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3. JOÃO FILGUEIRAS LIMA “LELÉ”:

3.2. Lelé e os hospitais da rede Sarah Kubitcheck

Para que se possa fazer uma análise mais precisa, se faz necessário, antes de tudo, entender como que surgiu a Rede Sarah de hospitais. Destacam-se pelo inovador sistema de tratamento conhecido como progressive care, onde o paciente, de acordo com a sua evolução, vai mudando de sala, o que ajuda a melhorar também o psicológico dos mesmos, mediante o tratamento com equipamentos e procedimentos médicos específicos, em ambientes adequados. Esses ambientes são exatamente o foco do estudo e análise dessa pesquisa, ilustrando as vantagens que Lelé introduziu no sistema construtivo desses hospitais e que, portanto, possibilitam provocar sensações agradáveis em pacientes e funcionários.

A Rede Sarah, financiada pelo Ministério da Saúde, nasce de um plano elaborado por Lelé, Aloysio Campos da Paz, Eduardo Kertész e Fernando Minho. A proposta consistia, inicialmente, na construção do Sarah de Brasília, ainda sem

pretensões explícitas de se expandir pelo resto do país. A Rede, no entanto, se concretiza, com a construção dos hospitais em Salvador e São Luis.

Em 1963, quando sofre o acidente automobilístico junto com sua esposa, Lelé fica internado dois meses em um hospital e passa a ter contatos freqüentes com o médico Aloysio Campos da Paz, que na ocasião acabara de chegar da Inglaterra e dirigia o serviço de ortopedia.

Lelé conta que aprendeu muito sobre tratamentos, principalmente sobre os espaços de ortopedia, onde esteve internado. Ele discutiu muito sobre o funcionamento dos espaços de recuperação e de fisioterapia e desenvolveu um grande conhecimento sobre os tratamentos de medicina hospitalar (MONTERO, 2006). Nota-se, portanto, que o arquiteto não se atém apenas a arquitetura, mas conta com as opiniões de outros profissionais para a elaboração de seus projetos. Isso é válido, na medida em que Lelé pensa em para quem o espaço está sendo construído.

Em depoimento do próprio arquiteto, se evidencia a importância que Lelé dava ao trabalho em conjunto:

Sem dúvida [o maior problema no centro cirúrgico], é o sistema de ar condicionado. Ninguém consegue limpar os dutos direito, mesmo com os robôs. No novo hospital da Rede Sarah no Rio, já projetamos os dutos correndo pelo teto e com a possibilidade de ser abertos para limpeza e desinfecção. (...) Usamos a ventilação natural, pelas janelas, que têm até sistema de abertura motorizado. Na Rede Sarah trabalhamos em conjunto com os médicos e estamos sempre discutindo esses problemas (MOURA, 2006).

A primeira experiência de Lelé com arquitetura hospitalar foi em 1967, com o Hospital de Taguatinga, que indiscutivelmente serve de base para que o arquiteto pudesse conceber o primeiro projeto de hospital da Rede Sarah, que foi o de Brasília, em 1980.

Aí, nesse primeiro hospital, já aparecem as preocupações do arquiteto dentro do conceito de extensibilidade e flexibilidade. Latorraca (1999), falando sobre o Hospital de Taguatinga aponta que:

As instalações em geral são aparentes ou correm por canaletas e galerias visitáveis. O sistema adotado se ajusta à filosofia da obra quanto à flexibilidade e extensibilidade, mas também visa criar facilidades para os serviços de manutenção (LATORRACA, 1999, p. 46)

Quando descreve esses primeiros hospitais, já atribui a contribuição de Aloysio Campos da Paz em suas obras:

Evidentemente, eu tinha que transferir, de uma certa maneira, a minha vivência com esses médicos para projetos que eu fizesse. O Hospital de Taguatinga já veio com a carga enorme dessa influência, não diria influência, mas uma forma diferente de ver o Hospital. Isso só foi se consolidar na construção do Sarah Brasília. Isso se deve também ao convívio enorme com os médicos, principalmente com Aloysio Campos, que era um deles. O Aloysio também foi quem propiciou toda a revolução que a gente fez. Eu acho que o Sarah Brasília foi uma revolução no tratamento médico, desde a forma de os médicos atenderem, pois ainda hoje são acostumados a ficar no seu consultório, à espera do paciente. No entanto o Sarah oferece uma forma diferente e dinâmica de o médico atuar junto com o paciente, onde se observa o envolvimento de três ou quatro médicos numa só equipe para atender o mesmo paciente. É uma coisa totalmente nova, principalmente para a época. Então, isso foi fruto dessa vivência. É lógico que eu jamais poderia ter aplicado todas essas coisas, se não fosse o esforço de Aloysio. A responsabilidade maior dessa atitude revolucionária quanto ao tratamento médico é dele (LIMA, 2003, p.)

Outro diferencial de Lelé diz respeito ao baixo custo e curto prazo de suas obras. Seus projetos para a construção de edifícios – em particular hospitais – são todos com custos muitos reduzidos, aspecto relevante apenas para um raro grupo de arquitetos que, além de dominarem o ofício de criar e construir, valorizam o lado social das obras (BOTIN, 2008).

Ainda em seu artigo, Botin (2008) cita a pesquisadora e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Escola da Cidade, Anália Amorim, onde a mesma considera Lelé como sendo um dos mais importantes e significativos arquitetos da atualidade. Ela afirma que "sua principal qualidade é aliar a construção de prédios à formalização do elemento que compõe o próprio edifício. Ele pensa, desde a maca que será utilizada pelo paciente no hospital até na espessura da viga que sustenta o prédio. E ainda produz os materiais envolvidos nos dois processos".

Diante disso, percebe-se que Lelé adota uma filosofia diferente e inovadora para lidar com a recuperação motora e a saúde geral do paciente. Trata-se, portanto, de um empreendimento da maior relevância no panorama do atendimento médico-hospitalar nacional no país.