• Nenhum resultado encontrado

3. O ASSISTENTE SOCIAL DOCENTE E O PEDAGÓGICO NA

3.1 Educação

3.1.1 A concepção de educação

No que se refere à concepção de educação pudemos perceber que, em sua maioria, as entrevistadas estão referenciadas numa concepção crítica de educação, influenciada pelo pensamento paulofreireano, que as ajudou a construir uma concepção de educação que defenda os interesses da classe trabalhadora e que evidencia aspectos como a horizontalidade, a dialogicidade e a consciência crítica. No caso da entrevistada 1, percebe-se que tal influência também se deu através da proposta de educação popular que, no período de sua formação, tinha grande expressividade e influência na área da educação e no Serviço Social.

“Logo a gente agregou a visão da educação popular, que foi então aquilo que foi dando esse direcionamento. Considerar o ‘aprendiz’ como um sujeito do

saber, era a questão fundamental. Já o ensino numa linha, em uma posição mais igualitária entre professor e aluno. Então isso eu tive desde o começo, porque vinha da minha formação política anterior nos movimentos sociais com essas pessoas especificamente que tinham essa formação”. Entrevistada 1

As entrevistadas 1 e 2 apontam como concepção de educação um processo mais amplo, que deve se responsabilizar pela formação do ser humano, não se restringindo à sala de aula. Isso também pode ser visualizado tanto na concepção de educação defendida por Paulo Freire e demais teóricos da educação referenciados nesse trabalho, como nas próprias Diretrizes Curriculares da ABEPSS para a formação no Curso de Serviço Social, o que mostra uma coerência teórico-prática no processo de construção de suas práticas pedagógicas, uma vez que a concepção de educação adotada é um dos elementos essenciais para o direcionamento da prática pedagógica do docente em Serviço Social, pois revela uma determinada concepção de homem e de mundo.

“Uma construção coletiva. A educação é muito mais do que sala de aula. A educação é todo o processo de vida da gente. Em todas as relações existe uma formação na educação. Então eu acho que o professor ele é mais educador com a sua postura do que com o que ele fala em sala de aula. É mais educador com a ética, com a falta de ética do que com o que ele fala”. Entrevistada 1

“Primeiro, a educação não é só formal, os povos iletrados que não sabem ler nem escrever também tem educação, como é que fica o processo de socialização, como é que esse processo de socialização gera alienação, como é que esse cotidiano, eu falei pra você que eu estudo a Heller, como é que a gente tem a rotina de naturalização dos processos, quer dizer, como é que a sociedade funciona, como é que ela faz para se reproduzir (...) e aí você vai pensando se eu tomo como referência que nós vivemos numa sociedade capitalista e que os mesmos processos que geram a riqueza geram a pobreza, que polo dessa contradição eu preciso trabalhar, eu quero incentivar, eu me comprometo, com que projeto isso tudo tem a ver com perspectiva de educação, com perspectiva política”. Entrevistada 2

As entrevistadas 4 e 5 reafirmam a ideia de que a concepção de educação desvela uma determinada concepção de mundo e demonstra que, no caso do Serviço Social, que postula a defesa de um novo projeto societário, a concepção de educação deve estar associada a esses princípios, sendo assim uma educação para a mudança e transformação, o que mais uma vez deixa nítida a coerência teórica, ética e política dessas profissionais que conseguem articular a concepção de educação com um projeto societário e um projeto de profissão.

“Bom, em relação à concepção de educação desde a graduação em serviço social essa questão sempre esteve presente nas minhas reflexões, porque eu pensava para que educação? Educar para que sociedade? Educar para que sentido de desenvolvimento? Educar que homens e que mulheres? (...) a educação ela é intencional, a educação ela é política... a educação precisa nos educar para que a gente consiga se posicionar diante de fatos e acontecimentos que ocorrem na sociedade. Então, a educação ela tem uma dimensão que é nos assegurar o conhecimento socialmente construído, mas, também ela tem que possibilitar que a gente consiga se valer desses conhecimentos e articular com as demandas que estão postas na sociedade. Então, a educação é uma educação política, é uma educação intencional.” Entrevistada 4

“a educação em si ela implica num ato político de mudança, de transformação... a gente vai formar a primeira turma de serviço social os alunos que chegaram e os alunos como estão saindo... então, no meio do curso a gente já percebe o processo de transformação... eles chegam com uma concepção de homem e de mundo é outra geração que está aí... e aí como que a gente vai nesse processo desse ato educativo político... como que a gente vai aos poucos informando, transformando, desconstruindo alguns valores, então para mim a educação... é esse ato de desnaturalização daquilo que tá dado como verdade absoluta dentro dos status quo, então é muito desassossegar a pessoa, aí a gente entra em crise, eles entram em crise junto com a gente (...) eu me sinto fazendo educação e educação é muito mais do que dar aula... educação tem um projeto, uma concepção que tem um projeto de sociedade, que tem um projeto de profissão no caso da gente do serviço social, que é o que a gente fala do projeto ético-político, então tem projeto muito claramente definido de educação... tem que tá alinhado com o nosso projeto ético-político e também com o projeto de sociedade que a gente quer”. Entrevistada 5

As entrevistadas 3 e 5 enfatizam, na sua concepção de educação, elementos que são essenciais para que essa perspectiva crítica/transformadora se concretize na prática. A entrevistada 3 destaca a importância da troca de saberes entre discentes e docente, como um elemento que possibilita a construção do saber, desmistificando a ideia de que ao professor cabe somente ensinar e ao aluno somente aprender, o que é corroborado pela depoente 5 que também destaca nessa concepção crítica de educação a preocupação com a relação estabelecida entre docente e discentes, que não pode se dar de forma hierarquizada nem autoritária, embora a mesma destaque a dificuldade dessa construção no cotidiano da prática pedagógica. Ambas as entrevistadas demonstram que a concepção de educação deve definir uma direção político-pedagógica no cotidiano do docente, de modo a levá-lo sempre a pensar e refletir sobre sua prática pedagógica.

“mas para mim a educação é um processo de troca de saberes onde aquele que está na função de docência, de professor, tem uma responsabilidade diferenciada nessa troca de saberes se ele está dentro da escola, dentro da Universidade, ele tem a responsabilidade de trazer o saber acadêmico, o saber científico, porém relembrando que esse saber culto ele não é matizado por um único referencial teórico, porque quando fala assim, contrapor ora o saber cientifico ao senso comum, o senso comum como mentira e o saber cientifico como verdade isso não é minha concepção de educação embora eu parta do pressuposto que existe um saber cientifico que pode iluminar o senso comum, porque tem um acúmulo de conhecimento de gerações que pode hoje iluminar o saber diário, eu sei também que nessa ciência tem muito coisa que não é verdadeira, reprodução da própria realidade, e no saber de senso comum tem muita verdade que é desprezada (...). Educação para mim é um processo que inclui saberes que são iluminados por fontes diferentes, inclusive um saber que vem da experiência, do contato com a natureza, do contato com a realidade social, contato com elementos que não são científicos mas que vem também da ciência, e como a ciência é construção histórica vem de diferentes referências históricas que a ciência traz”. Entrevistada 3

“Educação é um processo de mudança, é um processo de transformação para manutenção ou não do status quo dependendo de quem tá nessa hegemonia, porque aí é que se dá a disputa pela educação então, para mim a educação ela é um processo de produção e de reprodução das relações sociais e nesse sentido eu acho que tá muito imbricada com o serviço social (...)a nossa prática docente ela reitera ou ela não reitera isso, a mesma coisa com relação por exemplo, a questão de uma educação crítica ou de uma educação emancipatória, então você tem outros mecanismos, outros componentes que vai fazer a tua prática pedagógica, então provavelmente com certeza você não vai colocar as cadeiras daquela forma vai fazer um círculo, o que vem com Paulo Freire o círculo da cultura, mas é um círculo do diálogo, da troca da interação, então aqui o conhecimento, a educação ela assume uma outra forma você se constrói nessa interrelação dos sujeitos que fazem a educação, não é mais daquela forma piramidal, o professor sabe, o aluno bebe esse conhecimento tábula rasa que coloca o Paulo Freire, aqui não, aqui é diferente então por isso que é muito mais trabalhoso... essa produção ela vai se dar a partir dessa interrelação do professor e do aluno, então essa relação didático pedagógica com certeza ela vai... Porque já pensou você conversar com seus alunos para uma turma de 50 alunos como que não é difícil isso pro professor para ter essa prática de emancipação, de conhecer a história do teu sujeito, então aqui o aluno ele é o sujeito do próprio conhecimento não é mais um objeto como ele era nessa concepção bancária ou nessa concepção acrítica,... tem alguns outros autores que quis colocar a concepção ... crítico reprodutivista porque também a gente pode tá criticando e a nossa prática estar reproduzindo tudo aquilo que a gente criticava, então também essa é uma outra abordagem de concepção de educação... concepção conteudista que só prima pelo conteúdo que também eu acho que deve ser um braço dessa concepção tradicional e também o cuidado nessa concepção crítica também de não jogar o conteúdo e de não ficar só na crítica mas, como fazer essa mediação do conteúdo como conhecimento nessa relação, nessa interrelação de sujeitos desse processo do aluno e de professor porque também as muitas vezes eu acho que tá dentro dessa linha crítico reprodutivista uma inversão de papéis, aí o aluno já passa a ser o professor e o professor passa a ser o aluno, então tudo tem que ser muito dosado, muito

pensado, por isso que é muito difícil porque a gente não experimentou isso, a gente fala de uma concepção de educação emancipatória mas o que seria isso com certeza... passa pela autonomia do sujeito, do docente, mas que autonomia é essa, aonde que é o limite dessa autonomia, desse conhecimento eu sei que o que a gente não pode é reproduzir exatamente aquilo que tá colocado como certo, então por isso que eu acho que a educação ela tem esse papel... de desestabilizar, de desnaturalizar... e que com certeza tem a ver com nosso projeto de profissão”. Entrevistada 5

Já a entrevistada 6 apresenta uma concepção de educação mais vaga, com menor clareza do referencial teórico, o que atribuímos à sua recente formação e à inserção na docência, demonstrando que, em comparação às entrevistadas que se formaram nas décadas de 1970 e 1980, denota-se uma menor influência da temática da educação cirscunscrevendo a graduação em Serviço Social. Nas décadas anteriores, de acordo com a fala das entrevistadas, havia maior aproximação, porém, percebe-se uma preocupação da entrevistada 6 de que sua concepção de educação se aproxime de uma perspectiva crítica.

“eu entendo educação como ah... o mais distante possível daquela concepção burguesa, mesmo de educação de transferir conhecimento dos donos do poder, transferir conhecimento disciplinarmente, assim com disciplina rígida, como dos donos do poder. O que for mais distante disso é a minha concepção de educação. Então é uma coisa assim de formação do ser humano (...), essa construção do ser humano se tornando mais humano, menos homem inteiro, mas inteiramente humano”. Entrevistada 6

Assim, percebe-se que todas as entrevistadas compartilham da defesa de uma perspectiva de educação que prime pela formação integral do ser humano, englobando as particularidades da qualificação para a prática profissional, mas também indicando uma formação para a vida em sociedade de sujeitos que interfiram criticamente no processo histórico, de modo a fortalecer a construção de alternativas frente ao vigente modelo societário excludente e desigual.