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Do arraial à cidade: contextualizando a formação de Juiz de Fora

No documento caiodasilvabatista (páginas 32-39)

1 INTRODUÇÃO

1.2 Do arraial à cidade: contextualizando a formação de Juiz de Fora

Juiz de Fora, assim como outras cidades de Minas Gerais, teve sua origem vinculada ao meio rural. Os primórdios desta localidade se remetem ao início do século XVIII, quando o bandeirante Garcia Rodrigues Paes recebeu autorização régia para abrir uma via ligando a Borba do Campo (atual município de Barbacena) ao Rio de Janeiro (BASTOS, 2004, p. 21- 41).

Esse percurso ficou conhecido como “Caminho Novo”. Sua finalidade era a de escoar o ouro de Minas Gerais para o Rio de Janeiro e facilitar a entrada de alimentos e mercadorias manufaturadas na então capitania de Minas Gerais (BASTOS, 2004, p. 21-41).

Às margens do Caminho Novo se formaram roças, fazendas, paragens, ranchos, povoados, capelas dentre outras aglomerações humanas que auxiliavam na formação da malha urbana de Minas Gerais (CARNEIRO, 2008). Os surgimentos dessas povoações estavam associados a uma série de fatores, como, por exemplo, a criação de postos de fiscalização, de vendas, de paragens, dentre outros elementos que auxiliavam na fixação de pessoas na região. Dentre esses povoados, havia o de Santo Antônio do Parahybuna. Este lugarejo daria origem à cidade de Juiz de Fora. Alguns viajantes que percorreram o Caminho Novo durante o século XVIII e início do XIX descreveram a região que daria origem ao referido centro urbano como um local predominantemente rural, com a presença de ranchos e roças. Estes eram importantes para o “pouso” de tropeiros e viajantes e para a produção de alimentos.

22Ciro Flamarion apresenta um estudo no qual demonstra as diversas formas de configuração da escravidão na

América. De acordo com Flamarion, as características econômicas e sociais de cada localidade da América reconfiguravam o sistema escravista. Sobre o assunto, consultar: CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. A Afro-América: a escravidão no Novo Mundo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982.

Saint-Hilaire passou pela região no início do oitocentos e deixou o seguinte registro sobre o povoado em análise:

Não há maior povoação em Simão Pereira do que às margens do Paraíba. A igreja, mais ou menos isolada, foi construída a pequena distância do caminho, no meio de uma pequena plataforma [...]. A paróquia que depende dessa igreja se dilata por uma extensão de dez léguas portuguesas, desde o Paraibuna até a localidade chamada Juiz de Fora. Antigamente apenas compreendia o pequeno número de casas situadas à margem do caminho; mas, desde a chegada do rei D. João VI ao Rio de Janeiro, recebeu um considerável acréscimo de população. Mais de quatrocentos homens livres com outros tantos escravos ali vieram se estabelecer de diferentes partes da província das Minas, atraídos pela fertilidade das terras, pelas vantagens que oferece a vizinhança da capital, e a de não pagar nenhuma taxa, morando além do registro de Mathias Barbosa.

[...]

A uma légua e três quartos de Marmelo [fazenda próxima a do Juiz de Fora] se encontra a habitação de Juiz de Fora, nome que sem dúvida procede do emprego que ocupava o primeiro proprietário. Da venda de Juiz de Fora têm- se sob os olhos uma paisagem encantadora. Essa venda foi construída na extremidade de uma vasta campina, rodeada por toda a parte de morros. O Paraibuna corre ao lado do caminho; sobre um pequeno regato que nele se lança, depois de atravessar a estrada, foi construída uma ponte de madeira de efeito muito pitoresco; perto há um cruzeiro: mais longe se vê uma capela abandonada e as ruínas de um engenho. Ao lado da venda existe um vasto rancho, e bem próximo, um paiol de milho. (SAINT-HILAIRE, 1938, p. 77- 108)

O relato de Saint-Hilaire descreve o povoado de Santo Antônio do Parahybuna no início do século XIX. Essa localidade era mais conhecida por “Juiz de Fora” e estava no início de sua formação, apresentando poucas habitações, uma venda, uma capela e um rancho para os viajantes repousarem.

Como é possível observar, a povoação havia aumentado sua população no início do século XIX. Além deste aspecto, a descrição apresenta uma mistura entre elementos “urbanos” e “rurais”. Tal característica fez parte do processo de formação de várias cidades mineiras desde o século XVIII.

Claudia Fonseca, analisando o desenvolvimento de vilas e arraiais em Minas Gerais no decorrer do setecentos, faz a seguinte observação sobre os núcleos populacionais formados a partir de sesmarias e fazendas:

[...] esta ligação íntima entre as povoações e as terras do entorno pode ser percebida em diversas escalas; tal aspecto é, aliás, bastante presente nas descrições e na iconografia dos viajantes estrangeiros. Mesmo quando nos deslocamos para o interior do rossio – o espaço mais restrito da

administração camarária-, o “urbano” e o “rural” se mesclam e se confundem continuamente. (FONSECA, 2011, p. 566)

De acordo com a autora, até mesmo em grandes cidades de Minas Gerais, como Mariana, era possível verificar a coexistência de sobrados e casas térreas com hortas, pomares e criação (FONSECA, 2011, p. 566). Além destes aspectos do “rural”, muitas cidades mineiras do século XVIII contavam com chácaras dentro do perímetro da cidade (FONSECA, 2011, p. 566). Para Fonseca, essa característica se deu uma vez que “[...] as vilas da colônia não eram muradas e, nas Minas, os limites do “urbano” eram fluidos e moventes” (FONSECA, 2011, p. 566).

A mistura entre o “urbano” e o “rural” continuou durante o oitocentos em Minas Gerais. A cidade de Juiz de Fora é um exemplo dessa mescla. Como irei apresentar no decorrer deste trabalho, no centro urbano em análise coexistiam diversos aspectos do “rural” em meio à “urbanidade”.

O relato de Saint-Hilaire descrito acima descreve essa característica. Embora no início do século XIX não se pode pensar em uma “cidade” no povoado que daria origem ao núcleo urbano de Juiz de Fora é possível verificar a vinculação da localidade ao “rural”.

Mesmo tendo uma forte vinculação com o ambiente rural, Juiz de Fora foi uma “cidade”. Em relação ao conceito de “cidade”, compartilho da ideia defendia por alguns autores, como Walter Christaller (CHRISTALLER, 1966). Para esses estudiosos, um centro urbano seria um “lugar central”. A importância da centralidade dependeria de certos fatores, como a prestação de serviços.

Marcos Rodarte, analisando a malha urbana de Minas Gerais no século XIX, faz a seguinte observação sobre essa questão:

[...] o nível de importância do núcleo urbano é melhor avaliado pelo número de certas atividades econômicas existentes, bem como a intensidade com que estas são ofertadas. Quando uma cidade passa a ofertar volume significativo de bens e serviços que necessitam de uma localização central, ela adquire uma centralidade maior, que significa, por outro lado, o domínio de uma maior área de influência. Por isto, esta área de influência também serve de medida de sua importância [...]. (RODARTE, 1999, p. 32)

Além da questão econômica, uma cidade desenvolvia sua “centralidade” no âmbito administrativo, religioso e político. Dentro deste contexto, o status de cidade representava o nível máximo da hierarquia administrativa (FONSECA, 2011). Tal concepção, foi herdade do período da colonização portuguesa.

Em decorrência dessa importância política e administrativa as cidades do período imperial, assim como as do colonial, abrigavam o poder político central e local, sediando diversas instituições do Estado, da Igreja e da municipalidade (SOARES, 2009). Assim, tal como observou Josarlete Magalhães, os centros urbanos representavam tanto o poder local quanto o central (SOARES, 2009, p. 23 – 28).

Juiz de Fora, como será possível observar no decorrer deste trabalho, foi uma “cidade central” para a Zona da Mata de Minas Gerais durante a segunda metade do século XIX. O referido centro urbano se tornou o principal entreposto de café, mercadorias, escravos, manufaturas e outros gêneros (PIRES, 1993).

De acordo com Marcos Rodarte, no contexto oitocentista, uma localidade, ao se firmar como um importante centro econômico, auxiliava em sua consolidação como núcleo urbano (RODARTE, 1999, p. 48-62). De acordo com o autor, no contexto do século XIX, uma cidade ao adquirir importância e relevância econômica passava a oferecer serviços mais complexos do que arraiais e vilas (RODARTE, 1999, p. 48-62).

Juiz de Fora, no decorrer da segunda metade do oitocentos, apresentou tais características graças à sua infraestrutura viária. Esse processo se iniciou com a construção da estrada de rodagem União e Indústria na década de cinquenta.

A rodovia ligava Juiz de Fora a Petrópolis e tinha como objetivo principal escoar o café produzido na Mata mineira para o porto do Rio de Janeiro de forma mais eficiente e segura (PIRES, 1993, p. 53-57). Além deste aspecto, essa rodovia facilitou o transporte de mercadorias e de pessoas (PIRES, 1993, p. 53-57).

Além da União e Indústria, a partir da década de setenta o município passou a contar com duas estradas de ferro, a Dom Pedro II e a Leopoldina. A primeira atravessava a cidade no sentido leste–oeste, enquanto a segunda, norte–sudeste.

Essa rede viária tinha como objetivo principal escoar o café produzido na região. Porém, trouxe como consequência uma melhoria na estrutura urbana de Juiz de Fora e nas ofertas de serviços (PIRES, 1993, p. 122).

Esse contexto, tal como observado por Anderson Pires, fez com que desde a metade da década de sessenta se desenvolvessem na cidade de Juiz de Fora negócios vultosos de intensa circulação de mercadorias e acumulação de capitais (PIRES, 1993, p. 110 - 113). Porém, é importante salientar que a cidade em análise foi um “polo central” da Zona da Mata e não de Minas Gerais.

Para a então província mineira, o Rio de Janeiro serviu como “centro econômico”. Isso se explica pelo fato de que na Corte era embarcado quase todo o café de Minas Gerais (PIRES, 1993, p. 110 - 113).

Apesar de ter uma economia dinâmica e diversificada, Juiz de Fora, a exemplo de outras cidades do Sudeste escravista brasileiro, não era um “grande” centro urbano. Os mapas a seguir demonstram de forma mais clara como estava distribuída a malha urbana dessa localidade durante a segunda metade do século XIX.

Mapa 2 - Núcleos populacionais que deram origem a cidade de Juiz de Fora

Fonte: MIRANDA, 1990.

Observação: Os núcleos originais representados no mapa indicam os locais que deram origem à cidade de Juiz de Fora.

Mapa 3 - Evolução da mancha urbana no município de Juiz de Fora desde sua fundação aos dias atuais

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. Observação: Mapa desenhado pelo geógrafo Waltencir Menon Junior a pedido do autor.

Os mapas expostos acima demonstram o quanto era “espalhada” a malha urbana de Juiz de Fora no decorrer do século XIX. Assim, como no século XVIII, durante o oitocentos as áreas rurais e urbanas continuaram a se misturar em Minas Gerais.

Todavia, os núcleos urbanos como Juiz de Fora, mesmo possuindo forte vinculação com as fazendas e roças, diferenciavam-se desse ambiente. Como irei demonstrar no decorrer deste trabalho, a cidade em análise apresentou diversos elementos que a caracterizava como “centro urbano”.

Nesse sentido, havia nessa localidade a diversificação da economia, a oferta de serviços, manufaturas e a centralidade do poder político e econômico local. A presença desses e de outros elementos caracterizava Juiz de Fora como uma importante cidade da Zona da Mata de Minas Gerais no século XIX.

No documento caiodasilvabatista (páginas 32-39)