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Ativismo nos partidos portugueses: tipos de atividades e intensidade

As razões que motivam a adesão aos partidos políticos são considera- das um fator importante não apenas para o grau de ativismo, mas tam- bém pela própria permanência dentro da organização (Van Haute e Gauja 2015). Existem várias motivações que podem levar os indivíduos a participar na vida política através da filiação partidária. A literatura dis- tingue normalmente entre incentivos materiais, ideológicos e de processo (Whiteley e Seyd 2002; Van Haute 2011). Bruter e Harrison (2009) con- sideram ainda as motivações de solidariedade, com base no trabalho de- senvolvido por Clark e Wilson (1961). No inquérito, utilizamos uma ba- teria de indicadores para aferir a importância relativa destas motivações. Em geral, os resultados indiciam uma grande semelhança entre os três principais partidos de governo, com uma maior importância das moti- vações ideológicas, seguidas por incentivos procedimetais e materiais. Uma análise preliminar revela que os respondentes dos partidos consi- deram mais importante dar o próprio contributo pela defesa dos ideais do partido e o desejo de ser politicamente ativo, seguido pela importância de desempenhar um papel político ativo. Poucos militantes consideram importante os potenciais benefícios da filiação, o contexto familiar ou a contribuição financeira ao partido.6Em particular, as motivações ideo-

lógicas parecem relativamente mais fortes para os filiados do BE e do LIVRE. Quanto às razões ligadas aos procedimentos internos – seleção dos candidatos e financiamento – destacam-se novamente os inscritos do LIVRE. O modelo genético – baseado na ênfase da participação e da

5Apenas o PS e o LIVRE reconhecem o estatuto de simpatizantes, enquanto nos ou-

tros partidos existe apenas uma categoria de aderente (Lisi 2015).

6Este é o resultado que emerge pelo inquérito, que pode ser diferente da prática so-

deliberação – e o facto de ser um partido recente sem recursos institu- cionais explicam em grande medida este resultado. É interessante notar também que os filiados do CDS-PP colocam uma importância relativa- mente maior nos benefícios materiais, sobretudo para obter vantagens políticas ou uma carreira. A particularidade do CDS-PP, tradicional- mente considerado com um partido com «uma cabeça, mas sem corpo» (Stock 1986; Lopes 2002), emerge também na importância da socializa- ção, pela maior relevância assumida pelo contexto social e pela possibi- lidade de partilhar uma certa experiência. Pelo contrário, as motivações de solidariedade parecem ter uma relevância menor no caso do LIVRE, facto que pode estar relacionado com a falta de laços preexistentes ou de comunidades já estruturadas a nível local.

Passamos agora a considerar a participação dos filiados na vida dos partidos portugueses com o intuito de examinar a variedade e a intensi- dade das atividades desempenhadas fora do período eleitoral e durante as campanhas. A análise dos dados recolhidos através dos inquéritos per- Quadro 4.1 – Motivações da adesão nos partidos portugueses

Aderi ao partido porque... PS PSD CDS-PP BE LIVRE

Queria tornar-me politicamente

ativo 3,9 (1,1) 3,9 (1,1) 3,7 (1,2) 4,0 (1,1) 3,9 (1,1)

Queria ajudar na realização dos objetivos políticos que defendo

4,4 (0,8) 4,4 (0,8) 4,5 (0,8) 4,6 (0,8) 4,6 (0,7) Queria influenciar a seleção

dos candidatos para cargos políticos

3,2 (1,2) 2,9 (1,2) 3,5 (1,2) 3 (1,3) 3,7 (1,2) Queria apoiar financeiramente

o partido 2,0 (1,0) 1,7 (0,9) 2,1 (1,0) 2,1 (1,1) 2,2 (0,9)

Queria ter uma carreira política 2,1 (1,1) 2,2 (1,1) 2,3 (1,2) 1,5 (0,9) 1,7 (0,9) Expectava que a filiação num

partido fosse favorável para a minha carreira

1,5 (0,8) 1,4 (0,7) 1,7 (1,0) 1,2 (0,6) 1,1 (0,5) Queria encontrar pessoas com

as mesmas orientações políticas

3,1 (1,2) 3,0 (1,2) 3,4 (1,2) 3,2 (1,3) 2,8 (1,2) Amigos ou familiares

influenciaram-me 2,0 (1,2) 2,1 (1,2) 2,2 (1,2) 1,6 (0,4) 1,4 (0,9)

Fonte: inquérito aos partidos (Espírito Santo e Lisi 2014).

Nota: Os valores correspondem às médias, entre parênteses o desvio-padrão. Para cada dimensão os inquiridos podiam escolher se a motivação era completamente irrelevante (1), não muito relevante (2), relevante (3), bastante relevante (4) ou muito relevante (5). As opções «Não sabe/não responde» foram excluídas da análise. Respostas múltiplas.

mitiu também captar as diferenças entre «filiados» e elites intermédias, comparando os padrões de participação dos membros do BE, do LIVRE e do PS com o envolvimento dos delegados do CDS-PP e do PSD. Neste sentido, o caso português pode servir para testar empiricamente a vali- dade da diferença conceptual entre diferentes tipos de ativista eviden- ciada por vários autores.

O quadro 4.2 apresenta dados relativos a duas variáveis que medem o grau de dedicação ao partido segundo a perceção dos membros. A pri- meira variável é o tempo dedicado ao partido ao longo do mês anterior ao inquérito. CDS-PP e LIVRE são os partidos em que um maior nú- mero de membros (14,2% e 11,4%, respetivamente) afirma dedicar mais de dez horas mensais às atividades do partido. Os inquiridos dos restantes partidos apresentam uma intensidade de participação ligeiramente infe- rior no que toca a esta variável. Relativamente à perceção do grau de en- volvimento, o destaque vai para os delegados do PSD, que na sua quase totalidade se consideram muito (41,2%) ou bastante (56,9%) ativos, sendo seguidos pelos inquiridos do CDS-PP (33% dos quais se classifi- cam como muito ativos, e 52,3% como bastante ativos). Em todos os restantes partidos, pelo menos um quarto dos inquiridos considera-se pouco ou nada ativo.

O quadro 4.3 reproduz a frequência de participação dos inscritos nas estruturas partidárias. Os dados encontram-se desagregados a nível do partido, por um lado, e do nível geográfico das estruturas em causa, por outro: concelhia, distrital e nacional. Esta desagregação permite fazer comparações entre a intensidade do envolvimento entre os membros dos partidos, por um lado, mas também em relação ao grau de (des)cen- tralização da sua participação.

Quadro 4.2 – Perceção do ativismo nos partidos portugueses (%) BE CDS-PP LIVRE PS PSD Todos

Tempo dedicado 0-5 horas 76,8 71,3 78,0 79,4 n. d. 80,0 ao partido 6-10 horas 13,9 14,5 10,6 13,2 n. d. 11,9 no último mês > 10 horas 9,2 14,2 11,4 7,4 n. d. 8,1

Média horas 4,81 8,49 4,24 4,16 – 4,46 Total (N) (595) (394) (123) (1 216) – (2 646) Perceção do grau Muito ativo 18,7 33,0 21,6 19,4 41,2 23,5 de envolvimento Bastante ativo 43,7 52,3 44,6 50,4 56,9 49,6 Pouco ativo 27,9 12,5 27,3 24,0 1,6 21,1 Nada ativo 9,7 2,3 6,5 6,2 0,3 5,8 Total (N) (638) (352) (139) (1 346) (313) (2 915) Fonte: inquérito aos partidos (Espírito Santo e Lisi 2014).

Os cinco partidos contemplados neste estudo apresentam diferenças vincadas no que toca à intensidade da participação nestes três níveis. Desde logo, no que toca ao nível concelhio, os delegados do PSD são claramente os inquiridos que mais participam. Praticamente dois terços participam pelo menos uma vez por semana (32%) ou duas vezes por mês (31%) nas atividades deste nível. Seguem-se os delegados do CDS- -PP, com 16% e 26%, respetivamente. PS e BE apresentam frequências ligeiramente mais baixas e semelhantes entre si, ao passo que no caso do LIVRE uma proporção substancial dos inquiridos (39%) declara não per- tencer a qualquer estrutura concelhia.

Os dados relativos à participação no quadro de estruturas distritais re- tratam um cenário semelhante, se bem que com níveis de envolvimento tendencialmente mais baixos. Se somarmos as proporções de inquiridos que reportam participar pelo menos uma vez por mês, é novamente o PSD que se destaca, com 42% dos seus delegados. Seguem-se o CDS- -PP (26%), PS e BE com (17%) e, no caso do LIVRE, apenas 10%. Os membros do LIVRE destacam-se, já que 90% afirmam não pertencer às estruturas de nível distrital.

Finalmente, a participação em instâncias nacionais também revela di- ferenças assinaláveis. Desde logo, porque a maioria dos inquiridos em quatro dos cinco partidos afirma não pertencer a estruturas deste nível. Quadro 4.3 – Intensidade de participação por partido e tipo de estrutura (%) Estrutura Frequência BE CDS-PP LIVRE PS PSD

Concelhia Não pertence 25 20 39 18 8 Menos de seis vezes por ano 21 9 24 25 9 Mais de seis vezes por ano 10 11 3 14 10 Uma vez por mês 14 19 18 14 11 Duas vezes por mês (ou mais) 17 26 10 16 31 Uma vez por semana (ou mais) 12 16 6 14 32 Distrital Não pertence 43 40 90 50 19 Menos de seis vezes por ano 27 22 0 22 17 Mais de seis vezes por ano 13 12 0 11 21 Uma vez por mês 8 12 0 8 17 Duas vezes por mês (ou mais) 6 7 0 5 22 Uma vez por semana (ou mais) 3 7 10 4 3 Nacional Não pertence 52 56 31 71 57 Menos de seis vezes por ano 35 28 36 20 21 Mais de seis vezes por ano 6 10 10 5 12 Uma vez por mês 4 2 7 2 7 Duas vezes por mês (ou mais) 2 2 8 1 1 Uma vez por semana (ou mais) 1 1 8 1 1 (N) (669) (443) (143) (1 347) (313) Fonte: inquérito aos partidos (Espírito Santo e Lisi 2014).

É no caso do LIVRE que uma maior proporção de membros reporta um envolvimento mais constante – 8% afirmam participar pelo menos uma vez por mês, e uma percentagem idêntica participa duas vezes por mês. Estes valores são consideravelmente mais altos do que os dos restantes partidos, mesmo face aos delegados do PSD e CDS-PP, que não vão além de 1% ou 2%. A excecionalidade do caso do LIVRE, em que a par- ticipação é canalizada para o nível nacional, pode ficar a dever-se ao seu estatuto embrionário aquando da realização do inquérito, bem como à ausência de estruturas de nível concelhio similares às que enquadram a participação das bases dos restantes partidos. Em sentido oposto, cerca de 71% dos membros do PS afirmam não pertencer às estruturas nacio- nais do partido.

Quais as principais atividades desempenhadas pelos membros dos par- tidos portugueses? O inquérito aos filiados e aos delegados incluiu uma bateria de indicadores relevantes para responder a esta questão. Mais con- cretamente, perguntou-se aos membros dos partidos se estes colaboram na organização de reuniões locais do partido, nas atividades ou nos con- vívios de carácter partidário, na organização de encontros do partido com a comunidade, e se doam algum dinheiro para além das quotas. Os in- quiridos foram ainda questionados sobre se costumam encontrar-se com outros membros do seu partido para discutir política ou outras atividades, se distribuem propaganda durante as campanhas eleitorais e se desempe- nham outras atividades para o partido no período da campanha.

Os resultados, reproduzidos no quadro 4.4, sugerem que as atividades mais frequentemente desempenhadas pelos filiados se realizam sobre- tudo no momento eleitoral, distribuindo propaganda, mas sobretudo através de outras atividades (provavelmente de carácter logístico ou or- ganizativo). Os filiados constituem de facto a «voz» dos partidos junto da comunidade, sobretudo pela frequência com que os militantes decla- ram encontrar pessoas fora do partido para falar de política. Ao mesmo tempo o partido desempenha uma importante função de socialização, que reforça a adesão e a lealdade dos filiados em relação às organizações de pertença. Por outro lado, a doação de contributos financeiros aos par- tidos é a atividade menos frequente na vida dos membros dos partidos, enquanto uma proporção reduzida de filiados toma parte nas atividades do partido no terreno, como por exemplo organização de reuniões, ati- vidades de convívio ou encontros com a comunidade. O facto de o con- tributo financeiro não ser relevante para os filiados reflete não apenas o peso crescente do financiamento público para a manutenção das orga- nizações partidárias (Poguntke, Scarrow e Webb 2016), mas também a

desvalorização por parte dos partidos do pagamento das quotas. Como sublinha Almeida (2016, 198), as «quotas têm vindo progressivamente a abandonar o seu estatuto de sinal distintivo da militância, em matéria de obrigações, para adquirirem um papel cada vez mais residual, de na- tureza instrumental, e que só ganha verdadeiro sentido à beira dos mo- mentos eleitorais internos quando é preciso estabilizar o número daque- les que podem exercer os seus direitos em cada ato e garantir os votos necessários a cada eleição». Este facto também é visível na progressiva redução do valor das quotas ao longo do tempo. A este respeito o caso do CDS-PP é exemplar, pois o pagamento das quotas passou, desde 2014, a ser facultativo, não sendo um obstáculo para a adesão e a parti- cipação nas atividades partidárias.

Quais as diferenças que existem entre os partidos em termos de parti- cipação? Como era expectável, os delegados apresentam sempre níveis superiores em relação aos filiados partidários. A única atividade em que esta diferença não se verifica relaciona-se com a doação de dinheiro. Neste caso é o LIVRE que apresenta níveis maiores de envolvimento, se- guido pelo PSD. Este resultado é explicável pelo facto de o partido ter surgido com uma participação ativa dos filiados e não ter beneficiado de nenhum subsídio estatal, tendo apresentado pela primeira vez candidatos às eleições europeias de 2014. Mas é interessante notar que os delegados do PSD são mais ativos que as elites intermédias do CDS-PP, sobretudo no que diz respeito às atividades no terreno. Este facto pode estar rela- cionado com a vida interna dos partidos e a sua própria estruturação, dado que o CDS-PP tem tido maiores dificuldades em manter e mobi- Quadro 4.4 – Ativismo nos partidos portugueses

BE LIVRE PS PSD CDS-PP Todos Organização de reuniões 2,8 2,2 2,6 4,0 3,6 2,9 Organização de convívios 2,6 2,0 2,5 3,7 3,1 2,7 Organização de encontros com

a comunidade 2,6 1,9 2,5 3,7 3,1 2,7 Doação de dinheiro 1,8 2,1 1,8 2,1 1,9 1,9 Discutir política 3,1 2,5 3,2 4,0 3,8 3,3 Atividades não políticas 2,6 1,8 2,7 3,5 3,2 2,8 Discutir política fora do partido 3,1 2,8 3,1 3,3 3,3 3,1 Distribuição de propaganda 3,4 2,4 3,3 4,3 4,0 3,5 Outras atividades nas campanhas 3,4 2,4 3,3 4,3 4,1 3,5 (N) (589) (126) (1 275) (293) (344) (2 638) Fonte: inquérito aos partidos (Espírito Santo e Lisi 2014).

lizar as estruturas de base. A única dimensão em que não parece haver diferenças significativas entre delegados é relativa à discussão fora do par- tido, uma atividade de baixa intensidade que não exige um envolvimento particular.

Relativamente aos filiados de base, os dados dos inquéritos mostram que no caso do LIVRE há um nível menor de mobilização, enquanto os militantes do BE aparecem mais ativos do que no PS. A exceção neste caso é relativa à discussão política com colegas de partido e encontros para a realização de atividades não-políticas. Para estes dois indicadores os filiados socialistas mostram níveis ligeiramente superiores, mas sem alcançar dife- renças estatisticamente significativas. É interessante também notar que a mobilização dos filiados parece maior sobretudo para atividades que se realizam durante as campanhas eleitorais (distribuição de propaganda e outras atividades), enquanto todas as dimensões relativas ao partido no ter- reno apresentam níveis relativamente mais baixos, independentemente do tipo de partido. Em geral, a participação em convívios e outras atividades partidárias apresenta uma mediana de 2, o donativo de dinheiro uma me- diana de 1, e a participação em atividades de campanha de 4.

As determinantes do ativismo partidário: