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A concentração de escravos na cidade de Juiz de Fora

No documento caiodasilvabatista (páginas 149-157)

3 OS SENHORES DE ESCRAVOS EM UM CENTRO URBANO DO

3.6 A concentração de escravos na cidade de Juiz de Fora

Na cidade de Juiz de Fora, como venho demonstrando no decorrer deste trabalho, desenvolveu-se uma sociedade escravista. A utilização dessa mão de obra foi difundida entre a população, fazendo com que indivíduos pobres e ricos tivessem esse bem.

136BRASIL. Lei número 3.270, de 28 de setembro de 1885. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM3270.htm>. Acesso em: 28 mai. 2019. BRASIL. Lei número 3.310, de 15 de outubro de 1886. Disponível em:

No entanto, no período em que os inventários post-mortem em análise foram confeccionados, o escravismo brasileiro passava por mudanças. A partir de 1850 o tráfico internacional foi abolido de forma efetiva. Esse fenômeno, de acordo com Ricardo Salles, fez a população cativa declinar no país (SALLES, 2008, p. 57). A diminuição da entrada de novos cativos fez o preço dessa mercadoria subir. Esse fator fez com que a concentração de escravos ficasse, predominantemente, nas mãos de poucas pessoas (MATTOS, 2013). Porém, mesmo com essas características, grupos médios e menos abastados da sociedade adquiriram escravos.

No município de Juiz de Fora, essa realidade não foi diferente. Grande parte dos mancípios foram direcionados para as áreas rurais onde trabalhavam no cultivo do café. Todavia, moradores residentes na cidade, de forma parcial ou fixa, adquiriram cativos. O quadro a seguir apresenta como estava concentrada a escravaria entre os inventariados nos quais estou analisando.

Quadro 11 - Total e média de escravo por senhor inventariado em Juiz de Fora, 1853 a 1879 Senhores Total de Escravos

Francisca Rosa do Espírito Santo 2 Cassiano Ferreira Damasceno e

Cândida Gonçalves Damasceno

3

Francisco José de Assis 3

Efigenia Ferreira da Costa 6

Maria Tereza de Jesus 7

João Carlos da Fonseca 7

Barão da Bertioga 22

Baronesa da Bertioga 23

Comendador Halfeld 30

Ana Candida Barbosa 36

Ana Carolina de Miranda 59

José Caetano Rodrigues Horta 69

Francisco de Paula Lima 195

Total 462

Média Aproximada 35

Fonte: AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colucci. Processos

Civis. Série: Inventários. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Série: Inventários.

Levando em consideração a divisão da concentração escrava promovida por Ricardo Salles para o município de Vassouras, localidade com características socioeconômicas

próximas a de Juiz de Fora, é possível considerar cinco perfis de proprietários (SALLES, 2008, p. 155-158). Estes estariam divididos da seguinte maneira: micro (1 a 4 cativos), pequenos (5 a 19 escravizados), médios (20 a 49 mancípios), grandes (50 a 99 escravizados) e megaproprietários (de 100 escravizados em diante) (SALLES, 2008, p. 155-158).

Levando em consideração essa divisão e os dados do quadro anterior, é possível verificar que os senhores de escravos de Juiz de Fora se enquadravam nas cinco categorias. O gráfico abaixo apresenta como estava essa divisão.

Gráfico 6 - Porcentagem de senhores de escravos em Juiz de Fora de acordo com a posse de cativos, 1853–1879

Fonte: AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colucci. Processos Civis. Série: Inventários. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Série: Inventários.

Os dados expostos pelo quadro anterior e pelo gráfico acima indicam a presença majoritária de senhores de escravos no perfil de micro, pequenos e médios proprietários, ou seja, esses indivíduos possuíam entre 1 a 49 mancípios. Esse grupo corresponde a 77% do total de inventariados. Os médios e megaproprietários correspondiam a 23%.

A média aproximada de escravo por proprietário, tal como sugerido pelo quadro 11, é de aproximadamente 35 por indivíduo, um número elevado ao se tratar de escravos urbanos.

A produção historiográfica demonstra que na segunda metade do século XIX em grandes centros urbanos do Brasil, como Rio de Janeiro, a relação entre senhor/escravo era de 3,5. A falta de estudos específicos relacionados à escravidão urbana em cidades próximas à realidade de Juiz de Fora dificulta em certos momentos a promoção de comparação com realidades similares a da localidade em análise.

Micro 23% Pequenos 23% Médios 31% Grandes 15% Mega 8%

Voltando ao estudo dos dados, as escravarias do comendador Francisco de Paula Lima, do coronel José Caetano Rodrigues Horta e de Ana Carolina de Miranda auxiliaram na grande proporção escravo/senhor. Como é apresentado no quadro 11, esses senhores possuíam 195, 69 e 59 escravos, respectivamente.

Para o Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, capital do Império do Brasil e sede da Corte, Luiz Carlos Sores fez a seguinte observação sobre a concentração escrava:

[...] pessoas que possuíam muito acima de 30 escravos, e os alugavam ou empregavam no ganho, não passavam de um número muito reduzido na segunda metade do século XIX. É provável que as pessoas mais abastadas, que viviam dessa forma, tivessem pouco mais de 10 escravos [...]. (SOARES, Luis Carlos, 2007, p. 84)

Trazendo essa realidade para Juiz de Fora, é possível verificar que os três proprietários listados anteriormente tinham “perfis” mais “agrários” do que “urbanos”. Ao verificar os bens listados desses indivíduos, é possível observar que estes se dedicavam, predominantemente, às atividades rurais.

Ao cruzar os dados da lista nominativa que confeccionei para desenvolver esta pesquisa, pude detectar que o Comendador Paula Lima e o Coronel Rodrigues Horta eram cafeicultores. O marido de Ana Carolina de Miranda, que foi seu inventariante, dedicava-se à criação de animais.

Mesmo se dedicando a atividades agrárias, esses indivíduos possuíam bens na cidade, como terrenos e casas. Por esse motivo eles foram selecionados para minha amostragem. Esses três senhores representam muitos outros que existiam em Juiz de Fora. Esses indivíduos residiam em fazendas, porém tinham imóveis na cidade aonde iam passar temporadas e finais de semana. Ao irem à cidade alguns de seus escravos os acompanhavam em especial aqueles especializados nos serviços domésticos.

Tal realidade era presente em outras cidades do Brasil oitocentista. Nesse período o país era agrário e era comum os fazendeiros mais afortunados terem imóveis no centro urbano próximo de sua propriedade.

Excluindo esses três indivíduos, a relação escravo/senhor muda. Também é alterado o perfil da concentração escrava. A tabela e o gráfico a seguir demonstram esses resultados.

Quadro 12 - Total e média de escravo por senhor inventariado em Juiz de Fora, 1853 a 1879 Senhores Escravos Total de

Francisca Rosa do Espírito Santo 2 Cassiano Ferreira Damasceno e

Cândida Gonçalves Damasceno 3

Francisco José de Assis 3

Efigenia Ferreira da Costa 6

Maria Tereza de Jesus 7

João Carlos da Fonseca 7

Barão da Bertioga 22

Baronesa da Bertioga 23

Comendador Halfeld 30

Ana Candida Barbosa 36

Total 144

Média Aproximada 14

Fonte: AHJF. Fundo: Fórum Benjamim Colucci, Processos Civis.

Série: Inventários. AHUFJF. Fundo: Benjamim Colucci. Série: Inventários.

Gráfico 7 - Porcentagem de senhores de escravos em Juiz de Fora de acordo com a posse de cativos, 1853–1879

Fonte: AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colucci. Processos Civis. Série: Inventários. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Série: Inventários.

Ao revisar os dados, é possível chegar a uma realidade diferente da exposta no início desta análise. É possível verificar o predomínio de proprietários micro e pequenos, representando 60% do total. Esses senhores possuíam entre 1 a 19 escravos.

Porém, a quantidade de senhores médios, ou seja, detentores de 20 a 49 escravos foi bastante relevante. Esses indivíduos dividiam suas ocupações entre o ambiente rural e o urbano. Micro 30% Pequenos 30% Médios 40%

Dos 13 inventariados 4, ou 40%, se enquadram nesse grupo eram eles: Comendador Henrique Guilherme Fernando Halfeld, Barão e Baronesa da Bertioga e Ana Candida Barbosa. Esses indivíduos tinham seus investimentos diversificados, dedicando-se a empréstimo, comércio, compra de ações, títulos da dívida pública, terrenos e imóveis. Esses senhores também cultivavam café, gêneros alimentícios para o mercado local e se dedicavam à criação de gado137. Por possuírem parte de seus ganhos ligados a atividades agropastoris, esses indivíduos demandaram um maior número de escravos em comparação aos demais proprietários.

Esses senhores se enquadravam naqueles em que diversificavam seus investimentos no decorrer do século XIX. Como demonstrei neste capítulo, no Brasil da segunda metade dos oitocentos muitos proprietários de escravos passaram a ampliar seus investimentos. Nesse contexto, esses indivíduos investiam não só na tríade “terra, escravo e café”, mas também no comprar de ações, títulos da dívida pública, de terrenos e imóveis. Em regiões que não contavam com instituições bancárias como Juiz de Fora e Vassouras, muito senhores de escravos se dedicaram a oferta de crédito a juros (ALMICO, 2009; ANOTONIO, 2012). Esse contexto socioeconômico apresenta a coexistência do capitalismo com formas mais antigas de relações econômicas138.

Por fim, ao analisar a concentração escrava na cidade de Juiz de Fora durante a segunda metade do século XIX, é possível chegar a algumas conclusões importantes. A primeira se relaciona ao grande vínculo entre o urbano/rural vivenciado pelo sistema escravista juiz-forano durante o oitocentos.

Tal realidade se relaciona à economia cafeeira desenvolvida na localidade. Esse fator fez com Juiz de Fora se tornasse o centro do “complexo cafeeiro” que se formou na região. Assim, muitos senhores desenvolviam suas atividades exclusivamente no ambiente urbano,

137AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colucci. Processos Civis. Série: Inventários. Caixa 92, 1863, Inventário da

Baronesa da Bertioga. Caixa 93,1874, Inventário de Henrique Guilherme Fernando Halfled. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Série: Inventários. Caixa: 69, 1896, Inventário de Ana Candida Barbosa. Caixa: 74, 1870 Inventário do Barão da Bertioga. No inventário de Ana Candida Barbosa, constam diversos pastos. Como seu marido era negociante e criador creio que esses pastos eram utilizados na criação de bois e cavalos para o corte e a venda.

138Para a melhor compreensão desse assunto, consultar: ALMICO, Rita de Cássia da Silva. Dívida e obrigação:

as relações de crédito em Minas Gerais – séculos XIX/XX. 2009. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. PIRES, Anderson José. Café, finanças e bancos: uma análise do sistema financeiro da zona da Mata de Minas Gerais, 1889/1930. 2004. Tese (Doutorado em História) –Faculdade de Economia, Universidade de São Paulo, 2004.

outras as realizavam ora na cidade, ora na área rural, como foi o exemplo do Barão da Bertioga.

Essa característica foi realidade em outras cidades brasileiras do oitocentos, como Campinas, Vassouras e Valença, que se formaram em regiões cafeeiras do Sudeste brasileiro do século XIX. Esses centros se desenvolveram como áreas complementares à atividade cafeeira139. Nesse contexto, parte dos recursos gerados pela venda da rubiácea eram reinvestidos em atividades econômicas urbanas, como, por exemplo, manufaturas, comércio e obras públicas.

O desenvolvimento de atividades agropastoris associadas às de cunho urbano fez com que alguns senhores de escravos em Juiz de Fora concentrassem um contingente elevado dessa mão de obra para os parâmetros da escravidão urbana. A ausência de pesquisas específicas sobre a escravidão nas cidades da Zona da Mata mineira e de localidades como Vassouras e Valença dificulta a realização de comparações com esses centros urbanos que possuíam características socioeconômicas mais próximas à de Juiz de Fora.

Assim, ao verificar a posse de escravos em cidades maiores, como o Rio de Janeiro, é possível detectar diferenças com Juiz de Fora. Luiz Carlos Soares, analisando a posse de escravos na capital do Brasil na segunda metade do século XIX, observa que nesse período o número de escravos por família reduziu (SOARES, Luis Carlos, 2007, p. 82). Além desse aspecto, Soares observou a diminuição de senhores com “centenas e centenas de famílias [escravas]” (SOARES, Luis Carlos, 2007, p. 82).

Em meio a esse contexto, 59% eram microproprietários, ou seja, donos de 1 a 5 cativos (SOARES, Luis Carlos, 2007, p. 397 - 399). Os detentores de uma escravaria formada por 5 a 19 indivíduos, os pequenos proprietários, representavam 35%. Médios, detentores de 20 a 49, e grandes proprietários, possuidores de 50 a 99 cativos, respondiam por 5% e 1% respectivamente. A média entre escravo/senhor nessa localidade era de 3,5 mancípios.

Comparando esses dados com o gráfico 6.1 e o quadro 11.1, que creio ser mais próximo da realidade dos senhores de escravos de Juiz de Fora, é possível verificar semelhanças e diferenças com o Rio de Janeiro. Em relação às conformidades, os resultados apresentados permitem verificar que tanto na cidade mineira quanto no Rio de Janeiro houve

139 Sobre esse assunto consultar: PELLICCIOTTA, Mirza. Subsídios para o estudo da evolução urbana de

o predomínio de senhores detentores de 1 a 19 escravos, ou seja, micro e pequenos proprietários.

Por outro lado, em Juiz de Fora, diferentemente da capital brasileira, havia um número considerável de médios proprietários. A escravaria desses indivíduos era composta por 20 a 49 cativos, respondendo por 40% dos senhores urbanos. Essa presença foi bastante significativa nessa localidade.

Como disse anteriormente, muitos indivíduos pertencentes a esse grupo realizavam atividades urbanas e rurais. Por esse motivo possuíam uma grande quantidade de escravos para os parâmetros do escravismo de grandes cidades, como o Rio de Janeiro do século XIX140.

Outra distinção observada em Juiz de Fora foi a média senhor/escravo. Enquanto na capital do Império do Brasil essa cifra ficou no patamar de 3,5, na cidade mineira a média foi de 14. A relação maior no centro urbano da Zona da Mata mineira está diretamente ligada à grande presença de médios proprietários de cativos comparando-se com o Rio de Janeiro.

Em Juiz de Fora, esses indivíduos concentravam 77% dos escravos do quadro 11.1. Assim, é possível verificar a concentração da posse de escravo nas mãos de pessoas pertencentes a grupos mais abastados da sociedade. Essa característica esteve presente na área rural do município e também em outras localidades, como Vassouras141. Porém, a presença de micro e pequenos proprietários de cativos na cidade de Juiz de Fora aponta que o uso dessa mão de obra foi difundido em todos os setores da sociedade.

Esses escravos transitavam pela cidade de Juiz de Fora e nas áreas rurais realizando serviços diversos. Ao realizar seus afazeres diários, esses indivíduos desenvolviam redes de solidariedade. Como demonstrei no capítulo anterior, diversos interesses envolviam essas interações sociais que auxiliavam na formação da Cidade Negra e da Cidade Esconderijo. Nesse sentido, no próximo capítulo irei promover uma análise sobre o cotidiano dos escravos urbanos juiz-foranos.

140 A média escravo/senhor em cidades como Rio de Janeiro a partir de 1850 era de 1 a 10 escravos,

representando 81% dos senhores. Sobre essa questão, consultar: SOARES, Luiz Carlos. “O povo de cam” na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.

141Sobre esse assunto, consultar: FREIRE, Jonis. Escravidão e família escrava na Zona da Mata mineira

oitocentista. 2009. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. SALLES, Ricardo. E o vale era o escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

Por causa de um pão!

Hontem, 8 do corrente, tendo Angelo Farinha, caixeiro da padaria Franceza, deixado sua carrocinha à porta do collegio de Ns. Senhora das Dôres, em quanto subiu no mesmo collegio, a satisfazer sua freguesia, um preto escravo, aproveitando-se deste intervallo tirou um pão que guardou no seio, do que desconfiando Angelo passou uma revista e encontrado o furto, applicou boa meia dúzia de tapas no escravo, mas intervindo o senhor do preto prendeu o padeiro a ordem do subdelegado. [...].142

4 ASPECTOS DO COTIDIANO DA ESCRAVIDÃO URBANA EM JUIZ DE FORA

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