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O retrato que aqui se intenta deixar a traços largos sobre a militância ficaria muito incompleto sem que fosse feita uma apresentação dos va- lores médios das taxas de militância em Portugal e na Europa, comple- mentada com uma panorâmica da evolução dos números absolutos de filiados.

As taxas que estão condensadas no quadro 1.2 foram obtidas para os anos de 2002 a 2010, pelo European Social Survey (ESS),20relativamente

aos países participantes, através da resposta à única questão de saber junto dos inquiridos se estes eram membros de um partido político. Uma vez que a simples consideração isolada dos números portugueses poderia dar uma imagem pouco percetível em termos comparados, optou-se pela sua integração no conjunto de todos os países que constam das levas do ESS relativas a essa variável. Deste modo, verifica-se que entre 2002 e 2010 os valores médios da militância em Portugal oscilaram entre 5,8 e 2,0, respetivamente. No intervalo registaram-se valores que correspondem a 4,0 em 2004, 3,6 em 2006 e 1,9 em 2008. Será necessário aguardar por próximos trabalhos onde figure este indicador para se poder perceber se a variação ocorrida entre 2008 e 2010, que atenta a margem de erro será igual a zero, correspondeu a uma efetiva tendência de recuperação, ou se foi um movimento oscilatório sem continuidade.

Quadro 1.2 – Taxas de militância na Europa com base em inquéritos 2002-2010 (%)*

2002 2004 2006 2008 2010 Membro de partido Sim Sim Sim Sim Sim Áustria 14 14,8 15,7 – – Bélgica 6,7 6,4 6,5 4,3 5,6 Bulgária – – 6,2 5,8 5,2 Suíça 8,4 7,3 6,7 5,7 6,8 Chipre – – 17,5 14,1 11,1 República Checa 3,1 2,9 – 2,8 2,6 Alemanha 3,3 2,7 4,1 3,1 3,4 Dinamarca 6,3 5,9 6,5 7,1 6,2 Estónia – 2,3 3,5 5,6 4,6 Espanha 3,6 4,0 2,6 1,2 2,0 Finlândia 7,2 6,9 7,3 6,5 6,2 França 2,2 1,7 2,2 2,2 2,5 Reino Unido 2,7 2,3 2,3 1,9 1,5 Grécia 4,9 7,4 – 7,5 4,5 Croácia – – – 13,3 9,1 Hungria 1,6 0,7 1,4 0,8 1,1 Irlanda 4,2 4,8 4,2 4,3 4,1 Islândia – 19,5 – – – Israel 9,5 – – 4,6 4,0 Itália 4 – – – – Letónia – – – 0,8 – Lituânia – – – – 2,3 Luxemburgo 7,6 7,8 – – – Holanda 4,6 6,0 5,2 5,4 4,9 Noruega 8,3 8,1 8,6 6,5 6,9 Polónia 1,7 1,1 1,1 1,1 0,7 Portugal 5,8 4,0 3,6 1,9 2,0 Roménia – – – 6,2 – Rússia – – 2,9 3,6 3,7 Suécia 8,4 6,8 6,4 6,5 7,0 Eslovénia 4,9 3,5 5,1 4,6 3,9 Eslováquia – 2,0 2,0 1,5 1,0 Turquia – 8,2 – 3,9 – Ucrânia – 2,8 5,6 2,8 3,5 Total 3,8 3,9 3,6 3,3 3,2 N 45 982 51 367 61 712 72 430 63 943

Fonte: European Social Survey – ESS1-2002, ed.6.4, ESS2-2004, ed.3.4, ESS3-2006, ed. 3.5, ESS4-2008, ed.4.3, ESS5, ed.3.2.

* Em 2012 o ESS não incluiu a pergunta sobre se o inquirido era militante (ponderado para a dimensão populacional, após estratificação e de acordo com o design).

Os números relativos aos filiados não constituem em Portugal objeto de registo centralizado. A obtenção desses números por parte dos inves- tigadores fica assim dependente da boa vontade dos partidos, que nem sempre se dispõem a colaborar fornecendo tais dados. Quando tal acon- tece, nalguns casos, também não se afigura possível confirmar a sua fide- lidade. Nada que, afinal, se apresente como novidade (Bosco e Morlino, 2006).21A informação que poderia completá-los conferindo-lhes segu-

rança não é fornecida, o que se comprova pela ausência de números re- lativos às saídas, seja por expulsão, abandono ou falta de pagamento de quotas.

Em todo o caso, tem vindo a ser compilado ao longo dos anos um conjunto de dados, por diversos autores nacionais e estrageiros, que de uma forma bastante aproximada nos revelam uma imagem daquela que tem sido a evolução da militância em Portugal.

Dos partidos com representação parlamentar só o CDS-PP, o PSD, o PS e o PCP atravessaram todo o período que vai de 1974, ano de reim- plantação do regime democrático, até ao presente (2015). O BE foi criado em março de 1999. Quanto ao PEV, o partido foi constituído em 15 de dezembro de 1982.

Olhando para os quatro maiores partidos que percorreram todo o ciclo democrático, verifica-se que há três períodos distintos. Um primeiro pe- ríodo de crescimento que começa em 1974, ano a partir do qual se assiste a um aumento consistente do número de militantes, e que se prolonga, nos casos do PCP e do PS, até meados da década de 80 do século XX.

A seguir, abre-se um segundo período de alguma indefinição durante a década de 90, em que os números ora sobem, ora descem, sem que seja possível encontrar um fio comum a esses movimentos em todos os par- tidos. O terceiro período coincidirá com a queda dos números a partir da segunda metade da primeira década do século XXI. O PSD depois de ter

visto os seus efetivos reduzirem-se a menos de metade em 1999 – por comparação com 1996, em consequência de uma operação de atualização de ficheiros (Bosco e Morlino 2006, 333; Lisi 2011, 84) –, continuou a crescer até 2008, começando então a sua redução. No PS, também a partir deste último ano se assistiu a uma significativa redução de efetivos. No caso do PCP verificou-se uma redução substancial de militantes entre 2001 (131 000) e 2004 (77 500), a que se seguiu um período de estabiliza-

21«Any researcher who has ever tried to get membership data from party officials, ho-

wever, knows only too well that there is no way of checking the reliability of these figures» (Bosco e Morlino 2006, 333).

ção até 2006, data a partir da qual voltou a cair fixando-se em cerca de 60 000 (2012).

Não havendo registos anuais, existem saltos nalguns anos em que não há dados. De qualquer modo, quanto ao PCP, este partido terá atingido o número máximo de militantes por volta de 1983, 200 753, começando a partir daqui a decrescer até atingir em 2012, último ano em relação ao qual se possuem dados, o número de 60 484. Ou seja, menos de 1/3 do número máximo de 20 anos antes. No PS verifica-se uma quebra entre 1982, onde surge com 125 648 militantes, e 1986, quando o número se reduz para 46 655. A partir deste último ano os números da militância no PS voltam a crescer até ascenderem em 2000 a 124 611. Depois, os números caem em 2002, para 66 917, altura a partir da qual voltam a as- cender gradualmente até atingirem o valor de 89 000 em 2006. Não há números de 2007, mas em 2008 surge uma nova quebra para 52 491. Os números sobem então de novo, sem nunca mais se atingir as cifras ante- riores, estabilizando em 2014 em 90 736 militantes. Importa referir que as quebras de 1986 e 2002 refletem as operações de refiliação que nesses momentos foram empreendidas para limpeza de ficheiros.

Em relação ao PSD é possível descortinar uma evolução constante de tendência crescente desde 1974 até 1996. A partir deste ano o partido foi perdendo militantes. Apesar de ainda ter conseguido recuperar um nú- mero considerável entre 2003 e 2009, depois de 1996 a tendência de perda prosseguiu até apresentar 102 613 membros (fevereiro de 2014). O PSD é o maior partido português em número de militantes.

Notaram-se algumas pequenas divergências na recolha efetuada relati- vamente a alguns anos intermédios e mais recuados entre os números apre- sentados pelos autores, as quais não são significativas e que, por isso, não alteram as tendências registadas e o sentido da análise. O facto de os nú- meros terem sido obtidos junto dos partidos é mais um sinal do pouco rigor que nalguns casos foi colocado na feitura dos registos, tendo-se op- tado onde se verificaram maiores discrepâncias pelas fontes mais recentes. Considerando o que na primeira parte foi referido quanto ao acolhi- mento constitucional dos partidos e das regras da militância, olhando para os dados disponíveis, não se pode afirmar que as alterações ocorridas tenham tido influência na evolução dos números da militância, ou que esta tenha sido influenciada em termos positivos ou negativos pelas mu- danças.

Todavia, seria interessante que se pudesse avançar com uma linha de investigação que permitisse também apurar qual a influência que as regras legais e estatutárias têm na adesão. Isto é, saber se concorrem para níveis

mais elevados de militância, se motivam o abandono por parte dos mi- litantes ou se contribuem para o alheamento dos cidadãos. Aguarda-se, pois, com alguma expectativa a reação dos outros partidos à introdução das primárias no PS, aliás na sequência do processo inovador para o que o jovem partido LIVRE contribuiu, e à abertura do universo da partici- pação interna aos simpatizantes. Um dos desafios que se levanta será o de perceber qual vai ser o seu estatuto efetivo e como é que os militantes estarão dispostos a encará-lo face ao seu próprio papel. Outro passará por avaliar até que ponto a atribuição de um papel mais central aos sim- patizantes não constituirá mais um fator de desinteresse e encolhimento da militância, eventualmente sugerindo modelos de participação que se afastem dos que até ao presente conhecemos. Certo é que a chegada dos simpatizantes, a avaliar pelos números das primárias do PS, poderá vir a constituir um fenómeno suscetível de colocar em risco as opções dos próprios militantes e o papel que estes exerceram ao longo de décadas sobre as escolhas da organização, tanto políticas como em matéria de se- leção de candidatos.

Relativamente a este último ponto refira-se ainda a experiência inédita ocorrida recentemente com a escolha dos candidatos a deputados do LIVRE. Este partido, constituído em 2014 e reconhecido pelo TC através da respetiva inscrição em 19 de março desse ano (Acórdão n.º 255/2014), aprovou no seu congresso fundacional a primeira versão dos respetivos estatutos. No artigo 8.º, n.º 1, consagrava-se o método das eleições diretas para a escolha dos dirigentes do partido e, naquilo que constitui uma inovação, determinava-se que a escolha dos candidatos do partido a elei- ções gerais exteriores ao partido fosse feita através de eleições primárias. Logo após a sua constituição e legalização, o LIVRE iniciou o seu pro- cesso de participação nas eleições europeias, admitindo desde logo que cidadãos independentes, sem percurso partidário anterior, se autopropu- sessem para serem candidatos. Aos pré-candidatos que se apresentassem exigia-se apenas que subscrevessem a declaração de princípios do partido, bem como o respetivo código de ética, apoiando o programa e a moção eleitoral, e que aceitassem preencher o questionário político, cumprindo as exigências de natureza formal. Numa segunda fase, os eleitores que se tivessem inscrito, subscrevendo o manifesto eleitoral e pagando dois euros para o financiamento do partido, poderiam participar na votação.

A experiência iniciada pelo LIVRE em 2014 seria prosseguida com o PS no processo de escolha do atual secretário-geral, que teve lugar meses depois, em setembro, com uma participação significativamente superior, tendo-se inscrito cerca de 250 000 eleitores, dos quais acabaram por par-

ticipar na votação mais de 178 000. Já em 2015, para efeitos de escolha dos seus candidatos à Assembleia da República para as legislativas de 4 de outubro, o processo das diretas do LIVRE voltou a repetir-se. Ins- creveram-se então 7850 pessoas, das quais cerca de 2500 eram cidadãos sem filiação. Na votação final participaram 2096 pessoas para escolherem os candidatos de um universo de 385 pré-candidatos.

De acordo com o atual regulamento aprovado pelo LIVRE, o principal objetivo das primárias é a definição da ordenação e composição das listas dos candidatos a deputados, pretendendo-se com tal modelo «granjear uma ampla participação de subscritores e apoiantes da candidatura». Com tal modelo de primárias abertas a todos, o partido queria introduzir um processo inovador de escolha de candidatos, de certa forma adap- tando à realidade nacional experiências anteriormente seguidas em França, em Itália, na Grécia, no México, em Taiwan, no Reino Unido e na Alemanha.

Quanto aos demais partidos, no que ao BE concerne, temos que de- vido à sua criação tardia, por comparação com os demais partidos, apenas se têm dados a partir de 1999. Apesar das vicissitudes por que tem pas- sado a nível da sua direção, o BE ainda apresenta uma tendência de cres- cimento. Em Setembro de 2014 o número dos seus militantes cifrava-se em 9264. Sabendo-se que o BE passou pela dissidência de algumas figuras que tiveram projeção nos últimos anos, aliada a uma fase de indefinição motivada pelas mudanças na sua liderança com a introdução de modelos pouco testados – direção bicéfala a que se seguiu a introdução de um modelo colegial ou de ausência de líder – e mudanças estatutárias, há ex- pectativa no acompanhamento da sua evolução.

Os números relativos ao CDS-PP que aqui se apresentam foram for- necidos pelo próprio partido e suscitam-nos dúvidas. Não quanto ao nú- mero atual dos seus militantes, mas quanto à respetiva evolução. De acordo com os dados fornecidos por esse partido, o CDS-PP nunca per- deu militantes e cresceu sempre desde 1974 até ao presente. Se perdeu militantes desconhece-se quantos, nem quando, sendo certo que o par- tido passou por diversas fases e mudanças na sua direção que levaram à saída de militantes. No entanto, desconhece-se qual o respetivo impacto por não terem sido fornecidos quaisquer números quanto à defeção. A figura seguinte ilustra a evolução do que acaba de se apresentar.

Quadro 1.3 – Evolução da militância (números absolutos) 1974-2014 BE PCP PS PSD CDS 1974 – 14 593 35 971 10 875 – 1975 – 100 000 81 654 20 445 123 1976 – 115 000 91 563 25 011 185 1977 – – – 292 1978 – 142 512 96 563 495 1979 – 164 713 107 732 32 267 809 1980 – 187 018 115 762 – 1 293 1981 – – – – 2 109 1982 – – 125 648 – 2 999 1983 – 200 753 – – 3 731 1984 – – – 67 324 4 008 1985 – – – – 4 792 1986 – – 46 655 89 899 5 213 1987 – – – 101 454 5 480 1988 – 199 275 – – 5 850 1989 – – 62 117 – 6 111 1990 – – 55 558 125 386 6 326 1991 – – 59 869 139 253 6 440 1992 – 163 506 65 447 143 075 6 690 1993 – – 68 498 162 496 7 023 1994 – – 74 127 171 931 7 574 1995 – – 81 358 181 390 8 317 1996 – 140 000 90 062 183 630 9 253 1997 – – – – 9 652 1998 – – 96 107 – 11 036 1999 1 000 131 000 114 974 77 055 11 534 2000 – 131 504 124 611 87 290 11 894 2001 – 131 000 122 548 93 000 12 843 2002 3 000 – 66 917 – 14 112 2003 5 035 131 000 74 949 115 895 15 470 2004 – 77 500 75 949 121 420 16 356 2005 5 200 77 500 90 629 116 000 17 067 2006 6 900 80 000 89 000 142 673 17 579 2007 7 000 58 928 – 140 000 18 844 2008 6 700 59 000 52 491 153 000 * 19 686 2009 – – 55 887 153 361 21 129 2010 8 000 58 928 61 664 131 488 23 464 2011 8 311 – 68 065 – 27 665 2012 8 025 60 484 84 396 113 161 29 555 2013 88 652 31 885 2014 9 264 90 736 102 613 33 490 Fontes: Van Biezen (1998, 48), Jalali (2007, 82), Lisi (2011, 85-86), Espírito Santo (2011), Rainho (2012), Sá Lourenço (2013) e partidos (dados diretamente fornecidos em 2014, quanto ao CDS, PSD e BE; 2015 quanto ao PS).

Conclusão

Da breve análise efetuada e em relação aos dois pontos principais de focagem – quadro legal e regulamentar de exercício da militância e evo- lução dos números desta – retêm-se duas notas principais. A primeira res- peita ao quadro legal e regulamentar e é divisível em três ideias que se completam, demonstrando-nos que (i) a militância não foi objeto de uma receção expressa pela democracia portuguesa apresentando-se como uma modalidade de participação política relevante no quadro dos partidos políticos e da liberdade de associação contemplada na legislação para-constitucional. Na fase de democracia tutelada, a militância surge condicionada pelo papel reservado aos partidos no período revolucionário e de transição democrática. Depois, atingida a plenitude democrática pela extinção do Conselho da Revolução, ganharia progressiva consistência até serem direta e constitucionalmente consagrados, em 1997, os princí- pios da gestão e organização democrática dos partidos e da participação de todos os seus membros no âmbito dos partidos políticos. A segunda ideia reside na (ii) construção de um quadro que não se esgota no texto constitucional mas que ganha continuidade e conteúdo mais desenvol- vido na LPP onde lhe foi reservado um capítulo específico. A terceira ideia tem a ver com (iii) a consolidação da essencialidade da militância na vida Figura 1.1 – Evolução da militância em Portugal 1974-2014

210 000 200 000 190 000 180 000 170 000 160 000 150 000 140 000 130 000 120 000 110 000 100 000 90 000 80 000 70 000 60 000 50 000 40 000 30 000 20 000 10 000 0 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 198 7 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 199 7 1998 1999 2000 2001 1002 2003 2004 2005 2006 200 7 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Militantes BE PCP PS PSD CDS

dos partidos através do tratamento que lhe é dado pelos estatutos, que li- mitados pela malha constitucional e legal pouco podem acrescentar ao que já decorria dos referidos textos.

A segunda nota refere-se à evolução dos efetivos da militância. Uma perspetiva longitudinal cobrindo o período de 1974 a 2014 confirma uma redução significativa dos números absolutos, que tendo atingido um pico de 422 945 militantes em 1996,22com os cinco maiores partidos, desceu

em 2012, último ano em relação ao qual se obtiveram dados para esses mesmos cinco partidos, para 294 749, ou seja, o equivalente a uma des- cida grosso modo de 30,5%. Desconhecemos, porque tal não foi facultado, quais os números reais do abandono, por via da dissidência, expulsão ou abate administrativo em resultado do não-pagamento de quotas, mas este último dado tenderá em nossa perspetiva a desvalorizar-se face à al- teração estatutária recentemente aprovada pelo PS que, pela dimensão e importância deste partido no sistema português, poderá indiciar uma mudança nessa matéria que, a breve prazo, se poderá vir a traduzir ou num aumento do número de militantes ou, se este não for o caminho desejado pelos seus apoiantes, num incremento dos simpatizantes. De qualquer modo é cedo, e os dados manifestamente insuficientes, para se retirarem outras conclusões, sendo necessário aguardar a prova do tempo para se aferir a dimensão das mudanças que se perspetivam.

O trabalho realizado confirmou, todavia, a ideia de que a legislação e regulamentação dos partidos em Portugal é bastante completa, sem que com isso se limite a sua capacidade modernizadora e apetência para in- trodução de inovações e novas experiências tendentes a um maior en- volvimento da militância e alargamento da participação nas escolhas que têm de ser feitas através dos processos das primárias e das diretas, por exemplo. Se quanto ao segundo, das diretas, não se têm levantado críticas de maior, já em relação às primárias são várias as apreensões que tais pro- cessos causam. A sua generalização dentro de um sistema de partidos na- cional recomendaria a adoção de regras uniformizadoras. Este requisito não poderia ficar preenchido sem que houvesse uma intervenção legis- lativa que, à semelhança do que acontece já em relação a outras matérias (escolha dos órgãos próprios, estatutos), definisse as balizas do processo, isto é, o quem, como e quando da participação dos não-militantes. Tam- bém em matéria de financiamento se levantam problemas porque o pro- cesso envolve custos com os quais, em regra, os partidos habitualmente não contavam e que terão de ser financiados. Por um lado, é verdade

que se aumenta o leque dos participantes, tornando-se o processo mais inclusivo, mais participado e mais mobilizador, só que ao mesmo tempo é também capaz de suscitar apreensões a nível da elite média interna dos partidos, na medida em que tal processo tende a escapar ao seu controlo. A inclusividade do processo das primárias abertas, permitindo a inscrição e participação de indivíduos sem nenhum vínculo formal ao partido, ameaça que estes se tornem decisivos no processo fundamental das es- colhas, influenciando as dinâmicas internas, o que poderá ter eventuais repercussões na própria organização partidária (Sandri e Sedonne 2014). As primárias abertas acabam por colocar em pé de igualdade militantes e não-militantes, retirando aos primeiros aquela que era uma das suas prerrogativas tradicionais em matéria de poderem orientar as escolhas, diminuindo-lhes o poder e a influência (Bernardi e Valbruzzi 2011). Num segundo momento poderá mesmo acelerar o próprio processo de deser- tificação dos partidos, aumentando o seu alheamento da participação in- terna fora dos períodos eleitorais. Como salienta Bennie (2013), se os que estão fora podem aceder aos mesmos benefícios dos militantes, então porquê ser militante? Por agora ainda se desconhece o impacto que as primárias abertas poderão vir a causar nos partidos tradicionais, embora, como já foi salientado, os partidos continuem a necessitar dos membros e o envolvimento de não-militantes possa indiciar um processo de adap- tação dos partidos (Fisher, Fieldhouse e Cutts 2014) com a passagem de um tipo de participação mais apoiado nos militantes para um outro que conta mais com aqueles que não possuindo vínculos formais estão dis- postos a participar através de modelos diferentes.

Como nota final seria interessante que o legislador nacional, tal como acontece noutros ordenamentos, designadamente Estónia, Lituânia e Sér- via, impusesse aos partidos, para maior transparência do sistema, análise da evolução da militância e monitorização dos níveis de participação, o depósito regular junto do TC de listas contendo a evolução dos números dos seus militantes. Estas listas poderiam depois ser divulgadas pelo pró- prio TC, com proteção da identidade dos militantes, em que para além da menção aos ativos constassem os números dos abatidos por decisão pessoal, abate administrativo ou expulsão.

Concretizando sumariamente o que vem de afirmar-se, dir-se-á que olhando-se o papel que já hoje é desempenhado pelo TC e o conjunto de funções que a sua ação concentra em relação aos partidos políticos, haveria todo o interesse em reforçar os mecanismos de transparência em relação a estes. Como resulta da informação que acima se deixou, a fia- bilidade dos números da militância continua a ser discutível. E, no en-

tanto, um controlo mais próximo da sua evolução pode vir a revelar-se um auxiliar precioso, não só de qualquer interessado e dos partidos, que dessa forma poderão acompanhar também o que se passa nos seus con- géneres, mas igualmente para o trabalho de investigadores e do legislador, que estarão em condições de poderem aceder de forma mais fácil e mais rápida aos indicadores de evolução necessários ao respetivo trabalho. A informatização da informação disponível é hoje a regra, assim como a proteção dos dados pessoais, matérias a que o próprio TC tem sido sensível, pelo que não haveria que temer essa concentração de dados em tal instituição.

A preocupação que tem sido manifestada por académicos, por depu- tados, e partilhada pelos próprios partidos quanto à redução da partici- pação, de que a análise dos números da militância continua a ser um dado fundamental e que, como acima se viu, tem pleno cabimento quando se olha para a evolução das últimas décadas, também implicaria uma outra forma de se olhar para a disponibilização dos dados relativos à militância. Importaria que o acompanhamento da sua evolução pu-