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A conformação dos estatutos ao quadro legislativo

Visando obviar aos inconvenientes de que se reveste num trabalho desta natureza, procurar-se-á aligeirar este aspeto mediante uma visão de conjunto dos estatutos dos partidos com assento parlamentar que, passo a passo, e em razão das matérias envolvidas vá estabelecendo paralelos e sublinhando as diferenças, de modo a que no final seja possível verter essa análise num quadro analítico global.

Com esta perspetiva, convirá referir que não existe uniformidade ter- minológica entre os diferentes partidos. Esta constatação não constituirá uma novidade face à multiplicidade de classificações tipológicas que é possível encontrar nesta área. No caso do CDS-PP a expressão usada para se referir aos que dão substrato pessoal à organização é a de filiados (art.º 5.º, n.º 1, dos Estatutos).12Porém, a designação «militante» também

aparece incidentalmente nalguns artigos, nomeadamente nos artigos 13.º (composição das assembleias distritais), 14.º (competência e reuniões das assembleias distritais), 28.º (quanto à composição e natureza da Comissão Nacional) e 37.º (composição do Senado). Já para o PSD13o termo esco-

lhido é o de «militante», aqui visto como o cidadão português que, à se- melhança do que acontece no CDS-PP, esteja no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos e manifeste vontade de adesão ao programa e aos estatutos (art.º 5.º).

A adesão ao programa e aos estatutos do partido surge como um ponto comum entre as diversas organizações, pois que para além dos

12Versão aprovada no XXV Congresso, 11-1-2014.

dois casos anteriormente referidos, também no que respeita ao PS14se

exige a aceitação da sua declaração de princípios, bem como do programa e dos estatutos (art.º 6.º). A descrita situação é igualmente comprovada no PCP,15que define como seus membros – expressão estatutariamente

consagrada para os que compõem as suas fileiras, embora nos artigos 20.º e 23º, n.º 2 dos Estatutos também surja uma referência a militantes e se preveja na imprensa do partido o jornal O Militante – aqueles que aceitem o programa e os estatutos, requisitos a que acrescerão a militância numa das organizações que o constituem e o pagamento da quotização (art.º 9.º). A exigência de pagamento de quotas não é nos demais casos vista como uma condição de admissibilidade, embora seja em regra uma con- dicionante paralisadora do exercício de direitos. No PS deixou de o ser desde as alterações estatutárias do XX Congresso, o que poderá indiciar uma perspetiva de alteração do estatuto dos militantes e uma tendência para no futuro ser seguida pela generalidade dos partidos no sentido de dar corpo à sua maior abertura à sociedade, a conseguir por via da atri- buição aos simpatizantes de uma capacidade eleitoral ativa genérica nas eleições internas para escolha de dirigentes, candidatos e formulação de políticas não dependente do pagamento de qualquer contribuição.

Na mesma linha dos partidos referidos, o PEV16definiu no artigo 11.º

dos seus estatutos as condições de admissão daqueles a que indistinta- mente designa apenas como membros, ali referidas como sendo as con- templadas nas opções fundamentais tal como definidas no estatuto e no programa do partido. Para o PEV essa adesão só por si não será suficiente, pois que o partido exige que o candidato à admissão consiga «demonstrar um empenhamento ecológico efetivo, quer seja no plano individual ou profissional, quer seja num movimento, grupo ou associação, cujas ati- vidades e programa estejam de acordo com o projeto político do Partido» (art.º 11.º).

O Bloco de Esquerda (BE) refere-se aos seus membros recorrendo à figura do «aderente».17Em todo o caso, apesar da escolha daquele termo,

o artigo 3.º, n.º 4, dos respetivos Estatutos, em vez de se referir ao cartão de aderente, prevê-se a atribuição aos aderentes de um cartão de filiado. Para se ser militante do BE basta o preenchimento de duas condições: por um lado, o desejo de aderir ao que se designa como «Movimento»;

14 Versão dos Estatutos aprovada pela Comissão Nacional do PS em 31-3-2012.

15 Versão do XIX Congresso do PCP, 12-2012.

16 Versão da XII Convenção do PEV, 19-5-2012.

por outro, a já referida necessidade de o candidato estar no pleno gozo dos respetivos direitos políticos.

Tanto o CDS-PP, como o PSD e o PS admitem explicitamente, em- bora com ligeiras nuances, a admissão nas suas fileiras de estrangeiros, pressupondo-se que sejam titulares de direitos políticos (art.º 5.º, n.º 2 dos Estatutos do CDS-PP), lhes tenham sido reconhecidos direitos de voto (art.º 5.º dos Estatutos do PPD-PSD) ou residam legalmente em Portugal (art.º 6.º, n.º 2, dos Estatutos do PS).

Esta concessão à entrada de estrangeiros não surge formulada nos es- tatutos do BE, do PCP e do PEV. Sendo partidos de esquerda seria na- tural que por razões históricas e de princípio tivessem sido contempladas. Se tal tivesse acontecido isso não seria de estranhar face às raízes que se encontrarão, em especial quanto ao PCP, na tradição marxista-leninista e no espírito do internacionalismo proletário (art.os2.º n.º 1 e 3.º n.º 2

dos Estatutos). Mas também em relação ao BE se vislumbra a afirmação estatutária do partido de defender e promover «a perspetiva do socialismo como expressão da luta emancipatória da humanidade» (art.º 1.º, n.º 3, dos Estatutos), que no caso do PEV se abriga no estabelecimento de laços com partidos congéneres de outros países, prevista no artigo 9.º dos Es- tatutos.18Trata-se, no entanto, de aspeto que embora mereça registo pela

estranheza que poderá causar, todavia se afigurará pouco significativo. Não será crível que tais partidos perante cidadãos estrangeiros legalmente residentes em Portugal, que gozam de direitos civis e políticos, incluindo o direito de voto, os impedissem de se inscrever nas suas fileiras como militantes, se essa fosse a vontade desses cidadãos, por razões que se pren- dessem com o estatuto de serem nacionais de outros países.

Ainda quanto à admissibilidade de cidadãos estrangeiros, a estes deverá ser equiparada a situação dos apátridas desde que residam legalmente em Portugal.

O princípio da inscrição individual, já presente na LPP, é um dado comum a todos os partidos, não se registando diferenças significativas em matéria de direitos e deveres. Assinale-se que, de um ponto de vista formal, quanto à arrumação dentro dos seus estatutos, o CDS-PP, tal como no caso do PCP, coloca os deveres à frente dos direitos – artigos 6.º e 7.º, respetivamente – enquanto nos restantes casos se verifica que primeiro se definem os direitos para só depois se dizer quais são os cor-

18«O Partido Ecologista ‘Os Verdes’ poderá filiar-se em organizações políticas de ca-

rácter internacional, assim como colaborar ou desenvolver iniciativas com entidades es- trangeiras, com vista a contribuir para o desenvolvimento da luta pelos seus objetivos.»

respondentes deveres. Nalguns dos partidos aqui considerados, o elenco de uns e de outros não se esgota num único artigo, tendo sequência nou- tras disposições. Com maior ou menor densidade pode-se com segurança afirmar que o núcleo essencial dos deveres dos militantes, para além de objetivos de carácter geral ligados à divulgação das ideias e da mensagem, se concentra na conformação com o respetivo corpo normativo e acata- mento das regras da disciplina, no dever de exercício dos cargos para que se seja eleito, a que acrescem deveres de participação, de lealdade, de re- forço da imagem, de defesa da unidade e da coesão internas, bem como da sua imagem perante terceiros. O pagamento de quotizações deixou de ser, pelo que acima se referiu quanto ao PS, um elemento unificador. De igual modo, os direitos dos membros, filiados ou militantes surgem associados a manifestações do direito de participação, ao exercício de di- reitos conexos com a liberdade de expressão e de opinião para a formação da vontade e definição de políticas e, ainda, como contraponto das obri - gações de natureza disciplinar a que se encontram adstritos, o direito de audição e de defesa relativamente às questões que lhes digam respeito.

Onde é possível encontrar uma maior diferenciação de estatutos den- tro dos partidos é em matéria de capacidade eleitoral, tanto ativa como passiva. Não se descortina na LPP um quadro estrito a que todos os par- tidos se devam circunscrever. Cumpridos os requisitos mínimos de ad- missão cada partido acaba por fixar internamente as balizas que regem a medida dessa capacidade. Por isso mesmo, enquanto no CDS-PP se res- tringe a capacidade eleitoral ativa apenas aos militantes que ainda não tenham completado três meses de filiação (art.º 7.º, n.º 2), o PSD fixou esse prazo em seis meses (art.º 73.º, n.º 2), contando-se este prazo em re- lação à data que vier a ser fixada para o ato eleitoral. Este prazo foi no caso do PS recentemente reduzido para seis meses.19O artigo 15.º foi

objeto de uma proposta de alteração incluída na moção que o atual se- cretário-geral (António Costa) levou ao XX Congresso (29-30 de novem- bro de 2014), passando-se a prever a capacidade eleitoral dos militantes que tenham seis meses de inscrição na data do ato eleitoral e constem dos cadernos eleitorais (ver o quadro 1.1).

Um outro aspeto que merece realce em virtude de o mesmo ter reper- cussão na aquisição da capacidade ativa e passiva dos membros, tem a ver com a relevância que alguns partidos atribuem ao tempo de militân-

19Antes era de 12 meses na data do ato eleitoral, a que se juntava a necessidade da re-

gularidade da situação contributiva até um mês antes da data prevista para o ato eleito- ral.

cia nas suas organizações juvenis. Notar-se-á que se para o PS – pese em- bora o artigo 9.º dispor que os membros regularmente inscritos que com- pletem 18 anos e preencham os requisitos gerais do artigo 6.º adquirem o direito de se tornarem membros do partido mediante simples comu- nicação à sede nacional – não se prevê no preceito do artigo 15.º que o tempo de filiação da organização juvenil concorra para o cômputo dos prazos necessários para aquisição da capacidade eleitoral ativa e passiva.

Também o CDS-PP não contempla essa hipótese, apesar de admitir que a adesão às suas organizações autónomas poderá conferir a qualidade de filiados, mas aqui a concessão do status fica na disponibilidade do que as normas reguladoras dessas organizações dispuserem (art.º 8.º). Existe, todavia, uma norma de equiparação geral entre a qualidade de filiados nas referidas organizações e os filiados no CDS-PP sempre que aqueles participem em quaisquer atos do partido ao abrigo dos acordos de coo- peração previstos no art.º 49.º Em todo o caso, a contagem do tempo de filiação nas organizações autónomas torna-se pouco relevante devido ao curto período de filiação que é exigido pelo CDS-PP para que os seus membros adquiram capacidade eleitoral ativa (três meses), sendo que para a passiva não se estabeleceu qualquer limite.

Situação distinta é a do PSD que contém uma norma expressa a de- terminar a contagem do tempo de militância na JSD para efeitos de fi- xação da capacidade eleitoral ativa e passiva, admitindo-se que para a eleição para os órgãos internos do Grupo Parlamentar e dos Grupos de Lista não haja qualquer antiguidade mínima que deva ser considerada (art.º 73.º).

Quanto ao PCP e ao PEV, que nos respetivos estatutos incluíram a existência de organizações juvenis (art.º 55.º dos Estatutos do PCP para o caso da JCP, e art.ºs46.º e 47.º para o PEV), nada ficou previsto sobre esta matéria. O BE pura e simplesmente não equacionou a existência de quaisquer organizações autónomas, juvenis ou outras, ao contrário do que acontece com outros partidos.

Os aderentes que adquirem o estatuto de militantes organizam-se de- pois nas estruturas internas de cada uma das entidades que passam a in- tegrar. Quanto a estas, o número e dimensão dos respetivos órgãos é muito variável, sem prejuízo de haver um núcleo mínimo (uma assem- bleia, um órgão executivo e um órgão de jurisdição, todos de âmbito na- cional) que todos respeitam, que resulta da LPP e cuja falta necessaria- mente conduziria à sua desconformidade com a lei, com consequências quanto à sua continuidade ou, numa fase inicial, à rejeição da sua ad- missibilidade e da aceitação da sua inscrição como partidos políticos, por

falta de preenchimento de requisitos, por parte do decisor, no caso o TC (art.ºs14.º e 16.º, n.ºs1 e 2, da LPP).

Apesar de assumirem um estatuto diferente do militante, os simpati- zantes viram o seu estatuto reforçado no ano transato em virtude das al- terações introduzidas pelo PS nos respetivos Estatutos. Este partido, ao procurar uma mobilização mais forte e crescimento da sua base de apoio, alargou o elenco dos respetivos direitos e deveres, com a inclusão de uma norma expressa para dar guarida à sua participação na eleição direta do secretário-geral e em eleições primárias, agora também com a previsão da sua inclusão em grupos de trabalho e conselhos consultivos junto dos órgãos do partido (art.º 12.º, novas alíneas d), e e) e o novo n.º 3 do art.º 58.º). Na base das alterações propostas, que não podem ser vistas desli- gadas do processo das primárias e dos elevados níveis registados, referiu- -se a consciência do partido das dificuldades do sistema partidário e da crescente desconfiança e alheamento dos cidadãos, com expressão nos preocupantes níveis de abstenção eleitoral e escassa participação nos par- tidos, para além da preocupação de introduzir uma maior transparência e democraticidade nas decisões (cf. Moção de António Costa ao XX Con- gresso). Por seu turno, o BE, que no final de novembro de 2014 realizou a IX Convenção, embora não tivesse passado a admitir simpatizantes, aprovou um conjunto de alterações no sentido de também aumentar a democraticidade interna da organização e os direitos dos seus membros. A este título registe-se a introdução do reconhecimento do direito de tendência, o direito de os seus militantes poderem participar em organi- zações exteriores ao partido de «carácter não partidário», com «autonomia e independência» e o reforço da paridade de género nos seus órgãos, para além da introdução do instituto do referendo interno vinculativo sobre questões políticas relevantes, da limitação de mandatos e de um mais amplo acesso à informação por parte dos militantes, que viram consa- grado o direito de acesso às minutas das reuniões da Mesa Nacional e da Comissão Política, ademais publicitadas na página do BE na internet.

Em regra, pode-se dizer que os requisitos que os partidos portugueses fixam para a admissão de novos membros são pouco exigentes, bastando- -se com uma manifestação de vontade, a maioridade, e a titularidade dos direitos civis e políticos. As manifestações de adesão aos estatutos, aos princípios, ou as declarações que nesse sentido sejam formuladas reves- tem-se de escasso interesse e preenchem condições de natureza formal que ficarão sempre na dependência do seu cumprimento prático pelo militante, inexistindo mecanismos de controlo ou períodos probatórios. A exceção será o PCP, uma vez que a candidatura do aderente será objeto

Q

uadro 1.1 –

Q

uadro-resumo estatutário dos membros dos partidos com assento parlamentar

D

esignação

Prevê simpatizantes Natureza da inscrição Requisitos gerais de admissão Outras condições Capacidade ativa Capacidade passiva Admite estrangeiros Admite tendências Contagem do tempo de militância nas org

anizações juvenis

A

dmite referendo interno

Limitação de mandatos

Filiado/militante Militantes das org

anizações autónomas que

subscrevam acordos equiparados a filiados Individual Portugueses, maiores, pleno gozo de direi

tos civis e

políticos, membros das org

anizações autónomas não

equiparados Exercícios de direitos e vinculação a deveres sujeita a actualização de dados 3 meses Não há limite Sim Correntes de opinião Não previsto Sim Sim, 3 ou 4 Militante Admite independentes nos conselhos estratégicos, grupos temáticos e conselhos de opinião Individual Adesão ao Programa e Estatutos, pleno gozo de direitos civis e políticos, membros da J

S

D, maiores

Pag

amento de quotas

1 ano para os órgãos nacionais, 6 meses para os órgãos das secções 6 meses Sim Não previstas Conta-se o tempo de militância na J

S

D

Sim Sim, 3 mandatos ou 6 anos com exceções Militante Sim, e participação de independentes em reuniões com exceção do momento das deliberações Individual Aceitação da D

eclaração

de Princípios e Estatutos, nacionais Disciplina do partido 6 meses e inscrição nos cadernos eleitorais Sem limite devido à alteração do art.º 15.º, XX C

ongresso, 2014

Sim Não admitidas Aquisição automática do estatuto de militante aos 18 anos Sim Sim, 2 mandatos sucessivos ou 8 anos

M

embro/militante

Não Individual Adesão ao Programa e Estatutos, nacionais (i) militância numa das org

anizações

(ii) pag

amento

da quotização Todos os membros têm os mesmos direitos e deveres Todos os membros com iguais direitos e deveres Não previsto Não previstas Não previsto Não previsto Não previsto

A

derente/filiado

Prevê a participação de não-aderentes nas atividades dos núcleos e grupos de trabalho Individual Pleno gozo de direitos civis e políticos, desejo de aderir Pag

amento de quota anual

quando não isentada Sem limitações Sem limitações Não previsto Admitidas desde a IX C

onvenção Nacional

Não previsto Sim, vinculativo Sim, 2 sucessivos

M

embros

Não Individual Adesão às opções fundamentais, empenho ecológico Não ser filiado noutro partido Sem limitações Sem limitações Não previsto Não previsto Não previsto Não previsto Não, revogáveis em qualquer momento

C D S /P P P S D P S P C P B E P E V

Fontes: Estatutos dos Partidos: C

D S -P P (11-1-2014), P S D (25-3-2012), P S (31-3-2012), P C P (2-12-2012), B E (IX C onvenção, 11-2014 ), P EV (19-5-2012).

de aval e abono quanto à seriedade do candidato por parte de militante que o conheça ou, na falta daquele, sujeito a análise por parte do orga- nismo que tiver o dever de decidir sobre a proposta de filiação.

De qualquer modo, os níveis de militância permanecem baixos, o que indicia não ser por causa de regras apertadas de admissão que os cidadãos se afastam dos partidos. Será necessário aguardar algum tempo para se ve- rificar em relação ao PS e ao BE qual a repercussão que as mais recentes alterações trarão em relação aos atuais níveis de militância, e para se avaliar, por outro lado, até que ponto os caminhos encetados por estes partidos poderão ser seguidos pelos demais. De qualquer modo, tal não deverá ser impeditivo de que, no seguimento do que já foi proposto por alguns au- tores (Amjahad e Vieira 2010), seja apurado junto dos militantes que foram saindo dos partidos nas últimas décadas quais as razões conducen- tes ao abandono, devendo igual esforço ser feito quanto aos cidadãos em geral para apurar as razões subjacentes à não-adesão aos partidos.