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“nunca antes na história Deste país”

No documento 7Mielitz (páginas 35-39)

Em 2003, quando se iniciou o primeiro mandato do presidente Lula, havia mais de 240 mil famílias acampadas em todo o Brasil, além de outras tantas assentadas precariamente nos dois ou três anos anteriores, em face do descolamento entre o orçamento destinado à obtenção de terras e aquele para a estruturação social e produtiva dos projetos de assentamentos. A situação se agravava pela insuficiência duradoura das políticas sociais no governo ne- oliberal e o desejo do Estado mínimo, que praticamente se resumia aos pro- 42. Guia Metodológico - Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários, disponível em <www.incra.gov.br/index.php/reforma- agraria-2/analise-balanco-e-diagnosticos/file/57-guia-metodologico-analise-diagnostico-de-sistemas-agrarios.

43. Perfil da Agricultura Familiar no Brasil: uma análise a partir do censo agropecuário de 1996 do IBGE in Agricultura Familiar e Reforma Agrária no Século XXI. Guanziroli, C. et. al., Garamond, Rio de Janeiro, 2001, 288 p.

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gramas Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação, criado em 2001, que no seu auge atenderam a 5 milhões de famílias, com repasses de no máximo 45,00 reais por família, haja vista que o modelo misto de “parceria público-privado” da Rede de Proteção Social (Renda Mínima, Vale Gás, Brasil Jovem, Bolsa Qua- lificação, Benefício de Prestação Continuada, Renda Mensal Vitalícia, Seguro Desemprego) quase não operava no meio rural. Destaque-se que o salário mí- nimo nunca ultrapassou cem dólares durante os governos neoliberais, e isto tem um significado especial no meio rural, que o utiliza quase como teto.

Entre 2003 e 2006 o número de famílias assentadas cresceu exponen- cialmente – apenas nos anos de 2005 e 2006, mais de 260 mil famílias fo- ram assentadas. Ressalte-se que este esforço também se orientou aos imóveis emblemáticos, onde os conflitos pela terra eram mais intensos e antigos. De 2010 para hoje foi investido mais de 1 bilhão de reais na aquisição de terras e, olhando os últimos dez anos, mais de 650 mil famílias acessaram a terra de diversas formas, operando uma perceptível redução dos conflitos e das mortes no campo – em que pese ainda não ter sido possível celebrar a completa erra- dicação da violência. Hoje, há mais 87 milhões de hectares de terras públicas e particulares destinadas ao uso de mais de 1 milhão de famílias agricultoras assentadas em todas as regiões do Brasil. Seja pelo Programa de Reforma Agrá- ria, seja por ações de regularização fundiária ou de crédito fundiário, este já ultrapassou 100 mil famílias beneficiadas.

O que impressiona nestes números não é apenas o tamanho da inter- venção agrária desde o governo Lula – equivale, em dimensão, a 27% das terras agrícolas do país, para residência e trabalho de 16% da população rural brasileira – mas porque supera, em número e em área, os 8.047 imóveis rurais privados maiores que 5 mil hectares, ocupantes de 83,3 milhões de hectares, segundo as últimas estatísticas do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Ministé- rio do Desenvolvimento Agrário (MDA). Tomado no conjunto, o Programa de Créditos da Reforma Agrária propiciou, entre 2003 e 2012, o giro de 5 bilhões de reais entre o publico assentado, perfazendo 77% do montante aplicado desde 1994. Como resultado direto houve a construção ou reforma de 460 mil habitações nos projetos de assentamento, exigindo uma malha viária implan- tada e/ou recuperada de mais de 62 mil quilômetros.

O licenciamento ambiental, inexistente até 2003, atingiu mais de 7 mil projetos de assentamento em 2013, havendo também diversos investimentos para a recuperação e desenvolvimento ambiental, que abrangem uma área manejada de mais de 6 milhões de hectares dentro do Programa Assentamen- tos Verdes, capaz de articular o governo federal, os governos municipais e

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estaduais e a iniciativa privada em ações diretas para mais de 130 mil famílias em todos os biomas do país. Neste modelo de desenvolvimento sustentável, sustentado e inclusivo, o processo de mudança toca a matriz produtiva da agricultura familiar e propicia a formação e capacitação das famílias agriculto- ras em agroecologia.

Durante os mesmos dez anos já especificados, a média anual de famílias atendidas com Assistência Técnica e Social (Ates) na reforma agrária se man- teve acima de 300 mil, e é claro que tamanho esforço para o incremento da produção necessita ser acompanhado por um montante de recursos igualmen- te significativo para o financiamento produtivo. Neste sentido, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), ao comemorar os dez anos do primeiro Plano Safra da Agricultura Familiar, permitiu a con- tratação de 6,4 bilhões de reais em mais de 1 milhão de operações de crédito apenas na linha destinada às famílias assentadas (Pronaf A). O crédito agrícola para a agricultura familiar cresceu mais de 400% em volume neste período, e suas taxas de juros caíram para níveis abaixo da inflação, com novas linhas visando atender as diversas necessidades dos beneficiários. O Pronaf Mais Alimentos, por exemplo, tem permitido a agricultores familiares o acesso a máquinas e equipamentos com juros de 2% ao ano e dez anos de prazo de amortização; além disto, instrumentos como o Segurança Safra da Agricultura Familiar e o Programa de Garantia de Preço trouxeram mais segurança para a renda dos agricultores.

A inclusão econômica sustentada só pode ser alcançada com muita edu- cação e responsabilidade ambiental; assim, mais de 362 mil pessoas foram atendidas com educação fundamental, e outras 56.326 com ensino médio e superior no âmbito do Programa de Educação da Reforma Agrária (Pronera). Além disso, ações de conscientização ambiental, aliadas ao rígido controle do uso dos recursos ambientais, fizeram com que o desmatamento dentro dos projetos de assentamento na Amazônia Legal registrasse, em 2012, uma queda de 27%, correspondendo a apenas 0,5% da cobertura florestal existente nas áreas de reforma agrária, e é importante assinalar que 30% das ocorrências estão localizadas em apenas 1% dos projetos de assentamento, para onde tem se concentrado a maior atenção do Incra e do Instituto Brasileiro de Meio Am- biente (Ibama), que somam esforços para acelerar a regularização ambiental via Cadastro Ambiental Rural.

Estes são alguns dos principais motivos para que diversos indicadores econômicos, sociais e ambientais externos da agricultura familiar – especial- mente importantes porque permitem comparações com o desenvolvimento do restante dos setores brasileiros – estejam corroborando a percepção de

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transformação positiva no campo brasileiro. Notadamente há uma queda na desigualdade de renda no meio rural, provocada em boa parte pelo cresci- mento produtivo da agropecuária, carreado pelo apoio à agricultura familiar advindo do conjunto das políticas agrárias e agrícolas do MDA e das políticas de transferência de renda que se universalizam no campo como nunca antes na história brasileira. É o que comprova o estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV)45, no qual consta em 2009 um índice de desigualdade de Gini da renda das famílias rurais de 0,489, ou seja, 10,3% inferior ao do conjunto do país. Tomado no período entre 2003 a 2009, a queda da desigualdade, então, atinge 8,3% no meio rural contra 6,5% da média brasileira.

Informação complementar sobre o esforço de produção de alimentos e conservação da biodiversidade pela reforma agrária pode ser encontrada em uma publicação que analisa os dados do Censo Agropecuário de 200646, na qual fica comprovado que os assentamentos pesquisados47, ocupantes de uma área de 29 milhões de hectares onde vivem aproximadamente 600 mil famílias, gera- ram R$ 9,4 bilhões de valor bruto da produção (VBP), equivalente a 4,3 salários mínimos mensais por estabelecimento, e 1,8 milhão de postos de trabalho.

Diante de tantas mudanças, no ano de 2006 pode ser estabelecido um ponto a partir do qual se consolidou um viés nas prioridades da agenda agrária anualmente negociadas pelos movimentos sociais do campo com o governo, sob o qual a temática do acesso à terra foi cedendo espaço para a temática do desenvolvimento e da qualidade de vida no campo; assim, itens como assis- tência técnica, créditos, habitação, gênero, serviços, educação, infraestrutura produtiva e viária, energia e segurança hídrica ganharam peso relativo.

Nessa época, ficou perceptível, tanto na base quanto nas lideranças de quase todos os movimentos sociais do campo, a preponderância das famílias que já tinham assegurado o acesso à terra e se desafiavam a produzir e morar nela; mas é claro, restava e ainda resta um número considerável de famílias aguardando o acesso à terra, muitos lutam até hoje por imóveis emblemáticos de difícil obtenção. Ocorre que é possível notar, também, um crescente pro- blema na seleção das famílias para os assentamentos da reforma agrária e nas

45. Neri, M. C.; Melo, L. C. C.; Monte, S. R. S. Superação da pobreza e a nova classe média no campo. FGV, 2009. Disponível em: <www.cps.fgv.br/cps/campo/>.

46. Marques, V. P. M. A; Grossi M. E.; França, C. G. O censo 2006 e a reforma agrária: aspectos metodológicos e primeiros resultados, Brasília, Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2012. Disponível em: <www.nead.gov.br>.

47. As diferenças derivam de o limite legal de quatro módulos fiscais para a delimitação da agricultura familiar no Censo Agropecuário de 1996 ter impedido que os assentamentos ambientalmente diferenciados, nos quais o uso da terra é cole- tivo, fossem integralmente captados.

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regularizações das ocupações dentro deles, pois é crescente a frequência de problemas de perfil, revelando pessoas com pouca experiência na agricultura – possivelmente melhores lutadores sociais que agricultores. Tudo isto apon- ta claramente para uma nova situação, pois há estados onde a demanda por terra já se tornou residual, e em outros a rede de proteção social do governo ampliou sua capacidade de resposta tirando muitas famílias agricultoras da miséria e lhes apresentando novas oportunidades, de forma que a demanda por terra também arrefeceu. Além disto, os projetos de assentamento já exis- tentes absorvem uma parcela de novos agricultores constantemente, inclusive em novas unidades habitacionais independentes advindas do crescimento das famílias, e ajudam a intensificar a produção e a geração de renda, cada vez mais pluriativa.

Outro fator determinante desta nova situação é a melhoria da economia a partir do segundo ano do governo Lula, que pode ser captada na criação massiva de novos postos de trabalho e no surgimento de uma nova classe mé- dia no meio rural, conforme informado pelo estudo comentado.

o brasil rural que temos e o brasil rural que queremos:

No documento 7Mielitz (páginas 35-39)