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OS RUMOS CONTINGENTES DA HISTÓRIA

PEQUENAS DIFERENÇAS E CONJUNTURAS CRÍTICAS: O PESO DA HISTÓRIA

OS RUMOS CONTINGENTES DA HISTÓRIA

Os resultados dos acontecimentos durante circunstâncias críticas vão depender do peso da história, à medida que as instituições econômicas e políticas moldam o equilíbrio de poder e delineiam o que é viável politicamente. O resultado inal, porém, será contingente, e não sujeito a qualquer tipo de predeterminação histórica. O percurso exato do desenvolvimento institucional durante esses períodos se dará de acordo com qual das forças em con lito sairá vitoriosa, que grupos serão capazes de constituir coalizões e icazes e que líderes conseguirão estruturar os acontecimentos em benefício próprio.

O papel da casualidade pode ser ilustrado pelas origens das instituições políticas inclusivas na Inglaterra. Não somente nada havia de preestabelecido na vitória dos grupos que se bateram pela limitação do poder da Coroa e por instituições mais pluralistas na Revolução Gloriosa de 1688, como todo o caminho que conduziu a tal revolução política estava à mercê de acontecimentos fortuitos. Venceu quem venceu graças à circunstância crítica decorrente da ascensão do comércio atlântico, que enriqueceu e encheu de ânimo os comerciantes que faziam oposição à Coroa. Um século antes, contudo, nada menos óbvio do que a perspectiva de que a Inglaterra pudesse ter qualquer possibilidade de vir a dominar os mares, colonizar vasta parte do Caribe e da América do Norte ou apoderar- se de tão signi icativa parcela do lucrativo comércio com as Américas e o Oriente. Nem Elizabeth I nem qualquer dos Tudor que a antecederam no trono haviam construído uma Marinha poderosa e uni icada. A Marinha inglesa dependia de mercenários e navios mercantes independentes, o que a tornava muito menos respeitável do que a Armada Espanhola.

Entretanto, os lucros do comércio atlântico atraíram os mercenários, pondo em xeque o monopólio hispânico dos mares. Em 1588, os espanhóis resolveram dar um basta a tais desa ios ao seu domínio, bem como às interferências inglesas nos Países Baixos espanhóis, que na época batiam- se com a Espanha por sua independência.

O monarca espanhol Filipe II enviou sua poderosa Armada, comandada pelo Duque de Medina-Sidônia. O resultado óbvio, para muitos, era que os espanhóis esmagariam os ingleses, consolidando seu monopólio do Atlântico, e provavelmente derrubariam Elizabeth I, talvez mesmo adquirindo, em última instância, o controle das Ilhas Britânicas. O que se deu, porém, foi inteiramente distinto. O mau tempo e os erros estratégicos do duque – que fora encarregado do comando da frota na última hora, devido ao falecimento de um comandante mais experiente – izeram a Armada espanhola perder a vantagem. Contrariando todas as probabilidades, os ingleses destruíram boa parte da esquadra de seus mais poderosos adversários. O Oceano Atlântico estava agora aberto aos ingleses em termos mais igualitários. Sem essa improvável vitória dos ingleses, a cadeia de acontecimentos que criariam a circunstância crítica transformadora e engendrariam as instituições políticas pluralistas da Inglaterra pós-1688 jamais teria sido posta em movimento. O Mapa 9 mostra o rastro de naufrágios espanhóis durante a perseguição à Armada ao redor das Ilhas Britânicas.

Evidentemente, ninguém em 1588 poderia prever as consequências da feliz vitória inglesa. Provavelmente poucos compreenderam, na época, que o ocorrido constituiria uma circunstância crítica que, por sua vez, daria origem a uma grande revolução política, um século depois.

Não se presuma, porém, que determinada circunstância crítica vai necessariamente se desdobrar em uma bem-sucedida revolução política ou em mudanças para melhor. A história é repleta de exemplos de revoluções e movimentos radicais que substituíram uma tirania por outra, em um padrão que o sociólogo alemão Robert Michels alcunhou de “lei de ferro da oligarquia”, uma forma particularmente perniciosa de círculo vicioso.

Mapa 9: Armada Espanhola: naufrágios e pontos-chave que criaram a reviravolta

O im do colonialismo nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial gerou circunstâncias críticas para muitas das ex-colônias. Entretanto, na maioria dos casos na África subsaariana e em muitos da Ásia, os governos pós-independência meteram no bolso uma página do livro de Robert Michels e dedicaram-se a repetir e intensi icar os abusos perpetrados por seus predecessores, em geral estreitando ainda mais a distribuição de poder político, desmantelando restrições aos poderosos e solapando os já pí ios incentivos proporcionados pelas instituições econômicas aos investimentos e progresso econômico. Apenas em alguns poucos casos, em sociedades como a de Botsuana (ver páginas 313-320), as circunstâncias críticas foram usadas para de lagrar um processo de transformação política e econômica que preparou o terreno para o crescimento.

Do mesmo modo, as circunstâncias críticas podem acarretar uma guinada em direção a instituições extrativistas, em vez de um afastamento.

As instituições inclusivas, embora contem com seu próprio mecanismo de retroalimentação (o círculo virtuoso), também podem reverter seu curso e tornar-se paulatinamente mais extrativistas, em virtude de desa ios no seu decorrer – e se isso acontecerá ou não será, de novo, casual. A República Veneziana, como veremos no Capítulo 6, deu largos passos rumo a instituições políticas e econômicas inclusivas no período medieval; porém, enquanto tais instituições foram pouco a pouco se fortalecendo na Inglaterra após a Revolução Gloriosa de 1688, em Veneza acabariam se con igurando em instituições extrativistas, sob o controle de uma elite reduzida, de posse do monopólio, tanto das oportunidades econômicas quanto do poder político.