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4. ESTUDO DE CASOS/HOSPITAIS DA REDE SARAH KUBITSCHEK

4.2 Hospital Sarah Kubitschek Brasília

4.2.3. Humanização do hospital Sarah-Brasília

Ao entrar na unidade Sarah Central de Brasília, vê-se painéis dispostos ao longo das paredes. Dentre eles, os escritos com as palavras do Dr. Aloysio Campos da Paz, cirurgião - chefe dos hospitais Sarah e um dos idealizadores dessa iniciativa para a criação da Rede.

A partir da leitura desses painéis, compreende-se a intenção e o compromisso dessa instituição com a sociedade, tratando o doente de forma coerente e colocando o hospital à disposição dos mesmos, longe de preconceitos e a favor do seu maior ideal: a cura.

Segundo Dr. Aloysio, este hospital foi construído com o intuito de concretizar os seguintes ideais, estabelecidos por esse médico como norteadores para a consolidação de um hospital mais humano.

Criar: um centro especializado de saúde que entenda o ser humano

como sujeito da ação e não como objeto sobre o qual se aplicam técnicas;

Vivenciar: a medicina do aparelho locomotor como um conjunto de

conhecimentos e técnicas unificadas, destinados ao restituir ao incapacitado físico o direito universal de ir e vir;

Atuar: na sociedade para prevenir a incapacidade e a deformidade,

combatendo, ao mesmo tempo, preconceitos quanto à deficiência física, pois o que caracteriza a vida é a infinita variação da forma que no tempo muda;

Defender: o princípio de que nenhum homem pode ser discriminado por

ser diferente da média em sua forma física ou maneira própria de realizar uma atividade;

Libertar-se: da dependência tecnológica pela utilização do potencial

criador de nossa cultura, rejeitando a atitude passiva diante do consumismo e da imitação;

Desenvolver: uma atitude crítica diante de modelos importados,sejam

técnicas, sejam comportamentos.

Simplificar: técnicas e procedimentos para adaptá-los às necessidades

reais apresentadas pelos contrastes econômicos e culturais das regiões brasileiras; simplificação é a síntese crítica de sistemas e processos mais complexos: “não se simplifica aquilo que não se conhece”;

Valorizar: a iniciativa inovadora e a troca de experiências no ensino e na

pesquisa, estimulando a criatividade de pessoas e grupos, “o indivíduo é

a Instituição”, e cada um por ela responde, a ela dedicando sua vida;

Viver: para a saúde e não sobreviver da doença;

Transformar: cada pessoa em agente de sua própria saúde;

Trabalhar: para que a utopia deste hospital seja educar para a saúde, de

tal modo, até que todos, protegidos da doença, dele não mais necessitem;

A comunidade é a principal responsável por esta obra cuja finalidade é a

realização de sua vontade. Cabe, portanto, como dever de todos, cobrar desta Instituição, o compromisso hoje consolidado.

Vinte anos após a inauguração do Sarah, também com as palavras do Dr. Aloysio, outro painel confirma o compromisso da instituição com a sociedade onde diz que:

Este espaço de concreto, aço e vidro existe para que qualquer ser humano, rico ou pobre, seja atendido com dignidade e competência, de modo rigorosamente gratuito e igualitário. Nenhum serviço que aqui se realiza, pode ser cobrado (...). Caso você perceba a mínima tentativa deste princípio fundamental, saiba que este espaço de entrega e de amor ao próximo terá sido corrompido. Logo, não hesite: Saia, proteste! Não permita a violação do seu direito de cidadania. Todos os que aqui trabalham, como verdadeiros servidores públicos, devem retornar a você em serviços qualificados, o imposto que você paga, como cidadão. Este é o princípio maior desta instituição.

Ainda nesses painéis um texto escrito pelo médico, chamado “Dicotomia”. Aí ele evidencia a proposta da instituição, onde tem o respeito e o paciente como principal foco, atribuindo-lhes tratamentos que reafirmem a sua dignidade.

“Existe uma dicotomia que contribui perversamente para impedir que pessoas com alguma forma de incapacidade sejam reabilitadas: os médicos julgam os doentes a partir do que as doenças lhes fez perder; o que deixou de existir.

A verdadeira reabilitação avalia o doente pelo que lhes restou, pelo seu potencial, por onde há espaço para investir. Essa visão, aparentemente ingênua tem velhas raízes: reporta-se às origens da medicina. Historicamente, a reabilitação é recente.Podemos localizar sua origem com alguma precisão a partir da II Guerra Mundial, quando milhares de pessoas se viram privadas de algo absolutamente essencial: a capacidade e o arbítrio de ir e vir.

Paralelamente, formou-se uma sociedade consumista, altamente preconceituosa, que busca padrões de perfeição dissociados da realidade, esquecendo que é a diversidade que caracteriza a natureza e o homem. E a incapacidade é uma forma particular de diversidade.

Preconceitos nascidos dessas circunstâncias, segregam quem foi privado de alguma função, seja motora, seja intelectual, em guetos hospitalares, como no passado foram segregados quem os regimes totalitários consideravam “imperfeitos”.

Mesmo antes disso, a literatura já tinha o mau hábito de associar a vilania de alguns personagens às diferenças físicas, particularmente aquelas vistas como deformações.

Para estabelecer e privilegiar uma atitude humanista, é necessário, como aconteceu após a II Guerra Mundial, considerar o incapacitado- vitima muitas vezes da violência urbana- com o mesmo respeito que merecem soldados condecorados em capôs de batalha. São heróis de hoje, frequentemente vitimas da injustiça social. Heróis sem medalhas, mas heróis que merecem respeito.”

A partir dos textos acima, nota-se a preocupação com o paciente e a valorização do mesmo, como um ser humano dotado de capacidades, que por um momento foram interrompidas, mas que possuem possibilidades de retorno.

No entanto, o sucesso da reabilitação do paciente depende da forma em que este é posto dentro da instituição, do tratamento que recebe. Não menos importante, aliás, fator determinante para a humanização do tratamento dos doentes, a arquitetura colabora, nesse caso, de forma positiva, oferecendo conforto e bem estar e, consequentemente, estimulando na vontade de progredir.

O Sarah Brasília, portanto, é a complementação entre os princípios idealizados por Dr. Aloysio Campos da Paz e a arquitetura de Lelé, dotada de humanismo, pensada para o usuário, desde a montagem da sua estrutura, até a finalização do edifício, coroando os espaços com cores e obras de arte.

A obra de Lelé, por sua vez, é uma conversa entre arquitetura, engenharia e

design. O arquiteto busca usar a tecnologia a favor dos seus projetos, criando

soluções que respondam às expectativas para a finalidade com o qual o hospital foi criado.

No Sarah Brasília há uma sintonia entre as peças criadas por Lelé com a arquitetura como um todo. Além da função para qual são criadas, aliam beleza ao edifício, característica considerada por Lelé, como fundamental, para um projeto de arquitetura.

No trabalho de Lelé existe uma simbiose entre arte, arquitetura e construção a ponto de não saber se a arte condiciona a arquitetura e a construção ou vice-versa.

Além do trabalho desenvolvido por Lelé buscando soluções de conforto pro Sarah Brasília, o arquiteto incorpora arte ao ambiente hospitalar com o intuito de garantir beleza à instituição, melhorando seu aspecto e, em conseqüência, o bem estar dos pacientes.

É com esse intuito que Lima firma parceria com o artista plástico Athos Bulcão, responsável por dar vida às superfícies lisas das paredes dos hospitais da Rede Sarah, onde esse arquiteto acredita e aposta nas cores vibrantes como alternativas para transformar os espaços em ambientes mais alegres, sendo paradigmático e contra a psicologia hospitalar que ditava a predominância de cores neutras para acalmar o paciente.

E o artista Athos Bulcão sabia muito bem como usar a cor:

(...) compreende a importância da cor e se transforma num alquimista da palheta cromática. Como bom artista, não copia, tenta desvendar os mistérios da luminosidade, pesquisando sempre. Embora tenha assimilado os princípios com Portinari, aprendeu o segredo da criação da cor sozinho, observando, estudando, testando. Por exemplo, encontrou na pintura de Matisse as mesmas cores da pintura hindu do século VIII - o azul ultramar, o amarelo, o ocre e o laranja – e passou a usá-las em suas obras. Com os impressionistas, aprendeu que a sombra de uma cor contém a cor complementar. Se você usa um amarelo, deve fazer a sombra lilás. Isto ajuda o amarelo a vibrar. É possível que tenha sofrido influência de Paul Klee, Fernand Léger ou de Joan Miró, mas sua produção é extremamente original e reflete sempre sua condição de autodidata (PORTO, 2009, p. 05).

Nesse hospital, assim como se vê nos outros da Rede, Athos encontrou espaços para executar o seu talento, transmitido por meio da cor, da qual o artista tem grande domínio.

A simplicidade da arquitetura de Lelé permite uma sintonia com a arte de Athos Bulcão. Para Lelé, as intervenções de Athos não são meramente decorativas, elas se incorporam ao processo de projeto, tendo função importante tanto quanto a de qualquer outro elemento criado pelo arquiteto, interferindo na sua concepção de arquitetura.

No Sarah Brasília, os trabalhos de Bulcão buscam, além de enriquecê-los, atenuar o peso do ambiente, inserir vibrações de cor, sugerir uma relação mais saudável com o espaço.

Figura 4.42; 4.43; 4.44; 4.45 – Imagens com alguns trabalhos de Athos Bulcão no Sarah Brasília.

Outra característica marcante da obra de Lelé que está presente neste hospital é a integração dos ambientes com espaços verdes. Ao longo dos corredores, na recepção, nas enfermarias, ambulatórios e nos espaços de internação, todos são tratados e dispostos de maneira que o verde possa estar integrado.

Essa integração com o espaço verde tem função significativa para o hospital, visto que, além de tornar o ambiente mais leve, mais bonito, é essencial para aliviar a sensação se enclausuramento que o hospital pode causar não só ao paciente, mas para todas as pessoas envolvidas nesse ambiente, tais como médicos, funcionários e familiares.

Figura 4.48; 4.49; 4.50 – Integração dos ambientes com espaços verdes.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Figura 4.46; 4.47 – Imagens com alguns trabalhos de Athos Bulcão no Sarah Brasília.

A integração do interior com o exterior também é característica marcante nesse hospital, sendo importante pelo fato de o paciente poder ter contato com a paisagem, além de poderem realizar atividades externas, o que torna o fato da internação menos monótona.

O melhor exemplo dessa integração do ambiente interno como o externo, nesse hospital, pode-se ver nas enfermarias e espaços de internação, presentes em um mesmo ambiente, ladeados por varandas, que funcionam como espaço de refeição, banho de sol, ou até mesmo como um espaço para atrações culturais.

Figura 4.51; 4.52; 4.53 – Integração dos ambientes com espaços verdes.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Figura 4.54; 4.55; 4.56 – Integração dos ambientes com espaços verdes.

,

Além disso, ventilação e iluminação natural são pressupostos importantes para a garantia do conforto dos espaços internos no Sarah Brasília.

Com exceção do centro cirúrgico – que necessita que seu ambiente seja hermeticamente fechado para evitar contaminações –, salas para exames e àquelas que abrigam muitas máquinas, todos os outros espaços não possuem ar condicionado. Por esses ambientes não precisarem de ventilação e iluminação natural, ficam dispostos no subsolo.

A ventilação é feita através de aberturas dispostas ao longo do hospital, seja pelos sheds, seja pela abertura das vigas vierendeel, sendo a temperatura atenuada também através da vegetação sempre presente.

Figura 4.59; 4.60 – Integração das enfermarias com va randas.

Fonte: MINIOLI, 2007. Integração interior x exterior. Fonte: Arquivo Pessoal.

Figura 4.57; 4.58 – Vista da Enfermaria. Pacientes na varanda assistindo à uma apresentação musical

Lelé também criou brises móveis, dispostos ao longo das paredes, a fim de evitar a penetração direta do sol nos ambientes. A cor, tão defendida pelo arquiteto está aí presente, quando o amarelo vibrante é atribuído para dar cor a este elemento.

Os hospitais da Rede Sarah também tem, imbuído na sua característica, o suporte social oferecido ao paciente, buscando a integração deste com a sociedade e a sua inclusão nela.

Dentre as atividades que oferecem suporte social aos pacientes nessa instituição estão:

A participação de familiares no tratamento do paciente: treinamento de acompanhantes a fim de torná-los aptos a realizarem algumas funções que dêem continuidade ao tratamento, quando os pacientes vão para casa.

Muitos dos pacientes que estão internados no Sarah Brasília vêm de outros estados, portanto diferentemente de outros, que vão receber o tratamento e no final da tarde retornam a suas casas, têm que dormir e permanecer ali até que recebam alta.

Por conta disso, o hospital deveria oferecer suporte para que os acompanhantes pudessem dormir ali. Inicialmente, eram utilizadas camas que eram

Figura 4.61; 4.62; 4.63 – Viga vierendeel, shed e brises móveis.

montadas ao lado do paciente. Depois, viu-se a necessidade da criação de alojamentos no hospital.

Estes estão localizados no mesmo local de internação e das enfermarias. É uma espécie de corredor, onde de um lado e de outro, boxes, isolados por divisória de madeira e cortinas, abrigam apenas uma beliche e um criado mudo. No final desse corredor, um banheiro foi instalado para atender aos acompanhantes. (Figuras 4.33, 4.34 e 4.35)

Arte x Paciente: disponibilizam atividades aos pacientes de modo que estes possam desenvolver seus lados criativos e imaginação. Ao longo dos corredores do hospital, quadros, criados pelos próprios pacientes, são dispostos como obras de arte. Essa iniciativa gera retorno positivo tanto para o hospital, quanto para o paciente que além da distração oferecida por essa atividade, sentem seus trabalhos valorizados.

Auditório: oferece atividades culturais, tais como peças, filmes, dentre outras apresentações que distraem os pacientes ao ponto de esquecerem, por um momento, que estão internados em um hospital. Na unidade de Brasília, todas as sextas feiras tem sessão de cinema para os pacientes.

O auditório tem capacidade para 320 lugares, além do espaço destinado aos pacientes em camas-maca e cadeiras de roda.

Figura 4.64; 4.65 – Quadros produzidos por pacientes.

Além disso, às segundas e quartas, o auditório é utilizado por alunos de escolas que vão ao hospital assistir palestras sobre educação no trânsito, visto que, segundo informações adquiridas no hospital, acidentes de trânsito são os principais fatores que levam pessoas a receberem tratamento de reabilitação no Sarah.

Segundo depoimento de um funcionário que cuida do auditório, a visita dessas crianças trazem vida ao hospital e a presença delas favorece o contato dos pacientes com outras pessoas.

Socialização através de passeios turísticos: o hospital dispõe de um ônibus completamente adaptado para o transporte dos pacientes. Assim, os que estão aptos a saírem das dependências do hospital, utilizam esse ônibus para conhecerem a cidade (no caso dos pacientes que vem de fora) ou até mesmo simplesmente pelo fato da distração que o passeio oferece, pelo contato com outras pessoas e pela mudança de ambientes que favorecem a diminuição do nível de estresse do paciente.

No que diz respeito ao controle do ambiente no hospital Sarah Brasília se dá através da garantia de privacidade e autonomia do paciente.

Ao questionar a um funcionário da instituição sobre necessidade de equipamentos que garantam ao paciente o controle do ambiente no qual estão inseridos, este falou que os próprios pacientes os dispensavam, visto que a enfermaria está presente no mesmo ambiente das internações e o paciente está

Figura 4.66 – Ônibus adaptado

sempre assistido por um funcionário, tendo acesso aos mesmos com facilidade e possibilitando-os comunicar-lhes possíveis insatisfações.8

Por serem as enfermarias, espaços coletivos, os pacientes são colocados lado a lado. Para garantir privacidade ao paciente, quando necessário, uma espécie de persiana móvel, pendurada no teto, pode ser fechada de um lado e outro da cama-maca, possibilitando certo isolamento, de um paciente, dos demais.

A comunicação visual também é outra característica marcante nesse hospital. Lelé utiliza a comunicação visual de forma a facilitar a leitura dos ambientes e facilitar o deslocamento das pessoas dentro da instituição.

Essa comunicação é feita tanto por placas indicativas, como através de cores, como no caso da recepção, que as cores da cadeira determinam a posição de cada paciente de acordo com o atendimento que este vai receber.

As portas, placas e as cortinas dos ambulatórios, portanto, também recebem cores específicas para que facilite na compreensão da divisão de cada área.

Ao lado de cada elevador e escada, existem placas fixadas às paredes, indicando qual o tipo de material pode ser transportado por essas circulações ou possíveis restrições quanto à utilização das mesmas pelas pessoas que estão no hospital.

Nas áreas onde existe qualquer tipo de perigo, tais como as salas que contenham radiação intensa, placas advertem a entrada de pessoas nesses ambientes.

Em salas de exame, como raio X, por exemplo, além da placa fixada à porta indicando entrada restrita no ambiente, possui uma luminária , que quando acesa (emitindo luz vermelha), indica que a sala está em uso e, portanto, a proibição da entrada na mesma.

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Nesse hospital todas as circulações são trabalhadas de modo a evitar fluxos desagradáveis. Pacientes, funcionários, lixo hospitalar, doadores de sangue, por exemplo, todos possuem acessos específicos de circulação no hospital.

Cada escada e cada elevador possui placas especificando qual o tipo de uso, visto que algumas circulações verticais são restritas.

As circulações de uso comum, por sua vez, são diferenciadas. Diferentemente de hospitais tradicionais, recebem por vezes, iluminação e ventilação natural ou obras de arte, a fim de transformar este espaço, que apesar de não ser um local de permanência contínua, em um local mais agradável.

Figura 4.67; 4.68; 4.69; 4.70; 4.71 – Comunicação Visual.

Figura 4.73 – Sarah Salvador.

Fonte: www.sarah.br

Figura 4.72 – Sarah Salvador.

Fonte: www.sarah.br

4.3 Hospital Sarah Kubitschek Salvador