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Democracia intrapartidária: operacionalização e implicações

Os partidos são essenciais para a democracia na medida em que de- sempenham funções vitais que ligam os cidadãos aos governos eleitos (Sartori 1976). Para Schattschneider (1942), esta componente democrática dos partidos, que se concretiza na competição eleitoral interpartidária, é mais relevante do que a sua expressão a nível intrapartidário, uma vez que não há garantia de que a mera existência de estruturas formais de-

2Num cenário em que o universo eleitoral para a seleção do líder inclui militantes e

simpatizantes, as estruturas intermédias do partido a nível territorial perdem poder de decisão, e o processo ganha um cariz nacional. Daí que métodos mais inclusivos – e. g., primárias abertas – estejam por vezes associados a maior centralização. No mesmo sentido ver Hazan e Rahat (2010) sobre a seleção de candidatos. Contudo, como nota Scarrow, enquanto a inclusividade indica claramente a expansão do acesso a tomada de decisões – isto é, uma democratização –, descentralização territorial e democratização não estão necessariamente associadas (Scarrow 2005, 6).

mocráticas leve à adoção de práticas democráticas por parte dos partidos. Na verdade, elas podem encobrir práticas oligárquicas, quer por parte de partidos de massas onde seriam menos expectáveis – como argumenta- ram Duverger (1959) e Michels (1962) – quer por parte de partidos-cartel onde apesar de os membros terem mais poderes formais estes são menos efetivos porque exercidos de forma mais atomizada (Katz e Mair 1995; Saglie e Heidar 2004).

No entanto, porque a democracia implica a existência de instituições e de procedimentos democráticos (Saglie e Heidar 2004, 386), importa definir e avaliar os critérios que qualificam um partido como interna- mente democrático (Linz 2002, 309-311). E, isso passa por responder a questões como: A participação deve ou não estar limitada aos militantes? Os eleitores devem ou não poder votar nas decisões dos partidos? As de- cisões devem ser tomadas por delegação ou participação direta? (Saglie e Heidar 2004, 386).

Segundo Scarrow (2005, 3) «A ‘democracia intrapartidária’ é um con- ceito muito abrangente, que compreende um conjunto diverso de mé- todos que visam a inclusão dos militantes nos processos intrapartidários de deliberação e de tomada de decisão». Segundo a autora, a inclusivi- dade e a centralização são os dois critérios que permitem descrever a forma como os partidos definem o acesso a decisões-chave como a esco- lha do líder ou dos candidatos a cargos públicos (2005, 6). A inclusivi- dade indica o grau de abrangência do círculo de decisão dentro do par- tido; se as regras são tendencialmente exclusivas, apenas o líder ou um pequeno grupo de dirigentes participam no processo de tomada de de- cisões, e se são mais inclusivas todos os militantes e, no limite, todos os apoiantes do partido podem participar (Scarrow 2005, 6). A centralização indica até que ponto as decisões estão centralizadas no órgão executivo (nacional) do partido ou estão descentralizadas ao longo dos vários níveis geográficos do partido (Scarrow 2005, 6). Este continuum inclusividade/ex- clusividade e descentralização/centralização é utilizado em vários estudos sobre DIP.2

Para Rahat e Hazan (2001) e Hazan e Rahat (2006), o grau máximo de inclusividade permite que, no limite, os eleitores possam participar na es- colha dos candidatos a deputados; enquanto o grau mais elevado de des- centralização garante um maior envolvimento dos órgãos subnacionais no processo de seleção dos candidatos. Mais recentemente, um esforço notável de operacionalização quantitativa propõe medir o grau de DIP com base em perto de 100 indicadores, agregados em três domínios es- pecíficos: direitos dos membros, estrutura organizacional e processo de tomada de decisão (Von dem Berge et al. 2013). Este exercício resultou numa ferramenta exaustiva e útil para medir a DIP em vários níveis da estrutura organizativa dos partidos, permitindo ainda lidar com a sua complexidade. Mas que fatores levam os partidos a aumentar a demo- cracia interna?

Os partidos têm diferentes entendimentos sobre a DIP e podem seguir diferentes estratégias consoante os desafios internos e externos que vão enfrentando, nomeadamente: aumento das formas de ação política não- -convencionais e alternativas à militância clássica; atitudes crescentes de desafeição política e de desconfiança face aos partidos, declínio dos níveis de filiação partidária e apelos de maior abertura e modernização dos par- tidos (Scarrow 1999; Kittilson e Scarrow 2003; Van Haute 2009; Wauters 2009; Scarrow e Gezgor 2010; Whiteley 2011; Van Biezen, Mair e Po- guntke 2012).

Para Scarrow (2005), se os partidos atribuem grande relevância aos as- petos processuais, ou seja, aos elementos participativos da democracia, procurarão criar internamente estruturas que permitam aos cidadãos in- fluenciar as propostas que apresentam aos seus eleitorados, ao passo que se estiverem mais focados nos resultados, conforme a visão liberal da de- mocracia, procurarão criar estruturas que facilitem a apresentação de op- ções programáticas claras aos eleitores (Scarrow 2005, 3-4). Cross e Katz (2013) convergem com Scarrow (2005) neste ponto, mas também salien- tam o facto de que os partidos enfrentam desafios específicos em termos de participação, inclusividade ou descentralização que influenciam as suas escolhas em termos de DIP (Cross e Katz 2013, 2).

A este propósito, uma das interpretações mais provocadoras para in- terpretar a tendência de inclusão dos membros nos processos de tomada de decisão é dada pela teoria do partido cartel de Katz e Mair (1995 e 2009). Segundo estes autores, os líderes partidários mudam as regras in- ternas, no sentido de democratizar os processos decisórios, com o obje- tivo de disfarçar a centralização do poder e o reforço da sua própria au- tonomia dentro da organização (Katz e Mair 1995 e 2009). Isto é possível

porque os partidos reforçam os poderes dos militantes «tendencialmente mais atomizados e passivos» à custa dos poderes dos delegados, dos ati- vistas e dos líderes subnacionais, alegadamente mais radicais. O resultado é pois o enfraquecimento das estruturas intermédias e o reforço da auto- nomia do líder (Katz 2001).

Os estudos até aqui mencionados indicam que a DIP é um conceito empiricamente difícil de balizar mas que está particularmente associado ao continuum inclusividade/exclusividade e ao grau de abertura dos proces- sos internos a novos atores. Este tem sido o ponto de partida para vários estudos que mediram a DIP a partir dos estatutos dos partidos, mesmo que focando fenómenos distintos como a democratização do processo de escolha do líder ou dos candidatos a eleições. Dentro desta literatura encontram-se alguns estudos, ainda que em menor número, sobre as per- ceções, as preferências e o grau de satisfação dos militantes no que diz respeito aos mecanismos de democracia interna e às oportunidades de participação e de influência formalmente oferecidas pelos seus partidos. Estes estudos sugerem, de um modo geral, que existem diferenças signi- ficativas entre militantes de diferentes partidos e entre diferentes tipos de militantes quando avaliam o grau de DIP do seu partido (Young e Cross 2002; Saglie e Heidar 2004; Wauters 2009; Van Holsteyn e Koole 2009; Baras et al. 2012; Sandri 2012; Sandri e Amjahad 2015).

Estudos sobre a democracia intrapartidária