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A escravaria dos inventariados

No documento caiodasilvabatista (páginas 136-149)

3 OS SENHORES DE ESCRAVOS EM UM CENTRO URBANO DO

3.5 A escravaria dos inventariados

Os 13 inventários post-mortem analisados apresentam 462 cativos. Como disse anteriormente, esse bem foi o de maior relevância na composição da riqueza dos senhores de escravos de Juiz de Fora. Pela falta de estudos a respeito do tema, não é possível saber se a maioria dos habitantes desse centro urbano possuía mancípios ou não.

Mesmo com a ausência dessa informação, outras fontes que consultei, como o censo de 1872, permitem concluir que a maioria da escravaria do município de Juiz de Fora habitava a zona rural e seus distritos. Como apresentei no capítulo anterior, em 1872 a paróquia de Santo Antonio do Juiz de Fora, que englobava o distrito sede, contava com 7.171 escravos, o que correspondia a 37% dos mancípios do município, estimados em 19.351 almas127.

A concentração da mão de obra escrava nas fazendas e distritos justifica-se em decorrência da economia configurada nessa localidade. Como venho demonstrando no decorrer deste trabalho, Juiz de Fora fazia parte de um “complexo econômico” cujo principal produto era o café. Os escravos eram a principal força de trabalho na cafeicultura. Por esse motivo, esses indivíduos concentravam-se fora da cidade. No entanto, como venho apresentando, na cidade Juiz de Fora havia escravos que exerciam funções diversas.

Em relação aos dados oferecidos pelos inventários post mortem, eles permitem verificar o predomínio de mão de obra escrava masculina. Os homens representam 68% e as mulheres 32% do universo de 462 indivíduos.

127Recenseamento do Brasil em 1872. Disponível em: <http:biblioteca.ibge.gov.br >. Acesso em: 20 jan. 2017.

Levei em consideração a população calculada na freguesia de São Pedro de Alcântara que não havia sido recenseada. De acordo com Elione Guimarães essa localidade possuía em torno de 5.000 escravizados. Essas cifras, somadas ao total de 15.253 cativos computados pelo censo de 1872, leva-nos ao total de 19.351 escravos no município. Sobre esse assunto, consultar: GUIMARÃES, Elione Silva. Múltiplos viveres de afrodescendentes na escravidão e no pós-emancipação: família, trabalho, terra e conflito (Juiz de Fora – MG, 1828 – 1928. São Paulo: Annablume, 2006b.

Gráfico 3 - Sexo dos escravos inventariados em Juiz de Fora, 1853–1879

Fonte: AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colucci. Processos Civis. Série: Inventários. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Série: Inventários.

Sobre a idade desses escravos, a tabela a seguir apresenta a distribuição da faixa etária desses indivíduos.

Tabela 4 - Idade dos escravos inventariados em Juiz de Fora, 1853–1879 Faixa Etária

(Em anos) Escravo (A) Escrava (B) (A + B) Total Porcentagem Aproximada

Menores de 1 1 2 3 1% 1 – 10 32 24 56 12% 11 – 20 44 30 74 16% 21 – 30 68 38 106 23,% 31 – 40 98 35 133 28% 41 – 50 39 12 51 11% Maiores de 50 18 3 21 5% Não consta 15 3 18 4% Total 315 147 462 100%

Fonte: AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colucci. Processos Civis. Série: Inventários. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Série: Inventários.

Analisando a tabela acima, é possível verificar o maior número de escravos de ambos os sexos concentrados na faixa etária de 21 a 50 anos. Esses indivíduos representam 290 cativos ou 62,7% do total contabilizado nos inventários post-mortem. A partir desse dado é possível verificar que a escravaria de Juiz de Fora era formada, predominantemente, por

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indivíduos em plena atividade produtiva. Tal característica era comum em uma sociedade que necessitava da utilização da mão de obra escrava em diversas atividades em especial a cafeicultura.

Essa realidade esteve presente em outras localidades cafeeiras do Brasil oitocentista. A cidade de Bananal (SP), assim como Juiz de Fora, também teve sua economia embasada durante a segunda metade do século XIX na cafeicultura, apresentando uma população escrava predominantemente masculina em idade produtiva (MARCONDES, 2002, p. 21-74). Em um contexto geral, esse era o perfil da escravaria do Brasil.

A presença de cativos de 0 a 10 anos aponta para a reprodução natural como complemento na reposição da mão de obra mancípia. É importante salientar que o período no qual foram feitos os inventários post-mortem em estudo, o tráfico internacional de escravos havia sido proibido no Brasil de forma definitiva pela lei conhecida como “Eusébio de Queirós” em 04 de setembro de 1850.

Como demonstrado pela produção historiográfica que trata do assunto após 1850 o tráfico interno de escravos no Brasil teve seu advento128. Em meio a esse contexto, houve o predomínio da compra e venda de escravizados nos âmbitos locais, regionais e provinciais (interprovincial). Além do tráfico interno de escravos alguns senhores também utilizaram a reprodução natural de seus escravos como alternativa para repor essa mão de obra.

Para o município de Juiz de Fora, Jonis Freire aponta que alguns senhores de escravos recorreram a essa alternativa (FREIRE, 2009). De acordo com Freire, após 1831 muitos proprietários buscaram “melhorar” o gerenciamento de sua escravaria, já que o tráfico interno não supria à necessidade de repor essa mão de obra.

Todavia, tal como salientado por autores como Jonis Freire, Claudio Heleno Machado e Rômulo de Andrade, a mão de obra escrava em Juiz de Fora foi reposta, principalmente, pelo tráfico interno (ANDRADE, Rômulo, 1995; FREIRE, 2009; MACHADO, Claudio

128Dentre os diversos trabalhos que lidam com a temática do tráfico interno no Brasil durante o século XIX, cito:

ANDRADE, Rômulo Garcia de. Limites impostos pela escravidão à comunidade escrava e seus vínculos de parentesco: Zona da Mata de Minas Gerais, século XIX. 2v. 1995. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995, São Paulo. MACHADO, Cláudio Heleno. Tráfico interno de escravos estabelecidos na direção de um município da região cafeeira de Minas Gerais: Juiz de Fora, na Zona da Mata (segunda metade do século XIX). 1998. Monografia (Especialização em História) – Faculdade de História, Universidade Federal de Juiz de Fora, 1998, Juiz de Fora. MOTTA, José Flávio. Escravos daqui, dali e de mais além: o tráfico interno de cativos na expansão cafeeira paulista. São Paulo: Alameda, 2012.

Heleno, 1998). Nesse sentido, a reprodução natural de escravos foi uma alternativa no auxílio da reposição dessa mão de obra.

Dos 462 escravos inventariados, 249, ou 53,8% do total, tiveram sua “cor” registrada. Os gráficos a seguir apresentam os dados obtidos.

Gráfico 4 - Relação das “cores” dos escravos relacionadas nos inventários post-mortem em Juiz de Fora, 1853–1879

Fonte: AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colucci, Processos Civis. Série: Inventários. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Série: Inventários.

133 67 32 11 5 1 Crioulo De nação Pardo Cabra Preto Negro

Gráfico 5 - Porcentagem das “cores” dos escravos relacionadas nos inventários post mortem em Juiz de Fora, 1853–1879

Fonte: AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colucci. Processos Civis. Série: Inventários. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Série: Inventários.

Observação: Na cor “preta” foi contabilizado um escravo de cor “negra”. Fiz essa junção para facilitar os cálculos das porcentagens.

Analisando os gráficos 04 e 05, é possível verificar o predomínio de uma escravaria formada por crioulos. Essa característica estava relacionada ao contexto histórico pelo qual passava o sistema escravista nacional.

A partir de 1850 a escravidão brasileira passou por uma reconfiguração. A primeira mudança estava relacionada ao fim do tráfico Atlântico de escravos no Brasil. Tal fato se deu em setembro de 1850 pela lei conhecido como “Eusébio de Queirós”129.

A partir dessa legislação, o tráfico interno de escravos se intensificou no Brasil. Em meio a esse contexto, diversas transações de compra e venda nos âmbitos locais, interprovinciais e intraprovinciais passaram a ser promovidos130. Os cativos negociados eram

129BRASIL. Lei número 581, de 4 de setembro de 1850. Disponível em:

<http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM581.htm> . Acesso em: 11 mai. 2019.

130Dentre os diversos estudos que tratam do tráfico interno de escravos no Brasil após 1850, cito o seguinte

trabalho: CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. Crioulo 53% De nação 27% Pardo 13% Cabra 5% Preto 2%

enviados, principalmente, para a região Centro-Sul do Brasil, em especial para as províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais (CONARD, 1978).

Essas regiões eram plantadoras de café, principal produto da economia do Brasil no século XIX. A cafeicultura brasileira foi desenvolvida dentro do sistema de plantation, ou seja, grandes porções de terras que utilizaram a mão de obra escrava e eram especializadas na produção de produtos agrícolas para o mercado externo (WILLIAMS, 1944).

Esse sistema estava inserido no contexto da “Segunda Escravidão”. Esta, de acordo com Robin Blackburn, teve seu início por volta de 1790 e se encerrou em 1888, quando o Brasil aboliu a escravidão (MARQUESE; SALEES, 2016, p. 16). De acordo com o autor, esse “novo” sistema teve seu auge em meados do século XIX (MARQUESE; SALEES, 2016, p. 17).

A Segunda Escravidão teve como características a inserção de novas tecnologias, a gestão do trabalho e o aumento da eficiência produtiva (MARQUESE, 2004). Esse novo contexto reconfigurou o sistema escravista não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, na produção algodoeira, e em Cuba, no plantio da cana-de-açúcar.

De acordo com Dale Tomich, nesse sistema, “[...] as tarefas foram cada vez mais quantificadas, medidas e calculadas, as cargas de trabalho aumentaram e o trabalho foi intensificado a fim de maximizar a produção” (MARQUESE; SALEES, 2016, p. 89). Essa reconfiguração se deu porque o capitalismo estava em desenvolvimento no mundo em decorrência da Revolução Industrial (MARQUESE; SALEES, 2016, p. 37). Em meio a esse contexto, novas tecnologias estavam sendo inseridas na sociedade, que crescia, e o mercado externo demandava de novas commodities primárias, como o café (MARQUESE; SALEES, 2016, p. 37).

Juiz de Fora, como venho demonstrando no decorrer deste trabalho, inseriu-se dentro do contexto da Segunda Escravidão. Como disse anteriormente, na região em análise esse sistema foi construído a partir do tráfico interno. Não só Juiz de Fora teve essa realidade, mas também outras regiões cafeeiras, como o Vale Paraíba Fluminense.

De acordo com Ricardo Salles, esse fenômeno resultou “na crioulização e na ladinização da população cativa” (SALLES, 2008, p. 65). Os dados obtidos nos inventários post-mortem analisados refletem essa realidade para Juiz de Fora. Como é possível verificar, a escravaria era composta, principalmente, por “crioulos”, ou seja, cativos que eram nascidos no Brasil.

Ao analisar as demais “cores” representadas nos gráficos 04 e 05, é possível ampliar o número de escravos nascidos no Brasil; tal como pode ser observado, há a presença de “pardos” e “cabras”.

Em relação ao primeiro grupo Hebe Mattos observou que

“Pardo” foi incialmente utilizado para designar a cor mais clara de alguns escravos, especialmente sinalizando para a ascendência europeia de alguns deles, mas ampliou sua significação quando se teve que dar conta de uma crescente população para a qual não era mais cabível a classificação “preto” ou “crioulo”, na medida em que estes tendiam a congelar socialmente a condição de escravo ou ex-escravo. (MATTOS, 2000, p. 6-18)

Os escravos de “cor” “cabra”, assim como os pardos, também eram mestiços (KARASCH, 2000, p. 39).

Levando em consideração essas afirmações, é possível concluir que tanto “pardos” quanto “cabras” eram cativos nascidos no Brasil. Somados aos “crioulos”, esses indivíduos compuseram 71% dos mancípios inventariados. Esse dado sustenta e reforça a hipótese da presença da escravidão de cunho “crioula” configurada em Juiz de Fora na segunda metade do século XIX. Essa realidade foi a percebida no Sudeste brasileiro cafeeiro oitocentista, macrorregião que estava inserida a localidade em análise (MUAZE; SALLES, 2015).

Porém, a presença de cativos “de nação”, “negro” e “preto” aponta para a existência de africanos dentre os escravizados. Sobre a última “cor”, Hebe Mattos fez o seguinte apontamento: “[...] ‘preto’, até a primeira metade do século [XIX], referia-se preferencialmente aos africanos” (MATTOS, 2013, p. 42). De acordo com a autora, a cor “negra”, embora não haja um consenso, remetia-se, em geral, a escravizados vindos da África (MATTOS, 2013, p. 42). Os cativos “de nação”, como vem sendo demonstrado por alguns pesquisadores, como por exemplo Fábio Pinheiro, referiam-se aos indivíduos vindos da África (PINHEIRO, 2007).

Esses três grupos correspondiam a 29% dos escravizados inventariados. Fábio Pinheiro, analisando o tráfico de escravos na Zona da Mineira durante as primeiras décadas do século XIX, aponta que a região, desde sua formação, contava com a mão de obra escrava para o desenvolvimento de sua economia (PINHEIRO, 2007). Nesse período, a província de Minas Gerais absorveu grande quantidade de cativos oriundos do tráfico transatlântico (PINHEIRO, 2007). A presença de escravos “de nação” e “preto” na segunda metade do século XIX remete a esse período no qual a reposição da mão de obra escrava era reposta, principalmente, por africanos.

O apresentado até o momento permite detectar que a escravaria na cidade de Juiz de Fora era formada, predominantemente, por homens, de origem crioula e em idade produtiva. Ainda é necessária uma análise sobre as ocupações desses indivíduos.

Dos 462 cativos relacionados nos 13 inventários post-mortem em análise, em 67 foram descritas suas ocupações. O quadro a seguir apresenta esses dados.

Quadro 9 - Ocupações dos escravos inventariados em Juiz de Fora, 1853–1879

Ocupação Feminino Masculino Total

Geral Boleiro - 1 1 Carpinteiro/Músico - 1 1 Caseiro - 1 1 Caxeiro - 1 1 Cerrador - 1 1 Confeiteiro - 1 1 Manusear Metais - 1 1 Marcineiro - 1 1 Mestre em Madeira - 1 1 Músico - 1 1 Oficial de Ferreiro - 1 1 Qualquer Serviço/Roceiro - 1 1 Sapateiro - 1 1 Tropeiro - 1 1 Qualquer Serviço/Pedreiro - 1 1 Oficial Carpinteiro - 2 2 Carreiro - 3 3 Feitor - 3 3 Cozinheiro (a) 3 1 4 Pedreiro - 6 6 Roceiro 1 5 6 Carpinteiro - 25 25 Subtotal 4 61 64 Não Consta 143 255 398 Total Geral 147 315 462

Fonte: AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colucci. Processos Civis. Série: Inventários. AHUFJF. Fundo: Benjamin Colucci. Série: Inventários.

A partir das informações do quadro exposto acima, é possível detectar que as ocupações exercidas pelos escravos na cidade de Juiz de Fora eram variadas. Em relação ao grande número de cativos sem especializações, há algumas explicações para este fato.

A primeira se relaciona à natureza da fonte analisada. Nesse sentido, o inventário post- mortem tinha por finalidade enumerar os bens e avaliá-los para serem feito o pagamento das dívidas, caso o inventariado possuísse, e a partilha. Assim, os ofícios dos escravos não era uma informação obrigatória nos inventários post-mortem. Por outro lado, a não inserção da ocupação, segundo Luís Augusto Farinatti, poderia estar relacionada ao fato de o cativo exercer funções diversas (FARINATTI, 2010, p. 353).

Sobre as ocupações apresentadas no quadro 09, é possível observar que, das 4 cativas computadas, 3 ocupavam a atividade de cozinheira. Esta poderia ser exercida no ambiente doméstico, nos hotéis da cidade ou outros estabelecimentos. Em relação às que trabalhavam nos lares, em muitos casos, além de cozinhar, essas escravas exerciam outras atividades.

Como apresentei no capítulo anterior, em Juiz de Fora a presença de escravos especializados em serviços domésticos fazia parte do cotidiano da cidade. Esses indivíduos poderiam trabalhar na casa de seus senhores ou alugados. Não raro, além dos afazeres domésticos, as escravas realizavam outras atividades fora do lar, em especial quando pertenciam a famílias menos abastardas.

Ao analisar os processos criminais tramitados em Juiz de Fora durante a segunda metade do século XIX, localizei uma ação de roubo que demonstra a realização de outras atividades além das relacionas ao lar promovidas por esses mancípios.

Era fevereiro de 1863 quando dona Laura dos Reis, seu marido Antônio Ferreira Neto e seu filho Antônio Carlos Ferreira Pinto deram queixa na delegacia contra João Ignácio Correa e seus camaradas131. De acordo com o inquérito policial, a família Ferreira, que residia na então cidade do Parahybuna, havia mandado sua escrava de nome Eva levar ao senhor Joaquim Vidal Leite Ribeiro um jacá de frangos. A cativa, ao realizar a entrega, passou em frente a casa de João Ignácio Corrêa quando foi surpreendida por três camaradas. Estes, de acordo com os queixosos, estavam armados de cacetas e foram roubar Eva a mando de João Corrêa.

131AHJF. Fundo: Fórum Benjamin Colluci. Processos Criminais. Série 26: Processo de crime de roubo. Caixa 62,

03/02/1863. Para evitar notas repetitivas, todas as vezes em que me referir a este processo, considerar essa referência.

Infelizmente, esse processo encontra-se incompleto. No entanto, essa ação demonstra uma cena típica da escravidão urbana oitocentista: uma escrava que promovia serviços domésticos para seus patrões e outras atividades fora da residência. Na ação analisada, Eva, além de trabalhar no lar, fazia serviços nas ruas da então cidade do Parahybuna, posteriormente, chamada de Juiz de Fora.

Sobre essa questão, Sandra Graham, ao pesquisar os criados no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, observou que a maioria dos escravos domésticos realizavam as tarefas dentro e fora do lar; o exemplo apresentado acima evidencia essa característica em Juiz de Fora (GRAHAM, 1992, p. 25). De acordo com Graham, manter esses cativos exclusivamente no âmbito doméstico foi privilégio de poucas famílias (GRAHAM, 1992, p. 25).

Por fim, é importante salientar que, em Juiz de Fora, tal como sugerido pelo censo de 1872, dos 890 escravizados ocupados nos serviços domésticos 630 eram homens e 260 mulheres132. No exercício dessas atividades em outros centros urbanos, como Itú, Rio de Janeiro e Belém, houve o predomínio de escravas133.

Além da ocupação de cozinheira, o quadro 09 apresenta 1 mancípia especializada na “roça”. Ao observar a coluna dos escravos, é possível verificar a presença de 5 indivíduos nessa ocupação. Esses indivíduos respondem por, aproximadamente, 9% das ocupações presentes nos inventários post-mortem.

Em uma primeira análise, pode-se chegar à conclusão de que os trabalhos relacionados ao ambiente rural em Juiz de Fora eram baixos. No entanto, ao verificar os dados do censo de 1872, os escravos ocupados no serviço de “lavrador” representavam 32% da população cativa residente na paróquia de Santo Antônio do Juiz de Fora. Esta, como explicitado no capítulo anterior, abrangia o distrito sede, seus arredores e a área rural (OLIVEIRA, Luís Eduardo, 2010, p. 79).

132Recenseamento do Brasil em 1872. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/>. Acesso em: 27 jan. 2017. 133CERDAN, Marcelo Alves. O tempo que os escravos tinham para si: um estudo sobre autonomia escrava em

Itu 1850 a 1888. 2013. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Estadual Paulista,

Franca, 2013. LAURINDO JUNIOR, Luiz Carlos. A cidade de Camilo: escravidão urbana em Belém do Grão-

Pará (1871-1888). 2012. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal do

Pará, Belém, 2012. VILLA, Carlos Eduardo Valencia. A economia dos negros livres no Rio de Janeiro e Richmond, 1840 – 1860. Manuscrito enviado pelo autor.

A grande presença de escravos especializados em serviços rurais aponta para a força da economia agroexportadora do café na localidade em análise. Como venho demonstrando, Juiz de Fora possuía durante o século XIX uma grande vinculação entre o urbano/rural. Em outras palavras, no centro urbano em estudo os mancípios transitavam entre os ambientes rural e urbano com frequência.

Os depoimentos do Barão da Bertioga e de seus escravos presentes no processo de roubo analisado no capítulo anterior demonstra essa característica134. Nas declarações registradas nos autos, é possível verificar, em diversas ocasiões, os mancípios e o próprio Bertioga se referirem ao fato de estarem transitando entre a cidade e a chácara do Lamaçal. Vale relembrar o depoimento do acusado João Bahia, escravo do Barão da Bertioga. Em juízo indagou ter ficado poucas vezes na casa de seu senhor localizada na cidade. Mesmo sendo um relato de um acusado em roubar seu senhor, esse registro aponta, ao menos, para a existência dessa possibilidade. Essa evidência permite verificar a vinculação entre o urbano/rural em Juiz de Fora durante o oitocentos.

Essa correlação era comum em outras localidades do Sudeste escravista cafeeiro similares ao centro urbano em análise como Vassouras, Valença (RJ) e Leopoldina (MG), cercadas por fazendas e chácaras. A presença de cativos roceiros, feitores e carreiro (especializado em guiar carros de boi) nos inventários post-mortem auxiliam a sustentar essa hipótese para Juiz de Fora.

Além dessas ocupações, os escravos juiz-foranos desenvolviam atividades em obras particulares e/ou públicas. Os escravos carpinteiros, tanto oficiais ou não, marceneiro, serrador, ferreiro e pedreiro poderiam ser utilizados nesses empreendimentos. Vale salientar que, durante o período de abrangência dos inventários post-mortem em estudo, 1853 a 1879, Juiz de Fora crescia sua malha urbana. Como apresentei no capítulo anterior, a expansão da cafeicultura e a infraestrutura viária com a rodovia União e Indústria e as estradas de ferro Dom Pedro II e Leopoldina foram essenciais nesse processo.

Ademais, como apresentei no capítulo anterior, entre 1850 a 1888 a Câmara Municipal da cidade de Juiz de Fora investiu em melhorias e na infraestrutura urbana. Certamente esses e outros cativos, como os sem especializações, foram empenhados nessas obras. Esses

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