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A CONSTITUIÇÃO DAS INSTITUIÇÕES INCLUSIVAS

PEQUENAS DIFERENÇAS E CONJUNTURAS CRÍTICAS: O PESO DA HISTÓRIA

A CONSTITUIÇÃO DAS INSTITUIÇÕES INCLUSIVAS

A Inglaterra foi um caso único entre as nações ao fazer a passagem para o crescimento econômico sustentado, no século XVII. Grandes mudanças econômicas foram precedidas por uma revolução política que produziu um conjunto especí ico de instituições políticas e econômicas, muito mais inclusivas do que as encontradas em qualquer sociedade anterior. Essas instituições teriam profundas implicações, não só em termos de prosperidade e incentivos econômicos, mas também de quem poderia colher os frutos da prosperidade. Baseavam-se não em um consenso, mas, pelo contrário, nasceram de intensos con litos entre diferentes grupos disputando o poder, contestando a autoridade alheia e tentando estruturar instituições em seu próprio bene ício. O apogeu dessas querelas institucionais dos séculos XVI e XVII deu-se em dois eventos-chave: a Guerra Civil inglesa, entre 1642 e 1651, e sobretudo a Revolução Gloriosa de 1688.

A Revolução Gloriosa restringiu o poder do monarca e do Executivo, e deslocou para o Parlamento a possibilidade de determinar as instituições econômicas. Ao mesmo tempo, abriu o sistema político para um amplo corte transversal da sociedade, aumentando a parcela da população capaz de exercer considerável in luência sobre o funcionamento do Estado. A Revolução Gloriosa foi a pedra angular de uma sociedade pluralista, tendo não só se apoiado em, mas também acelerado, um processo de centralização política. Criou o primeiro conjunto de instituições políticas inclusivas no mundo.

Por conseguinte, as instituições econômicas também começaram a tornar-se mais inclusivas. Nem a escravidão nem as rígidas restrições econômicas do período medieval feudal, como a servidão, existiam na Inglaterra no princípio do século XVII. Não obstante, havia muitas restrições às atividades econômicas às quais as pessoas podiam se dedicar. Tanto a economia doméstica quanto a internacional estavam estranguladas por monopólios. O Estado determinava impostos arbitrários e manipulava o sistema legal. A maior parte da terra estava submetida a formas arcaicas de direitos de propriedade, que impossibilitavam sua venda e faziam dela um investimento demasiadamente arriscado.

A situação mudou após a Revolução Gloriosa. O governo adotou uma série de instituições econômicas que ofereciam incentivos ao investimento, comércio e inovação. Os direitos de propriedade, inclusive patentes que concediam direitos sobre ideias, foram assegurados com irmeza, estimulando assim a inovação. O Estado começou a garantir a lei e a ordem, e a lei inglesa passou a valer para todos os cidadãos – algo que não tinha precedentes históricos. Os tributos arbitrários foram descontinuados, sendo abolidos quase por completo. O Estado promovia agressivamente as atividades mercantis e trabalhava na promoção da indústria nacional, não só removendo barreiras à expansão da atividade industrial, mas também se valendo de todo o poderio da Marinha inglesa para resguardar interesses mercantis. Ao racionalizar os direitos de propriedade, facilitou a construção de infraestrutura − sobretudo estradas, canais e, mais tarde, ferrovias − que se provaria crucial para a expansão industrial.

Tais fundamentos alteraram de forma decisiva os incentivos dados à população e impeliram os motores da prosperidade, preparando o terreno para a Revolução Industrial. Antes e acima de tudo, a Revolução Industrial dependeu de grandes avanços tecnológicos baseados no conhecimento acumulado na Europa ao longo dos séculos passados. Representou uma ruptura radical com o passado, que só foi possível graças ao método cientí ico e aos talentos de diversos indivíduos especiais. A plena força dessa revolução veio do mercado, que criou oportunidades rentáveis para o desenvolvimento e aplicação de tecnologias. Foi a natureza inclusiva dos mercados que permitiu às pessoas alocarem seus talentos nas linhas mais adequadas de negócios. A educação e as competências deram também sua contribuição, à medida que foram os níveis relativamente altos de educação, pelo menos pelos padrões da época, que possibilitaram a emergência de empreendedores dotados de su iciente visão para empregar as novas tecnologias em seus negócios e procurar trabalhadores

com as habilidades necessárias para manejá-las. Não é coincidência que a Revolução Industrial tenha iniciado na Inglaterra, poucas décadas após a Revolução Gloriosa. Grandes inventores, como James Watt (que aprimorou o motor a vapor), Richard Trevithick (construtor da primeira locomotiva a vapor), Richard Arkwright (inventor de uma máquina de iar algodão hidráulica) e Isambard Kingdom Brunel (construtor de vários navios a vapor revolucionários), puderam aproveitar as oportunidades econômicas geradas por suas ideias, con iando em que seus direitos de propriedade seriam respeitados, e tiveram acesso a mercados nos quais suas inovações poderiam ser vendidas e utilizadas de maneira rentável. Em 1775, logo após renovar a patente de seu motor a vapor, que chamava de “máquina de fogo”, James Watt escreveu a seu pai:

Caro pai,

Após uma série de várias e violentas oposições, inalmente obtive um decreto do Parlamento investindo-me e aos meus representantes na propriedade de minhas novas máquinas de fogo por toda a Grã- Bretanha e latifúndios pelos próximos 25 anos, o que, espero, ser-me- á muito benéfico, visto que existe já considerável demanda para elas. A carta revela duas coisas. Primeiro, Watt estava motivado pelas oportunidades de mercado que antevia: a “considerável demanda” na Grã- Bretanha e seus latifúndios, as colônias ultramarinas inglesas. Em segundo lugar, mostra como ele foi capaz de in luenciar o Parlamento de modo a obter o que queria, uma vez que este se mostrava responsivo aos apelos de indivíduos e inovadores.

Os avanços tecnológicos, o impulso de expansão e investimento das empresas e o uso e iciente de competências e talentos foram viabilizados pelas instituições econômicas inclusivas desenvolvidas na Inglaterra – estas, por sua vez, baseadas nas instituições políticas inclusivas do país.

A Inglaterra desenvolveu tais instituições políticas inclusivas em virtude de dois fatores. Primeiro, foram as instituições políticas, entre elas um Estado centralizado, que lhe permitiriam dar o passo seguinte, radical e inédito, rumo a instituições inclusivas com a de lagração da Revolução Gloriosa. Embora esse elemento tenha colocado a Inglaterra em situação claramente distinta da maior parte do mundo, não a diferenciou de maneira muito signi icativa de outros países da Europa Ocidental, como França e Espanha. Mais importante foi o segundo fator: a escalada de eventos que precipitaram a Revolução Gloriosa forjou ampla a poderosa

coalizão, capaz de impor restrições duradouras ao poder da Coroa e do Executivo, forçando-os assim a abrir-se às reivindicações de tal coalizão – o que lançou as bases de instituições políticas pluralistas, as quais por sua vez possibilitaram o desenvolvimento das instituições econômicas subjacentes à primeira Revolução Industrial.