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3. JOÃO FILGUEIRAS LIMA “LELÉ”:

3.3. A concepção arquitetônica dos hospitais da rede Sarah

Assim como já foi dito anteriormente, Lelé possui uma forma diferenciada de tratar os seus projetos hospitalares. Utiliza de maneira singular recursos que tornam suas obras especiais.

Lelé considera todas as etapas para a concepção de um edifício, que vão desde o programa à concepção espacial, passando pelo partido estrutural à racionalidade da obra, do detalhamento rigoroso das peças ao processo construtivo propriamente dito- incluindo materiais, mão-de-obra, manutenção e conservação-, coisa rara nos arquitetos contemporâneos em geral (PAZ apud SAMPAIO, 2006).

A ousadia do arquiteto vai além da construção do edifício. Concebe e produz também o mobiliário e os diversos equipamentos, como elevadores, teleféricos, ventiladores, luminárias, e as famosas camas-macas que permitem o deslocamento do paciente ortopédico, em geral submetido a longos períodos de imobilidade, por todo o hospital e até fora dele, nesse caso usando um veículo também por ele projetado.

O arquiteto também é reconhecido pelo aproveitamento dos recursos naturais, mesmo antes da questão da sustentabilidade vir à tona. Lelé já ressaltava a importância da preservação, encaradas, também, como forma de humanização dos projetos. "Não existe trabalho de arquitetura sem considerar as questões ambientais", assim afirma o arquiteto à reportagem da PINIweb.

Figura 3.2 – Cama-Maca concebida por Lelé.

Fonte: Rebello e Leite, 2008.

Figura 3.3 – Trolley também concebida por Lelé.

Lelé ainda diz que:

As pessoas falam de sustentabilidade como se tivessem descoberto a pólvora. Os índios já construíam suas ocas com as matérias-primas disponíveis, sem qualquer caráter depredatório. Havia uma economia naquilo, uma lógica para o aproveitamento dos espaços e a intenção de criar ambientes ventilados. Então, nada disso é novo, mas é claro que a tecnologia atual evoluiu muito, e os arquitetos deveriam usar esse instrumental para fazer uma arquitetura bem melhor em relação às construções dos povos primitivos. A sustentabilidade é um recurso que não se sustenta, porque é mentiroso (PEIXOTO, 2010, p. 86).

Questões como flexibilidade, criação de espaços verdes, iluminação e conforto, a integração entre a arquitetura e obras de arte, por exemplo, são atributos que o arquiteto utiliza como possibilidade de humanização de hospitais. A ideia de priorizar sistemas naturais começa com seu trabalho no ambiente hospitalar. Nessa época, há uns trinta anos atrás, a questão da sustentabilidade ainda não era pensada e não existia problema energético. Com isso, se reconhece a posição visionária do arquiteto diante às questões ambientais.

Ribeiro (2007), define a importância da flexibilidade na obra de Lelé:

Lelé possibilita, em suas obras, uma flexibilidade estrutural por meio do uso de materiais e sistemas construtivos de tal forma que proporcione uma maior adaptabilidade dos ambientes, fazendo com que o edifício hospitalar não fique obsoleto, ultrapassado, pois permite mudanças sem afetar a estrutura. O partido arquitetônico em construções modulares, além da possibilidade da produção em série, possibilita a fácil manutenção e instalações e o uso de paredes não estruturais ou divisórias removíveis (RIBEIRO, 2007, p. 05).

A pré – fabricação também é característica marcante nas obras de Lelé. Rebello e Leite comparam os elementos pré – fabricados produzidos por Lelé “às notas e acidentes de clave das escalas melódicas, com as quais se podem elaborar infinitas composições, cada qual com sua identidade, concretizando a célebre frase de Goethe1: “arquitetura é música petrificada.”

Assim, os autores citados acima ainda afirmam que essas peças tornam-se executáveis por qualquer pessoa, em qualquer lugar, que queira fazer uso de seus sistemas construtivos para resolver as necessidades arquitetônicas específicas da obra em questão.

1

Para Lelé:

(...) estruturas que sempre me fascinaram pelo inusitado de serem como um lego gigante, peças que se encaixavam, que podiam ser montadas e desmontadas. Em qualquer lugar, se poderiam fazer escolas, postos de saúde, parques, equipamentos comunitários (...) (MENESES, 2004, p.73).

Segundo o arquiteto, apesar de os edifícios hospitalares serem projetos extremamente rigorosos em relação à funcionalidade, a beleza não deve ser excluída. A beleza é vista por Lelé como a chave para a humanização, visto que, em suas próprias palavras, ela “alimenta o espírito”. Deve-se, portanto, possibilitar no projeto de arquitetura hospitalar a junção destes dois fatores: humanização, através da beleza, e funcionalidade (LUKIANTCHUKI, SOUZA, 2010).

A humanização, portanto, é fator relevante na obra deste arquiteto. Lelé trabalha muito bem as formas, cores, ambientação, ventilação, luz, dentre outros atributos que fazem com que o usuário se sinta mais confortável. “Com esse olhar mais criterioso sobre essa questão, o arquiteto consegue melhorias no conforto ambiental, relacionadas com a temperatura, velocidade e umidade do ar, que podem ser benéficas e estimulantes para a manutenção dos níveis de produtividade e de conforto psicológico para todos os usuários” (RIBEIRO, 2007, p.05).

Ainda em depoimento à jornalista Cynara Meneses, 2004, Lelé discorre sobre este assunto:

Ninguém se cura somente da dor física, tem de curar a dor espiritual também. Acho que os centros de saúde que temos feito provam ser possível existir um hospital mais humano, sem abrir mão da funcionalidade. Passamos a pensar a funcionalidade como uma palavra mais abrangente: é funcional criar ambientes em que o paciente esteja à vontade, que possibilitem sua cura psíquica. Porque a beleza pode não alimentar a barriga, mas alimenta o espírito (MENEZES, 2004, p. 50).

O arquiteto preocupa-se em respeitar o homem e os espaços por ele ocupados. Busca a humanização através da inserção de amplos espaços coletivos no programa da arquitetura hospitalar a fim de garantir ao edifício uma melhor capacidade no processo de cura.

Sejam eles jardins, integrados aos espaços, e obras de arte espalhadas pelo hospital, melhorando a qualidade espacial e a conseqüente melhoria do bem estar do paciente, seja a utilização de iluminação e ventilação naturais, que possibilitam,

além do conforto ambiental, evitar os freqüentes espaços herméticos, proporcionando ambientes mais humanos, além de contribuir no combate à infecção hospitalar e na economia de energia.

Outra característica marcante nos hospitais da Rede Sarah é a parceria do Lelé com o artista plástico brasileiro Athos Bulcão, com o uso de painéis coloridos, muros de argamassa armada, pinturas, murais, entre outros. Lelé sempre busca a aproximação da sua arquitetura com elementos artísticos, transformando os ambientes, tornando-os mais alegres, mais bonitos e despertando interesse entre os pacientes.

Sobre os painéis e equipamentos criados por Athos Bulcão, presentes nos hospitais da Rede, Lelé afirma que são usados como uma contribuição integrada à arquitetura do local. “Os painéis de Athos fazem parte do ambiente. O paciente vai se sentir valorizado, mais respeitado, quando convive com uma obra de arte” (MENEZES, 2004, p. 50).

Segundo o arquiteto Jorge Ricardo Santos de Lima Costa2, “o hospital é o

símbolo da possibilidade de reformulação corporal e mental e, portanto, seus espaços devem ser configurados a partir do ponto de vista de seus usuários”. Portanto, os espaços têm que ter uma ideia de lar, de intimidade.

O paciente, no ambiente familiar, encontra-se sujeito a espaços mais reduzidos, mais acolhedores. Ao se depararem com os grandes espaços dos hospitais, com corredores muito extensos, que transformam o espaço em um local distante, estranho e impessoal, provocam respostas sensoriais nos usuários, impedindo assim, a sua apropriação. Além disso, Costa (2001) aponta que “o problema do paciente é socializado, ou seja, o seu corpo é invadido por ações e pensamentos dos profissionais da saúde deixando o indivíduo submetido às forças e normas desse espaço.”

Lelé trabalha muito bem essa questão da escala do ser humano, reduzindo dessa forma a distância entre o hospital e o paciente. Esta aproximação, por sua vez, não diz respeito apenas a redução da escala dos seus compartimentos. A

2

Arquiteto e Professor adjunto do curso de Comunicação/Cinema da UniverCidade. Doutor em Psicologia Social pela Uerj. Texto disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.118/3372

impessoalidade desses equipamentos podem ser fatores que impeçam esta aproximação. “Sem possibilidade de apropriar-se e identificar-se com espaço em que estão hospedados, a angústia dos pacientes amplia-se. O sentimento de estarem em um local estranho prejudica o processo da cura, tanto física quanto emocional” (COSTA, 2001).

Os hospitais da Rede Sarah proporcionam aos pacientes essa intimidade maior com o espaço no qual estão internados. Além de buscar sensibilizá-los e estimulá-los com as diferentes cores e formas, propõem oficinas de arte na qual os próprios pacientes possam produzir trabalhos que servirão para enfeitar as paredes do centro. Nesse caso, a questão da impessoalidade é trabalhada e “a ausência de personalização dos ambientes são contrapostas pela possibilidade de identificação do paciente a estes espaços e de sua aproximação ao ambientes familiares” (LUKIANTCHUKI, SOUZA, 2010).

No que diz respeito à tecnologia, Lelé enfatiza o seu emprego adequado e o uso correto do nível de automação nos diversos campos de trabalho. Condena os hospitais modernos pelo emprego indiscriminado de equipamentos sofisticados e caros, que algumas vezes se origina nos interesses das grandes indústrias internacionais em ampliar e diversificar suas atividades dentro de uma filosofia nitidamente voltada para o consumo (LIMA, 2000, p.125).

Sobre a crítica à tecnologia exacerbada, principalmente na década de 1950, Lelé fala que,

(...) o hospital passou a ser uma coisa simplesmente funcional, com ambientes herméticos, horríveis, desumanos, mas cheios de equipamentos modernos, que supostamente iam curar, e na verdade, matavam o cara da cabeça (MENEZES, 2004, p. 50).

Guimarães (2003) destaca que “talvez a maior contribuição dada por Lelé à história da arquitetura contemporânea resida nas conquistas obtidas no campo da industrialização da construção, evidenciadas nos modelos sofisticados que aliam tecnologia de ponta à criatividade”.

Atualmente, utiliza componentes como o aço, plástico e argamassa armada, que são produzidos no CTRS (Centro de Tecnologia da Rede Sarah). Esses componentes são caracterizados pela facilidade na montagem, garantindo assim,

um canteiro de obras limpo e organizado, formando ainda uma composição estética e estrutural.

Rebello e Leite, em artigo publicado pra a revista AU apontam algumas características acerca dos Hospitais da Rede:

Nos Hospitais da Rede Sarah, a ousadia construtiva de Lelé vai ao extremo. Além dos edifícios, concebe e produz também o mobiliário e os diversos equipamentos, como elevadores, teleféricos, ventiladores, luminárias, e as famosas camas-macas que permitem o deslocamento do paciente ortopédico, em geral submetido a longos períodos de imobilidade, por todo o hospital e até fora dele, nesse caso usando um veículo também por ele projetado.

Outros atributos referentes às obras desses hospitais são: as aberturas que deixam a luz solar passar (mesmo em um país tropical como o Brasil, ele consegue realizar interação das condições ambientais do local com as necessidades ambientais do ser humano), o uso de sheds e do brise-soleil, espaços ventilados naturalmente, com pés direitos amplos e dispositivos para refrescá-los, como as galerias de ventilação com nebulizadores e espelhos d`água, assim como a incorporação de jardins internos.

Lelé é, no entanto, um arquiteto construtor. É um dos raros exemplos de arquitetos no mundo em que resolve efetiva e integralmente a construção. “elabora uma arquitetura que tem por necessidade ser comunicável e compreensível aos seus auxiliares e aos futuros usuários, com um grau de universalidade que talvez só a arte seja capaz de atingir”, afirma Rebello e Leite.

A obra desse arquiteto caracteriza-se, portanto, por soluções arquitetônicas que se adéquam a cada contexto e programa e, por conseguinte, à valorização da cultura do coletivo que atende.