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A prática pedagógica do assistente social docente no curso de

2. EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO E DOCÊNCIA NO CURSO DE SERVIÇO

2.4 A prática pedagógica do assistente social docente no curso de

De acordo com Abreu (2004), o projeto profissional do Serviço Social que vem sendo construído desde a década de 1980 está vinculado às lutas sociais da classe trabalhadora e esse projeto está inscrito em processos de organização/reorganização/afirmação da cultura dominante, tendo, desta forma, que criar estratégias para estabelecer alternativas de resistência e enfrentamento frente ao projeto societário hegemônico.

Assim, é nesse espaço contraditório que se colocam as possibilidades de afirmação e consolidação da direção hegemônica da profissão, já que, conforme Abreu (2004, p. 45), numa premissa gramsciana “toda relação de hegemonia é eminentemente pedagógica”.

Com base nessa premissa entende-se que as relações pedagógicas estão presentes na articulação entre a racionalização da produção e do trabalho e a organização da cultura e se relacionam com os interesses econômicos, políticos e ideológicos, criando, assim, os elementos necessários para a base de uma sociabilidade.

Historicamente, o capital tem a necessidade de manter a sua hegemonia, alicerçado numa visão de mundo mistificadora da realidade que, a cada crise econômica, tenta recompor suas bases políticas visando eliminar as resistências e os dissensos. Paralelo a esse movimento, temos a classe trabalhadora numa permanente busca pela construção de uma hegemonia a partir de seus interesses.

Esses processos contraditórios de luta pela hegemonia na sociedade brasileira incidem diretamente na prática profissional do assistente social, acarretando mudanças em suas funções pedagógicas.

A prática pedagógica do assistente social docente, nessa perspectiva, é permeada de possibilidades e desafios, podendo colaborar para a manutenção de um projeto hegemônico do capital ou colaborar para a construção de um projeto hegemônico das classes subalternas, que será determinado por elementos como: a conjuntura nacional, a política do ensino superior, a clareza e defesa do projeto profissional de Serviço Social, assim como a opção teórico- metodológica e ético-política do profissional.

Assim, conforme Abreu (2001), compreende-se que a dimensão pedagógica do Serviço Social está relacionada aos efeitos da ação profissional sobre a maneira de pensar e agir dos sujeitos, contribuindo para a formação de padrões individuais e coletivos do modo de vida. Essa maneira de pensar e agir está adequada à racionalização da produção e do trabalho, compondo, desta forma, uma das dimensões das relações de hegemonia na sociedade.

Percebe-se, ao longo do processo histórico, a existência das mais diversas funções pedagógicas na prática profissional do assistente social, que, de acordo com as associações entre conjuntura, mercado de trabalho e projeto profissional do Serviço Social, tem preconizado um determinado perfil pedagógico em sua prática.

Tal perfil pedagógico é visualizado na prática profissional do assistente desde sua gênese até os dias atuais. Pode-se considerar que tal perfil se expressa também na prática pedagógica do assistente social docente, que, desde o início de suas atividades, tem expressado diversos perfis pedagógicos.

De acordo com Abreu (2001), em sua gênese o Serviço Social tinha um perfil pedagógico persuasivo e coercitivo, cuja função pedagógica era buscar a adesão da classe trabalhadora à direção da ordem do capital.

Segundo Abreu (2001, p. 74), o início da profissão caracteriza-se por um perfil da “pedagogia da ajuda”, com a psicologização no trato da questão social, encaminhada de forma individual e, em geral, através de um processo de “reforma moral e reintegração social”.

Assim, a “ajuda” psicossocial individualizada norteada por princípios ético- religiosos consubstanciados na filosofia neotomista, como o anteriormente mencionado, harmonizados com valores éticos e políticos da democracia liberal, tais como: respeito à pessoa e à sua autonomia, convicção de que o homem é capaz de progredir e de cada um possui os meios da própria promoção, (...) centra-se no desenvolvimento da personalidade. Por isso, prioriza os componentes individuais e subjetivos da questão social em detrimento de suas expressões materiais e coletivas. Em consequência, desloca para o campo psicológico o que é expressão dos antagonismos de classe, reforçando o fetiche do colaboracionismo entre capital e trabalho, cerne da racionalização taylorista (ABREU, 2001, p. 77).

Essa perspectiva de ação pedagógica reforça uma tendência de naturalização da vida social, imprimindo à ação do assistente social um caráter autoritário, moralista e mistificador das relações sociais.

Tal aspecto pedagógico visualizado na prática profissional do assistente social é refletido no exercício da docência, instituído a partir da gênese da profissão, quando então se fez necessário pensar, quem iria formar os outros profissionais.

De acordo com Rodrigues (1994), a primeira geração24 de docentes do curso de Serviço Social foi influenciada pela formação social e ideológica dada à profissão, além de, em geral, passarem por um processo de indicação para exercício da docência, estando impressa nesta atividade também, assim como no exercício da própria profissão, um caráter de vocação e dever associado aos princípios e valores da doutrina social da Igreja Católica.

Desde os primórdios da profissão, verifica-se uma preocupação com a relação entre formação e prática profissional, indicando que o perfil pedagógico esperado para a prática profissional foi construído durante o processo de formação, apontando que tais docentes expressavam tal perfil na prática pedagógica.

Segundo Rodrigues (1994), nesse cenário era possível reconhecer uma concepção de educação que se preocupava com a formação do aluno, em que o aluno fosse estimulado a pensar e a se interessar pelas questões da profissão, mas sob a orientação de uma doutrina

24 Quando Rodrigues (1994) refere-se aos docentes da primeira geração, está fazendo referência a

cristã, o que já denota uma preocupação dos docentes com os processo de ensino- aprendizagem.

Nesse momento constata-se, através de Rodrigues (1994), que existia uma preocupação por parte dos docentes em articular o ensino à prática profissional, visto que se identifica a prática profissional como um espaço privilegiado para fundamentar a atividade da docência.

No período retratado por Rodrigues (1994), localizado entre as décadas de 1950 e 1960, percebe-se uma influência inicial do pensamento de Paulo Freire no Serviço Social, principalmente no que se refere a pensar os elementos pedagógicos da prática docente.

Em geral, esses primeiros professores, conforme Rodrigues (1994), já tinham tido outras experiências com a prática docente antes de ingressarem na docência do curso de Serviço Social, em especial relacionadas à conclusão dos cursos “normais” e às experiências da ação católica.

Assim, nos dizeres de Rodrigues (1994):

A militância na Ação Católica e a experiência nos círculos de Estudos constituíam-se nos recursos pedagógicos de que dispunham para a prática docente, uma vez que as exigências que se faziam não se alicerçavam na necessidade de uma formação específica, científica ou técnica. É certo que estes professores foram “chamados” ao ensino também porque acumulavam uma formação complementar (em filosofia, direito) mas, o argumento determinante, para esta “convocação” era a formação moral e ética de vertente tomista originada das orientações estabelecidas pela Igreja Católica (RODRIGUES, 1994, p. 32).

Nas décadas de 1950 e 1960, desenvolve-se no seio da profissão o que Abreu (2001) chama de pedagogia da participação, que, influenciada principalmente pelas propostas de Desenvolvimento de Comunidade (DC) e pela Política Desenvolvimentista25 reconfiguraram alguns aspectos do perfil pedagógico do assistente social.

25 “A ideologia desenvolvimentista modernizador vincula-se a uma concepção de desenvolvimento

fundado na chamada teoria da modernização. Esta teoria explica o subdesenvolvimento como um estágio de transição entre tempos históricos distintos, correspondentes a padrões sócio-culturais constitutivos de polos atrasados e modernos presentes em uma sociedade. Consubstancia-se numa visão etapista em que ‘a história a percorrer pelos países em desenvolvimento assemelha-se àquela trilhada pelas sociedades industrialmente avançadas’ (Kovarick, 1977, p. 46), indo de uma sociedade tradicional a uma sociedade moderna, num continuum equilibrado” (LIMA apud ABREU, 2004, p. 95).

Nesse contexto, a ideia de participação passou por um redirecionamento, saindo do campo da ajuda individual e estimulando a participação popular em diversos espaços do governo, como peças fundamentais para o alcance do projeto desenvolvimentista.

Tal política participacionista, conforme Abreu (2004), altera as formas pedagógicas de controle e de responsabilização dos sujeitos. Nesse cenário, o sujeito, de forma coletiva, como povo, é visto como um ator imprescindível para a colaboração no processo de desenvolvimento e crescimento do país, incentivando a “participação” destes em projetos e programas que almejem tal objetivo.

Em geral, tal proposta de Serviço Social era executada através das ações de DC:

Esta ideologia, ao tempo em que funda a participação popular e o apoio técnico governamental para tornar eficazes os programas de ajuda mútua, como ingredientes básicos do DC (Ammann, 1980, p. 32), oferece sustentação para o entendimento de que estes mesmos elementos constituem- se componentes do processo pedagógico de organização e desenvolvimento locais, em que o DC é um importante instrumento desse processo (ABREU, 2001, p. 98).

A perspectiva da ajuda transfere-se do campo individual para a “ajuda mútua”. Tal reconfiguração do perfil pedagógico do assistente social não se configura como um rompimento com nossa herança conservadora, mas denota elementos que podem indicar uma superação.

No campo da docência veremos também o reflexo dessas alterações. Conforme Rodrigues (1994), a segunda geração de docentes26 foi fortemente influenciada pelas experiências de DC e pelas alterações que isso causou no perfil pedagógico.

Em geral, esses assistentes sociais eram inseridos na docência através do convite de antigos professores, que viam nessa prática uma forma de preparar seus “futuros” substitutos. Tal prática denota uma preocupação com o exercício da prática docente. Os assistentes sociais convidados, em geral, tinham uma visibilidade na atuação como assistentes sociais, o que os tornava “aptos” para inserção na docência.

Conforme Abreu (2001), a alteração do perfil pedagógico nas décadas de 1950 e 1960 traz elementos de continuidade e descontinuidade na profissão.

Tal aspecto é visivelmente perceptível no exercício da docência. Rodrigues (1994) aponta que os docentes da segunda geração, apesar de iniciarem a docência à convite dos professores da primeira geração, tinham a intenção de mudar alguns aspectos da formação, em especial no que dizia respeito à influência da doutrina da Igreja Católica.

Não podemos deixar de lembrar, como citado no item 2.2 deste capítulo que, nesse contexto da década de 1960, iniciava-se no interior da profissão o Movimento de Renovação, que impactou diretamente o perfil desses docentes e sua prática pedagógica.

Esse cenário de contestações e reformulações da profissão reforça alguns aspectos da prática docente. Segundo Rodrigues (1994), a importância da relação entre ensino e prática profissional se faz presente na prática pedagógica dos docentes como elemento central para desempenhar suas atividades pedagógicas.

Também se percebe nesse período, no que se refere à docência, o crescimento da influência de Paulo Freire nos direcionamentos da prática pedagógica, interferindo diretamente na concepção de educação assumida pela categoria profissional, que, nesse momento, já delineava uma perspectiva crítica, de transformação e associação aos interesses das classes subalternas.

Nesse momento, outro aspecto que merece destaque, segundo Rodrigues (1994), é o nascimento dos programas de pós-graduação, que colaboraram diretamente para a qualificação do exercício da docência.

Um dos elementos considerados favoráveis à inserção na docência era a qualidade do exercício profissional desse assistente social.

A formação didática em nenhum momento foi considerada como elemento fundante. Levava-se mais em consideração a prática profissional que exerciam e a possibilidade de relacioná-la à disciplina que ministravam. As experiências pedagógicas que exercitam nesse período entretanto, são bastante ricas e diversificadas tornando a atividade docente muito mais instrumentalizada para a ação profissional (RODRIGUES, 1994, p. 67-68).

Assim, sob a influência do Movimento de Renovação associado às alterações conjunturais do final da década de 1970 e início da década de 1980, o perfil pedagógico do assistente social reconfigura-se novamente. Tais remodelações estavam associadas ao movimento da profissão de construção de um novo projeto profissional inspirado pela tradição marxista.

O novo perfil pedagógico do assistente social era pautado pela perspectiva do usuário como um sujeito de direitos. Caberia, então, ao assistente social pensar estratégias de mobilização, capacitação e organização das classes subalternas de modo que possibilite às mesmas participarem em processos de intervenção, consciente e criticamente, na sociedade.

De acordo com Abreu (1994), esse princípio educativo funda o perfil pedagógico da pedagogia emancipatória no Serviço Social, objetivando a construção de novas formas de sociabilidade que vislumbram no horizonte um novo projeto societário.

Tal perfil pedagógico associou-se, ao longo da década de 1980, ao novo projeto de formação do Serviço Social, identificado aos interesses da classe trabalhadora.

Segundo Rodrigues (1994), a terceira geração27 de docentes do curso teve a sua inserção na docência, em geral, marcada pelas tensões do período ditatorial e pelo processo de reformulação do Serviço Social.

Como nas gerações anteriores, os docentes encaminhavam-se para a docência devido ao reconhecimento de sua prática profissional como assistente social, até porque estamos nos referindo a um período em que não havia a exigência da titulação para ser docente (pois estavam se iniciando os programas de pós-graduação em Serviço Social no Brasil), tornando o bom desempenho na prática profissional um elemento de avaliação para inserção na docência.

Segundo Rodrigues (1994), como nos outros períodos, a relação entre ensino e prática profissional era fundamental para o exercício da docência.

Ainda segundo a autora, estes docentes estavam fundamentados numa concepção crítica de educação, entendida como um dos instrumentos de luta pela transformação da sociedade e das relações de poder e de hegemonia.

Porém, cabe ressaltar que, nesse momento, o exercício da docência e a construção da prática pedagógica passaram por grandes instabilidades e transformações. Ao mesmo tempo em que essas reformulações estavam ocorrendo, a prática do ensino tinha que se efetivar, tornando-se um momento conturbado e com grandes dificultadores para o exercício da docência.

A partir da década de 1990 ocorreu a tentativa de consolidação da direção dada à profissão na década de 1980. Tal efetivação se deu através da construção do projeto ético- político da profissão, ancorado na perspectiva da pedagogia emancipatória.

Assim, podemos afirmar que construir uma prática pedagógica docente nessa perspectiva exige desse profissional um permanente processo de reflexão, articulação e elaboração dos elementos críticos que compõem a profissão, de modo a reafirmá-los no exercício da docência.

De acordo com Faustini (2004), para pensarmos a construção de uma prática pedagógica nessa direção são necessários alguns saberes, sendo estes: 1) Saberes formalizados; 2) Saberes da experiência; e 3) Saberes práticos docentes.

Em relação aos saberes formalizados, a autora apresenta-os como sendo os conteúdos das disciplinas, o referencial teórico, as leituras atualizadas sobre a matéria a ser trabalhada em sala de aula, o conhecimento dos autores que se encontram na matriz teórico-filosófico- epistemológica do Serviço Social. Ressalta-se que esses conteúdos devem estar alicerçados em bases teóricas que defendam o projeto profissional. Tais saberes devem estar relacionados às Diretrizes Curriculares da ABEPSS, porém é necessário identificar em quais condições administrativas, políticas e pedagógicas essa relação ocorre.

Segundo Faustini (2004), os saberes da experiência nascem a partir de dois vetores: a experiência como assistente social e a experiência com o ensino. Quanto à experiência com o ensino, podem-se levar em consideração os modelos de experiência traduzidos em professores e assistentes sociais que marcaram seu processo formativo. Além desse aspecto, os saberes da experiência podem ser construídos num processo de autodidatismo.

Conforme Faustini (2004), no início do exercício da docência, em geral, os professores contam com a criatividade, já que normalmente não lhes é dito como agir com o aluno – o que e como fazer, elementos esses que serão buscados na sua própria vivência profissional como assistente social.

No que se refere à extração dos saberes das experiências do cotidiano, deve ser feita de forma sistematizada, pois a não sistematização pode se constituir num dificultador: as referências pessoais são diversas e acabam por criar práticas diversas, o que, se por um lado pode ser enriquecedor, também possibilita o afastamento em relação ao projeto profissional. A organização desses saberes pode se constituir em um arcabouço de saberes didático- pedagógicos na área de Serviço Social.

Faustini (2004) indica a importância de que o Código de Ética seja um direcionador para a prática docente, fazendo com que essa prática represente o compromisso com o projeto ético-político da profissão. Isso denota de forma clara a necessidade de migração dos valores

e direcionamentos da prática profissional do assistente social para a prática profissional enquanto docente.

Para a autora, mesmo ocorrendo a soma dos saberes formalizados aos saberes da experiência, há lacunas na prática da docência, que seriam os saberes específicos da prática docente. A elaboração desses saberes práticos docentes deve estar alicerçada em referências da área da educação, mas não pode desconsiderar ou contradizer os saberes formais e da experiência que estão balizados nas especificidades do Serviço Social. Esses saberes específicos nascem da integração e interação entre os saberes formalizados e saberes da experiência.

Nesse sentido, a revisitação à obra de Paulo Freire aparece como um indicativo para pensarmos a construção desses saberes práticos docentes.

Freire (2011) aponta os elementos centrais para a construção da prática pedagógica docente, elementos esses que não se contrapõem à direção do projeto ético-político do Serviço Social, e que, muito pelo contrário, corroboram sua manutenção.

Na perspectiva do autor, pensar a prática pedagógica exige levar em consideração aspectos como: rigorosidade metódica, exercício da pesquisa, criticidade, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. Tais elementos são facilmente reconhecidos seja nas diretrizes curriculares para o curso de Serviço Social, seja no Código de Ética.

Além desses elementos, também são indicativas de Freire (2011) como necessárias para pensar o ato educativo, questões como o fato de o ensino exigir reconhecimento do inacabamento, respeito à autonomia do educando, humildade, tolerância, luta em defesa dos direitos dos educadores, apreensão da realidade, além do reconhecimento do ato educativo como um compromisso político, sendo a educação uma forma de intervir no mundo, com um caráter ideológico, não podendo se dar de forma neutra e sem intencionalidade.

Nesse sentido, refletir sobre a prática pedagógica do assistente social faz-nos reconhecer nesta a possibilidade de uma ação que seja comprometida com os interesses das classes subalternas, e que, de acordo com a correlação de forças vigente na sociedade e no lócus de trabalho, pode colaborar para a construção de uma hegemonia fundada sobre os anseios e lutas da classe trabalhadora, contribuindo diretamente para o fortalecimento do projeto profissional do Serviço Social.

Capítulo 3 – O assistente social docente e o pedagógico na