• Nenhum resultado encontrado

MUDANÇAS QUE DEPENDEM DA TRAJETÓRIA

O mundo estava mudando nas décadas de 1870 e 1880, e a América Latina não era exceção. As instituições estabelecidas por Por írio Díaz não eram idênticas às de Santa Ana ou do Estado colonial espanhol. A economia mundial apresentou um boom na segunda metade do século XIX, e inovações nos meios de transporte, como o navio a vapor e as ferrovias, resultaram em enorme expansão do comércio internacional. Tamanha onda de globalização signi icava que países ricos em recursos como o México – ou, para uma descrição mais adequada, suas elites locais – poderiam enriquecer mediante a exportação de matérias-primas e recursos naturais para a América do Norte ou a Europa Ocidental, então em pleno processo de industrialização. Díaz e seus companheiros viam-se, portanto, em um mundo muito diferente e em rápida transformação. Perceberam que também o México precisava mudar – o que não queria

dizer, todavia, que as instituições coloniais seriam extirpadas e substituídas por outras similares às norte-americanas; pelo contrário, a mudança a promover seria “dependente da trajetória”, g limitando-se a levar ao estágio seguinte as instituições que tanto já haviam contribuído para a pobreza e a desigualdade da América Latina. A globalização tornou valiosos os vastos espaços vazios das Américas, suas “fronteiras abertas”. De modo geral, eram terras que se encontravam vagas apenas de um ponto de vista mítico, pois eram habitadas por povos indígenas submetidos a uma brutal destituição. De todo modo, a corrida por esse recurso recém-valorizado foi um dos processos de inidores das Américas na segunda metade do século XIX. A súbita abertura da preciosa fronteira, porém, em vez de de lagrar processos paralelos nos Estados Unidos e na América Latina, contribuiu apenas para aprofundar as divergências, em virtude das diferenças institucionais já existentes – sobretudo aquelas que determinavam quem tinha acesso à terra. Nos Estados Unidos, uma longa série de atos legislativos, desde a Lei da Terra (Land Ordinance) de 1785 até a Lei da Propriedade Rural ( Homestead Act) de 1862, deu amplo acesso às terras de fronteira. Embora os povos indígenas tenham sido ignorados, instaurou-se assim uma fronteira igualitária e economicamente dinâmica. Na maior parte dos países da América Latina, todavia, as instituições políticas locais engendraram um resultado completamente distinto. As fronteiras foram repartidas entre os que já eram poderosos em termos políticos e os detentores de riqueza e dos contatos certos, multiplicando ainda mais seu poderio.

Díaz também se dedicou ao desmantelamento de vários legados institucionais dos tempos da colônia que estorvavam o comércio internacional, vislumbrando aí novas possibilidades de enriquecimento para si mesmo e seus partidários. Seu modelo, contudo, continuou não sendo o tipo de desenvolvimento econômico que se via ao norte do Rio Grande,h mas aquele de Cortés, Pizarro e Toledo, no qual a elite fazia

fortunas incalculáveis enquanto o resto da população permanecia à margem. Quando a elite investia, a economia apresentava um pequeno crescimento – fadado, no entanto, a ser decepcionante, além de sobrevir sempre em detrimento daqueles desprovidos de direitos nessa nova ordem. Foi o caso, por exemplo, do povo yaqui, de Sonora, sertão de Nogales: entre 1900 e 1910, possivelmente 30 mil yaquis foram deportados (em essência, escravizados) e enviados para trabalhar nos latifúndios de agave de Iucatã. (As ibras do agave constituíam um importante item de exportação, dada sua utilidade na confecção de cordas

e barbante.)

A persistência, século XX adentro, de um padrão institucional especí ico incompatível com o crescimento no México e América Latina é bem ilustrada pelo fato de que, como no século XIX, tal padrão continuou gerando estagnação econômica e instabilidade política, golpes e guerras civis, à medida que os grupos digladiavam pelos bene ícios do poder. Díaz inalmente perdeu o poder para forças revolucionárias em 1910. À Revolução Mexicana seguiram-se outras na Bolívia, em 1952, Cuba, em 1959, e Nicarágua, em 1979. Nesse ínterim, Colômbia, El Salvador, Guatemala e Peru foram assolados por con litos civis contínuos. A expropriação de ativos, ou ameaça de expropriação, prosseguia em ritmo acelerado, com reformas agrárias em massa (ou tentativas de reforma) na Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, Peru e Venezuela. Revoluções, desapropriações e instabilidade política acompanhavam governos militares e ditaduras dos mais diversos tipos. Embora se veri icasse também uma muito gradual implementação de poderes políticos mais amplos, só na década de 1990 a maioria dos países latino-americanos tornou-se uma democracia, e mesmo então continuaram atolados em instabilidade.

Tamanha instabilidade era acompanhada de homicídios e repressão em massa. O Relatório da Comissão Nacional para a Verdade e a Reconciliação no Chile, de 1991, concluiu que 2.279 pessoas foram assassinadas por motivos políticos durante a ditadura Pinochet, entre 1973 e 1990. Possivelmente 50 mil foram presas e torturadas, e centenas de milhares perderam o emprego. O Relatório da Comissão Guatemalteca para Esclarecimento Histórico, de 1999, identi icou pelo nome um total de 42.275 vítimas, embora haja quem a irme que chegam a 200 mil os assassinados na Guatemala entre 1962 e 1996, 70 mil só durante o regime do General Efrain Ríos Montt, capaz de perpetrar tais crimes com tamanho grau de impunidade que ele pôde disputar a presidência em 2003; felizmente, não venceu. A Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas na Argentina estabeleceu em nove mil os mortos no país pelos militares entre 1976 e 1983, com a ressalva de que o número talvez seja maior (estimativas de organizações de direitos humanos costumam situá-lo em torno de 30 mil).