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Fontes, metodologia e resultados

No documento caiodasilvabatista (páginas 115-120)

3 OS SENHORES DE ESCRAVOS EM UM CENTRO URBANO DO

3.1 Fontes, metodologia e resultados

Para chegar aos senhores de escravos da cidade de Juiz de Fora durante o século XIX, desenvolvi um banco de dados com 1.229 nomes de moradores que residiam na localidade durante o oitocentos. Para sua montagem, utilizei o almanaque administrativo, civil e industrial de Minas Gerias dos anos de 1870, 1873 e 1875111. Além dessa documentação, foram extraídas informações da lista nominativa de 1831 e de censos realizados em Juiz de Fora no decorrer do século XIX112.

Também utilizei documentos fiscais da Câmara Municipal relacionados a autos de infrações aplicados pelo fiscal de posturas à moradores da cidade, requerimentos de pedidos de alívio de multas e solicitação de abertura, continuação ou baixa em casa de negócio e denúncias sobre falta de licenças113.

111Almanak Administrativo, civil e industrial da Província de Minas Gerais do ano de 1870. Almanak

Administrativo, civil e industrial da Província de Minas Gerais do ano de 1873. Almanak Administrativo, civil e industrial da Província de Minas Gerais do ano de 1875. Os mesmos estão disponíveis,

respectivamente, em:

<https://books.google.com.br/books/about/Almanak_administrativo.html?id=Vi48AQAAIAAJ&redir_esc=y> Acesso em: 3 ago. 2015. <http://memoria.bn.br/pdf/393428/per393428_1873_00001.pdf>. Acesso em: 4 ago. 2015. <http://hemerotecadigital.bn.br/acervo-digital/almanak-administrativo-civil-industrial/393428>. Acesso em: 6 ago. 2015.

112Lista nominativa do distrito de Santo Antônio do Juiz de Fora de 1831 (18/11/1831). Disponível em:

<http://poplin.cedeplar.ufmg.br/>. Acesso em: 28 ago. 2015. AHJF. Fundo: Câmara Municipal do Império. Série 53: Documentos referentes a censos realizados em Juiz de Fora.

A partir da leitura dessas fontes, pude construir um banco de dados com os nomes e, em muitos casos, com as profissões de alguns moradores de Juiz de Fora durante o século XIX. Essas informações me possibilitaram localizar os inventários post-mortem e os testamentos desses indivíduos114. Para ampliar o quantitativo de fontes, selecionei documentos nos quais os indivíduos do referido banco de dados eram inventariantes, testador ou testamenteiro115.

Ao final dessa triagem, cheguei ao quantitativo de 154 inventários post-mortem, 13 testamentos e 1 testamentário. Dentro desse universo documental, selecionei aqueles que abrangiam a cronologia proposta por esta pesquisa, ou seja, todo o século XIX até a abolição da escravatura no Brasil em 1888. Ao final dessa seleção, obtive 58 inventários post-mortem, 13 testamentos e 1 testamentário. Este último documento trata da prestação de contas realizado pelo testamenteiro, indivíduo com a incumbência de realizar as vontades do testador após seu falecimento.

Ao realizar a leitura dos inventários post-mortem e dos testamentos, detectei que alguns indivíduos moravam nos distritos ou na zona rural de Juiz de Fora. Havia também aqueles que residiam na cidade e não possuíam escravos. Em relação aos testamentos, alguns não faziam menções a escravos. Por não se enquadrarem dentro da proposta de minha pesquisa, tive que excluir alguns desses documentos. Após esta última triagem, cheguei ao número de 13 inventários post-mortem e 3 testamentos. É importante salientar que 3 inventários post-mortem continham testamento. Com isso, o universo final dessa fonte chegou a 6.

Como explicitado anteriormente, alguns inventários post-mortem vinham acompanhados de testamentos. Esse documento era facultativo. Este representava a última vontade do testador. Tal como observado por Sheila Faria, o testamento apresentava a

Juiz de Fora referentes a impostos municipais. / 90 – Documentos do Fiscal da Câmara de Juiz de Fora referentes a posturas municipais / 127 – Requerimentos contendo reclamações sobre impostos e solicitando sua redução ou alívio de multas / 128 – Requerimentos solicitando licença para abertura, continuação e baixa de negócios, exercício da profissão e obras. Contém também denúncias de falta de licenças.

114Os inventários e testamentos em Juiz de Fora se localizam nas seguintes instituições: AHJF. Fundo: Fórum

Benjamin Colucci. Processos Civis. Séries: Inventários / Testamentos. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Séries: Inventários / Testamentos.

115Os inventariados eram aqueles indivíduos que, ao falecerem, tinha seus bens listados no inventário. Cabia ao

inventariante listar os bens, declarar os nomes de todos os herdeiros e legatários, usar dos meios judiciais para proteger os bens do espólio e os administrar até a partilha. O testador era o indivíduo que escrevia um testamento que deveria ser executado após seu falecimento pelo testamenteiro. Para mais informações sobre o conteúdo dos inventários e testamentos, consultar: DAUMARD, Adeline; BALHANA, Altiva; GRAF, Márcia. História social do Brasil: teoria e metodologia. Curitiba: Ed. UFPR, 1984.

preocupação em estar em “paz com a consciência e com a alma”, a crença nos santos para salvar a alma e também estipulava legados e o destino da terça do testador (FARIA, Sheila, 1988).

Os testamentos não serão utilizados neste capítulo, pois meu objetivo é analisar a riqueza, a concentração da propriedade escrava, o tipo de bens acumulados, dentre outros fatores econômicos. Pelo fato de os testamentos apresentarem a “última vontade” do indivíduo depois do seu falecimento, julguei que tal fonte não apresentaria informações relevantes sobre o perfil socioeconômico dos senhores de escravos de Juiz de Fora. Contudo, utilizarei tal fonte em outras ocasiões desta pesquisa.

É importante salientar que as escolhas são necessárias e fazem parte do “fazer histórico”. No entanto, tal como lembrado por Marc Bloch, “reunir os documentos que estima necessários é uma das tarefas mais difíceis do historiador” (BLOCH, 2001, p. 82). Mesmo com a complexidade da escolha das fontes utilizadas, esse exercício é necessário na pesquisa histórica.

Nesse sentido, a documentação que selecionei é aparentemente baixa. Porém, fontes bem analisadas apresentam bons resultados. Como irei apresentar no decorrer deste capítulo, os inventários post-mortem utilizados me forneceram detalhes relevantes sobre a realidade socioeconômica dos senhores de escravos na cidade de Juiz de Fora no decorrer do século XIX.

Além deste aspecto, a baixa incidência de inventários post-mortem de senhores de escravos para a cidade de Juiz de Fora no decorrer do século XIX se relaciona à configuração socioeconômica da localidade. Como venho demonstrando no decorrer deste trabalho, o principal produto da economia de Juiz de Fora no oitocentos, sobretudo a partir de 1850, era o café. Este era produzido nas áreas rurais e tinha como principal mão de obra o escravo. Por apresentar tal característica econômica, grande parte dos cativos desta localidade residiam nas áreas rurais.

Os dados do censo de 1872 apresentam informações que permitem sustentar essa hipótese. Nesse ano o município de Juiz de Fora possuía uma população estimada em 38.336 almas, dentre as quais 19.351 eram escravos116.

116 Recenseamento do Brasil em 1872. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/>. Acesso em: 15 out. 2016.

Acresci aos 15.253 escravos computados pelo censo de 1872 os da freguesia de Nossa Senhora do Glória em São Pedro de Alcântara. Segundo Elione Guimarães nessa localidade existia 5.003 escravizados. GUIMARÃES, Elione Silva. Op. Cit.

Como explicitado no capítulo anterior, desse total, 7.171 mancípios estavam na paróquia de Santo Antônio do Juiz de Fora. Os demais 12.197 cativos desse município estavam distribuídos nos distritos de Juiz de Fora, desenvolvendo, pincipalmente, o trabalho na produção cafeeira.

A concentração de cativos nas áreas rurais de Juiz de Fora desenvolvendo, principalmente, os serviços relacionados à cafeicultura também estava atrelado ao contexto da Segunda Escravidão e a configuração socioeconômica do Sudeste brasileiro oitocentista. Assim como em outras áreas desta região do Brasil do século XIX, Juiz de Fora possuía como principal produto econômico o café. Essa mercadoria era produzida para o mercado externo pela mão de obra escrava.

Além do Brasil, esse sistema se configurou no Sul dos Estados Unidos e em Cuba (TOMICH, 2008, p. 94). A Segunda Escravidão, de acordo com Dale Tomich, teve início nas décadas finais do século XVII e se estendeu até 1888, quando foi abolida no Brasil (TOMICH, 2008, p. 94). Essas regiões se especializaram, respectivamente, na produção em larga escala de café, algodão e açúcar e utilizaram como principal mão de obra os cativos (TOMICH, 2008, p. 94).

Nessas novas áreas agrícolas foram produzidas culturas que atendiam à demanda do mercado internacional e, a partir da tríade terra, trabalho e capital, reconfiguraram os padrões anteriormente existentes no mundo atlântico (MARQUESE, 2010, p. 83-128). Com isso, a Segunda Escravidão se diferenciava do escravismo de base colonial.

Os senhores de escravos dessas novas áreas agroexportadoras tiveram que aumentar constantemente a produtividade de seus cativos para atenderem ao mercado mundial (MARQUESE; SALLES, 2016, p. 13-54). No contexto de formação e consolidação da industrialização e do capitalismo mundial, os senhores de escravos buscavam obter o máximo de lucro em seus investimentos, inclusive na aquisição de cativos (MARQUESE; SALLES, 2016, p. 13-54). Com os capitais gerados pela produção de algodão, açúcar e café, esses indivíduos conseguiam lucrar e consequentemente aumentar suas posses e permanecer como grupo social dominante em suas localidades (MARQUESE; SALLES, 2016, p. 13-54).

No Brasil, a Segunda Escravidão se configurou na região Sudeste englobando as províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo (MUAZE; SALLES, 2015). Nessas áreas foram desenvolvidas o plantio do café no final do século XVIII e no decorrer do XIX, sendo a mão de obra principal a escrava. Em meio a esse contexto, municípios do Vale do Paraíba, como Vassouras (RJ) e Bananal (SP), passaram a concentrar a propriedade escrava

nas mãos de poucos fazendeiros117. Além disso, esses senhores de escravos também concentravam boa parte da riqueza e das terras presentes nos municípios em que residiam (PIRES, 1993, p. 41-42).

Juiz de Fora estava inserida dentro desse contexto. Para a localidade em análise, há uma série de estudos que apontam para uma grande concentração de terras e escravos nas mãos de poucos indivíduos118. Além desse aspecto, esses cafeicultores concentravam em suas mãos grande parte da riqueza produzida em Juiz de Fora, em especial a partir da década de 1870, período no qual a produção cafeeira chegou a seu auge (ALMICO, 2001; PIRES, 1993).

Porém, mesmo com uma economia embasada na produção agroexportadora de café, a cidade de Juiz de Fora recebeu investimentos que possibilitaram a diversificação da economia local. Como foi apontado no capítulo anterior, o capital excedente da produção cafeeira foi investido na infraestrutura urbana, em manufaturas, na construção de ferrovias e da estrada de rodagem União e Indústria.

Mesmo possuindo uma economia embasada na cafeicultura, caracterizada pela grande propriedade fundiária e escravista, a cidade de Juiz de Fora teve proprietários de escravos desenvolvendo atividades urbanas. Havia também os que desempenhavam suas ocupações na cidade e no campo.

Dentro dessa perspectiva, irei analisar nas próximas páginas as ocupações desses indivíduos, além de seu perfil social e econômico. Buscando a comparação com outras regiões do Brasil, será possível compreender em que os proprietários de escravos juiz-foranos se assemelhavam com os demais e como se diferenciavam.

117 Sobre esse assunto, consultar os seguintes textos: MARQUESE, Rafael de Bivar. A dinâmica da escravidão

no Brasil: resistência escrava, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII-XIX. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 74, p. 107-123, mar. 2006. VERSIANI, Flávio Rabelo. Os escravos que Saint-Hilaire viu. História Econômica e História de Empresas, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 7-42, 2000. GOMES, Flávio; FERREIRA, Roquinaldo. A miragem da miscigenação. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 80, p. 141-160, mar. 2008.

118 Sobre essa questão, consultar os seguintes trabalhos: ALMICO, Rita de Cássia da Silva. Fortunas em

movimento: um estudo sobre as transformações na riqueza pessoal em Juiz de Fora, 1870–1914. 2001. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. PIRES, Anderson José. Capital agrário, investimentos e crise na cafeicultura de Juiz de Fora, 1870–1930. 1993. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal

Fluminense, Niterói, 1993. SARAIVA, Luiz Fernando. Um correr de casas, antigas senzalas: a transição do trabalho escravo para o livre em Juiz de Fora, 1870–1900. 2001. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001.

3.2 Aspectos econômicos de um centro urbano em expansão: Juiz de Fora durante o

No documento caiodasilvabatista (páginas 115-120)