais de 72 mil litros por ano e eram responsáveis por 20,1% do total produzido. No outro extremo, 1,6 milhão de produtores (87,6% do total) produziam até 18 mil litros por ano e tinham uma participação de 36,1% no total produzido em 1995-1996. Dez anos mais tarde, 1,1 milhão de produtores (80,4% do total) tinham esse nível de produção de até 18 mil litros por ano e respondiam por 26,7% do total produzido no Brasil.

– Café: em 1995-1996, 33 mil produtores (10,4% de um total de 317 mil produtores) produziam mais de 15 toneladas por ano e respondiam por 75% do 8. Note-se a disparidade: um setor que conseguiu gerar quase 80 bilhões de dólares de saldo positivo na balança comercial, em 2012, e ao mesmo tempo ainda tem milhões de estabelecimentos agropecuários que, quando geram alguma receita própria, é inferior a um salário-mínimo por mês. Vale reforçar que, em 2010, o Brasil era o maior produtor e o maior expor- tador de açúcar, café e suco de laranja; o segundo maior produtor e o segundo maior exportador de soja; o segundo maior produtor e o maior exportador de carne bovina, etanol e tabaco.

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total produzido no Brasil. Em 2005-2006, 22 mil produtores (12,4% de um to- tal de 178 mil produtores) produziam mais de 15 toneladas por ano e eram res- ponsáveis por 74,6% do total produzido. Em contrapartida, 236 mil produtores (74,4% do total) produziam até 5 toneladas por ano e tinham uma participação de apenas 10% no total produzido em 1995-1996. Dez anos mais tarde, 123 mil produtores (69,1% do total) tinham esse nível de produção e respondiam por somente 9,7% do total produzido no Brasil.

– Milho: em 1995-1996, 16 mil produtores (0,6% de um total de 2,5 mi- lhões de produtores) produziam mais de 200 toneladas por ano e respondiam por 47,6% do total produzido. Em 2005-2006, 32 mil produtores (1,6% de um total de 2 milhões de produtores) produziam mais de 200 toneladas e eram responsáveis por 68,3% do total. No outro extremo, 2,4 milhões de produto- res (93,9% do total) produziam até 20 toneladas e tinham uma participação de 24,8% no total produzido em 1995-1996. Dez anos depois, 1,8 milhão de produtores (91% do total) tinham esse nível de produção e respondiam por somente 10% do total produzido no Brasil.

– Arroz: em 1995-1996, somente 6 mil produtores (0,6% de um total de 927 mil produtores) produziam mais de 200 toneladas por ano e respon- diam por 66,4% do total produzido. Em 2005-2006, apenas 7 mil produtores (1,8% de um total de 396 mil produtores) produziam mais de 200 toneladas e eram responsáveis por 73,2% do total. No outro extremo, 889 mil produtores (95,9% do total) produziam até 10 toneladas e tinham uma participação de apenas 16,9% no total produzido em 1995-1996. Dez anos depois, 353 mil produtores (89,1% do total) tinham esse nível de produção e respondiam por somente 4,6% do total produzido no Brasil.

– Feijão: em 1995-1996, apenas 4 mil produtores (0,2% de um total de 2,1 milhões de produtores) produziam mais de 30 toneladas por ano e respon- diam por 24,2% do total produzido no Brasil. Em 2005-2006, 17 mil produtores (1,1% de um total de 1,5 milhão de produtores) produziam mais de 30 toneladas e eram responsáveis por 57,3% do total produzido. Em contrapartida, 2 milhões de produtores (97,9% do total) produziam até 5 toneladas e tinham uma parti- cipação de 56,6% no total produzido em 1995-1996. Dez anos mais tarde, 1,4 milhão de produtores (94,9% do total) tinham esse nível de produção de até 5 toneladas e respondiam por somente 18,6% do total produzido no Brasil.

Concentração da tecnologia

Outra forma de observar a concentração na agricultura brasileira é mirar em alguns indicadores de acesso às tecnologias geradas. Também de acordo com o Censo Agropecuário 2005-2006, pode-se notar que:

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3,5% dos estabelecimentos agropecuários tinham computador;

1,5% dos estabelecimentos agropecuários tinham acesso à rede mundial de computadores, a internet;

42,1% dos estabelecimentos agropecuários declararam não utilizar nenhuma prática agrícola;

12,4% dos estabelecimentos agropecuários faziam rotação de culturas; 32,8% dos estabelecimentos agropecuários faziam algum tipo de adubação; 17,9% utilizavam fontes alternativas (esterco e/ou urina animal; adubação ver- de; húmus de minhoca; biofertilizantes; inoculantes; compostos orgânicos);

84,1% dos estabelecimentos agropecuários declararam não usar calcário ou outro corretivo;

70% dos estabelecimentos agropecuários declararam não utilizar agrotóxicos; 1,3% dos estabelecimentos agropecuários declararam fazer uso do controle biológico;

1,8% dos estabelecimentos agropecuários declararam praticar a agricultura orgânica (0,1% certificado e 1,7% não certificado);

14,4% faziam cultivo mínimo, e 9,8% faziam plantio direto; 6,4% faziam algum tipo de irrigação;

8,4% tinham algum tipo de trator no estabelecimento agropecuário, e 1,6% algum tipo de colheitadeira;

menos de 10% dos estabelecimentos agropecuários declararam ter acesso a algum tipo de assistência técnica e extensão rural;

Ou seja, é inegável que um expressivo contingente de agricultores(as), pelos motivos mais diversos, não está sendo beneficiado pelo progresso tecnológico ocorrido nas últimas décadas no Brasil.

recolocando o debate

Embora as discussões sobre a concentração na agricultura brasileira tenham sido retomadas nos anos mais recentes, é importante salientar que também foram recorrentes nos anos 1990. O principal fato apontado por Alves et al. (2013) e Del Grossi (2013) foi amplamente discutido naquele período por importantes especialistas. Ao revisitarem o auge do período de modernização conservadora e dolorosa, especialistas como Guilherme Dias, José Graziano da Silva e José Eli da Veiga introduziram expressões marcantes para identificar o amplo conjunto de agricultores(as) que ficaram à margem do processo de desenvolvimento9. São deles, respectivamente, as seguintes

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expressões: “barrados no baile”; “sem-sem”10; e “franja periférica”11. De co- mum, essas expressões se referiam aos milhões de excluídos e desorgani- zados que, além de não terem terra suficiente e acesso ao progresso tecno- lógico, também não tinham trabalho, crédito, moradia, saúde e educação dignos para uma vida decente e saudável, e nem mesmo pertenciam a uma organização social para poderem expressar suas reivindicações. Além disso, pertenciam a estabelecimentos agropecuários sem renda monetária ou com renda monetária muito baixa ou irrisória.

Com esse pano de fundo apresentado nos itens anteriores, referentes aos diversos e heterogêneos segmentos presentes no rural e na agricultura brasileira, bem como aos elevadíssimos índices históricos de concentração e exclusão, fica o questionamento: o que precisa ser diferente para não re- petirmos isso no futuro? Qual o papel das instituições públicas e privadas de geração de conhecimentos e tecnologias para o setor agropecuário? Em linhas gerais, são os desafios postos para as próximas seções.

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