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NINGUÉM ESCREVE DE VINDOLANDA

PEQUENAS DIFERENÇAS E CONJUNTURAS CRÍTICAS: O PESO DA HISTÓRIA

NINGUÉM ESCREVE DE VINDOLANDA

Em 43 d.C., o imperador romano Cláudio havia conquistado a Inglaterra, mas não a Escócia. Uma derradeira tentativa, em vão, foi feita pelo governador romano Agrícola, que desistiu e, em 85 d.C., erigiu uma série de fortalezas para proteger a fronteira norte inglesa. Destas, uma das maiores localizava-se em Vindolanda, situada 56 quilômetros a oeste de Newcastle e representada no Mapa 11, no extremo noroeste do Império Romano. Mais tarde, Vindolanda seria incorporada à muralha defensiva de 136 quilômetros de extensão construída pelo imperador Adriano; em 103 d.C., porém, quando Cândido, centurião romano, encontrava-se estacionado ali, era ainda um forte isolado. Cândido, que tinha um acordo com seu amigo Otávio acerca do abastecimento da guarnição romana, recebeu deste a seguinte resposta a uma carta que havia enviado:

Otávio a seu irmão Cândido, saudações.

Por diversas vezes, já te escrevi que comprei aproximadamente 5 mil modii de espigas de grãos, por conta dos quais necessito de dinheiro. A menos que me remetas pelo menos 500 denarii, estarei em risco de perder os cerca de 300 denarii por mim depositados em caução, o que me poria em situação constrangedora. Diante disso, peço-te que me envie algum dinheiro tão breve quanto possível. Os couros a que te referes encontram-se em Cataractônio – ordena que me sejam entregues, bem como ao carro por ti mencionado. Eu já os teria ido buscar, mas não quis expor os animais estando as estradas ainda ruins. Vê com Tércio sobre os 8,5 denarii que ele recebeu de Fatal e não creditou em minha conta. Trata de enviar-me o dinheiro, para que eu possa mandar debulhar as espigas. Minhas saudações a Espétato e Firmo. Adeus.

A correspondência entre Cândido e Otávio aponta certas facetas signi icativas da prosperidade da Inglaterra romana: uma so isticada economia monetária, dotada de serviços inanceiros; a presença de estradas construídas, mesmo que às vezes em más condições; a presença de um sistema iscal que arrecadava impostos para arcar com os soldos de

Cândido; e, mais evidentemente, que ambos eram alfabetizados e capazes de tirar proveito de um serviço postal de algum tipo. A Inglaterra romana bene iciava-se ainda da produção maciça de cerâmica de alta qualidade, particularmente em Oxfordshire; centros urbanos com banhos e edi ícios públicos; e técnicas de construção com uso de argamassa e telhas nos telhados.

No século IV, tudo isso estava em decadência – até que, a partir de 411 d.C., o Império Romano desistiu da Inglaterra. As tropas foram retiradas; os homens que icaram deixaram de ser remunerados e, com a ruína do Estado, os administradores foram expulsos pela população local. Em 450 d.C., todas essas evidências de prosperidade econômica haviam desaparecido. O dinheiro sumiu de circulação. As zonas urbanas foram abandonadas, e a pedra usada nas construções começou a ser reaproveitada. As estradas acabaram cobertas de mato. As peças de cerâmica deixaram de ser fabricadas em série e passaram a ser de confecção manual e rudimentar. O uso da argamassa caiu no esquecimento, e o conhecimento da escrita teve declínio substancial. Os telhados passaram a ser feitos de galhos, não mais telhas. Ninguém mais escrevia de Vindolanda.

Após 411 d.C., a Inglaterra entrou em colapso econômico e tornou-se um lugar pobre e atrasado – e não era a primeira vez. No capítulo anterior, vimos como a Revolução Neolítica teve início no Oriente Médio, por volta de 9500 a.C. Enquanto os habitantes de Jericó e Abu Hureyra moravam em aldeias e cultivavam o solo, os da Inglaterra ainda viviam da caça e da coleta, e desse modo permaneceriam por no mínimo outros 5.500 anos – e, mesmo assim, os ingleses não inventaram a agricultura nem a pecuária, trazidas de fora por imigrantes que, desde o Oriente Médio, foram se espalhando pela Europa ao longo de milhares de anos. Enquanto a população da Inglaterra adotava essas inovações, a do Oriente Médio inventava as cidades, a escrita e a cerâmica. Em 3500 a.C., grandes cidades como Uruk e Ur surgiram na Mesopotâmia, moderno Iraque. Uruk talvez chegasse a 14 mil habitantes em 3500 a.C., e a 40 mil pouco depois. A roda de oleiro foi inventada na Mesopotâmia mais ou menos na mesma época do transporte sobre rodas. A capital egípcia, Mên is, despontaria como cidade de grande porte logo em seguida. A escrita surgiu de maneira independente nas duas regiões. Enquanto os egípcios erguiam as grandes pirâmides de Gizé, por volta de 2500 a.C., os ingleses construíam seu mais famoso monumento antigo, o círculo de pedras em Stonehenge. Nada mal pelos padrões locais, mas não tinha tamanho para abrigar nem mesmo um

dos barcos cerimoniais enterrados na base da pirâmide do Rei Quéops. A Inglaterra continuaria atrasada, limitando-se a tomar emprestadas as criações do Oriente Médio e do resto da Europa até, e inclusive, o período romano.

Apesar de história tão pouco auspiciosa, foi lá que surgiu a primeira sociedade verdadeiramente inclusiva, e lá começou a Revolução Industrial. Já defendemos (páginas 80-89) a tese de que isso teria sido resultado de uma série de interações entre pequenas diferenças institucionais e circunstâncias críticas – por exemplo, a peste negra e a descoberta das Américas. A divergência inglesa teve origens históricas, mas o que vemos de Vindolanda indica que suas raízes não eram nem muito profundas nem, por certo, historicamente predeterminadas. Suas sementes não foram plantadas na Revolução Neolítica, nem mesmo durante os séculos de hegemonia romana. Em 450 d.C., no princípio do que os historiadores costumam chamar de Alta Idade Média, a Inglaterra havia voltado a submergir na pobreza e no caos político, e por centenas de anos não se instalaria lá um Estado centralizado eficaz.