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PEQUENAS DIFERENÇAS E CONJUNTURAS CRÍTICAS: O PESO DA HISTÓRIA

CAMINHOS DIVERGENTES

A ascensão de instituições inclusivas e o subsequente crescimento industrial inglês não foram um legado direto de instituições nem romanas nem anteriores – o que não signi ica que a queda do Império Romano do Ocidente, um marco histórico que afetou a maior parte da Europa, não tenha tido impacto considerável também aí. Uma vez que várias regiões do continente compartilhavam as mesmas circunstâncias críticas, os desdobramentos sofridos por suas instituições seriam similares, talvez ostentando uma marca europeia geral. A queda do Império Romano foi um elemento crucial dessas circunstâncias críticas comuns. Essa trajetória europeia contrasta com as de outras partes do mundo, como a África subsaariana, a Ásia e as Américas, cujas peculiaridades devem-se em parte às circunstâncias críticas distintas com que se depararam. A Inglaterra romana ruiu fragorosamente. Não foi o caso da Itália nem da Gália (moderna França) ou mesmo do Norte da África, onde muitas das antigas instituições sobreviveram de alguma forma. Ainda assim, não resta dúvida de que a passagem da hegemonia de um Estado único romano para uma pletora de Estados controlados por francos, visigodos, ostrogodos, vândalos e burgúndios foi signi icativa. O poder desses Estados era muito

menor, constantemente fustigados que eram por intermináveis incursões em suas periferias. Do norte vinham os vikings e danos em seus dracares. Do leste, chegavam os cavaleiros hunos. Por im, o surgimento do Islã como religião e força política no século que se seguiu à morte de Maomé, em 632 d.C., acarretou a criação de novos Estados islâmicos na maior parte do Império Bizantino, Norte da África e Espanha. Esses processos comuns sacudiram a Europa e, em seu rastro, despontou determinado tipo de sociedade, que se costuma denominar feudal. Era descentralizada porque os Estados centrais fortes haviam se atro iado, ainda que alguns governantes, como Carlos Magno, tenham tentado reconstruí-los.

As instituições feudais, baseadas na coação da mão de obra não livre (os servos) e obviamente extrativistas, foram as pedras angulares de um longo período de lento crescimento extrativista na Europa, durante a Idade Média. Por outro lado, foram também decisivas para desdobramentos posteriores. Por exemplo, ao longo do processo de redução da população rural à servidão, a escravatura desapareceu da Europa. Em uma época em que era possível para as elites reduzir a população rural inteira à servidão, parecia desnecessária a existência de uma classe à parte de escravos, presente em todas as sociedades até então. O feudalismo também criou um vácuo de poder no qual se tornou possível o lorescimento de cidades independentes, especializadas na produção e no comércio. Todavia, quando o equilíbrio de poder mudou, após a peste negra, e a servidão começou a cair por terra na Europa Ocidental, estava preparado o cenário para o surgimento de uma sociedade muito mais pluralista, sem a presença de escravos.

As circunstâncias críticas que deram origem à sociedade feudal foram peculiares, mas não se restringiram à Europa. Uma comparação relevante pode ser feita com a atual Etiópia, na África, nascida a partir do Reino de Axum, fundado no norte do país por volta de 400 a.C. Axum foi um reino relativamente desenvolvido para a época, tendo se envolvido no comércio internacional com Índia, Arábia, Grécia e Império Romano. Sob diversos aspectos, era comparável ao Império Romano do Oriente no mesmo período. Dispunha de moeda própria, construiu estradas e edi ícios públicos monumentais e contava com tecnologias muito similares, por exemplo, na agricultura e navegação. Há também paralelos ideológicos interessantes entre Axum e Roma. Em 312 d.C., o imperador romano Constantino converteu-se ao cristianismo, do mesmo modo como o Rei Ezana de Axum, mais ou menos na mesma altura. O Mapa 12 mostra a localização do Estado histórico de Axum nas atuais Etiópia e Eritreia, com

postos avançados do outro lado do Mar Vermelho, na Arábia Saudita e Iêmen.

Assim como Roma entrou em declínio, também Axum e sua queda seguiram um padrão análogo ao do Império Romano do Ocidente. O papel desempenhado pelos hunos e vândalos no declínio de Roma foi assumido pelos árabes, que, no século VII, expandiram-se pela região do Mar Vermelho e desceram pela Península Arábica. Axum perdeu suas colônias e rotas comerciais na Arábia, o que precipitou seu declínio econômico: a cunhagem de moedas foi abandonada, caiu o número da população urbana e o Estado se deslocou para o interior do país, subindo as montanhas da moderna Etiópia.

Mapa 12: O Império de Axum e os clãs somalis

autoridade do Estado central. O mesmo se deu na Etiópia, com base em um sistema chamado de gult, que consistia em concessões de terra pelo imperador. Há referências à instituição em manuscritos do século XIII, embora suas origens talvez sejam bem anteriores. O termo gult é derivado de uma palavra em amárico que se traduz por “ele designou um feudo”. Ou seja, em troca da terra, o destinatário do gult tinha de prestar serviços ao imperador, especialmente de natureza militar. Em contrapartida, adquiria o direito de coletar impostos dos que lhe lavravam as terras. Uma variedade de fontes históricas sugere que esses senhores extraíam entre metade e três quartos da produção agrícola dos camponeses. Mesmo tendo se desenvolvido de maneira independente, o sistema apresentava notáveis semelhanças com o feudalismo europeu, embora provavelmente fosse ainda mais extrativista. No auge do feudalismo na Inglaterra, os servos enfrentavam um extrativismo menos oneroso, perdendo cerca de metade de sua produção para seus senhores, de uma forma ou de outra.

A Etiópia, contudo, não era representativa da África. Em outras áreas, a escravatura não chegou a ser substituída pela servidão; a escravidão africana e as instituições que a sustentavam continuariam ainda por muitos séculos. Mesmo o futuro da Etiópia seria muito distinto. Após o século VII, o país continuou isolado, nas montanhas da África Oriental, dos processos que mais à frente exerceriam in luência decisiva sobre os rumos institucionais da Europa, como a emergência de cidades independentes, as incipientes restrições aos monarcas e a expansão do comércio atlântico após a descoberta das Américas. Por conseguinte, sua versão das instituições absolutistas permaneceu basicamente inalterada. O continente africano mais tarde interagiria com a Europa e a Ásia de uma posição muito diferente. A África Oriental tornou-se uma das principais fontes de escravos para o mundo árabe, e as Áfricas Central e Ocidental seriam arrastadas para a economia mundial, durante a expansão europeia associada ao comércio atlântico, como fornecedoras de mão de obra escrava. O modo como o comércio atlântico levou à disparidade de percursos entre a Europa Ocidental e a África é mais um exemplo de divergências institucionais resultantes da interação entre circunstâncias críticas e especi icidades institucionais anteriores. Enquanto, na Inglaterra, os lucros do trá ico de escravos ajudaram a enriquecer os opositores do absolutismo, na África contribuíram para a criação e o fortalecimento exatamente desse tipo de regime.

Longe da Europa, os processos de diferenciação institucional gozavam de liberdade obviamente ainda maior para seguir seus próprios caminhos.

Nas Américas, por exemplo, que se viram isoladas da Europa, por volta de 15000 a.C., pelo derretimento do gelo que ligava o Alasca à Rússia, veri icaram-se inovações institucionais similares às dos natu ianos, levando ao sedentarismo, hierarquia e desigualdade – em suma, instituições extrativistas. O processo se deu primeiro no México e na região andina do Peru e da Bolívia, de lagrando a Revolução Neolítica americana, com a domesticação do milho. Foi nesses lugares que ocorreram formas primitivas de crescimento extrativista, como vimos no caso das cidades- estados maias. No entanto, do mesmo modo como as grandes inovações no sentido de instituições inclusivas e crescimento industrial na Europa não ocorreram naqueles lugares onde a cultura romana tinha presença mais marcante, as instituições inclusivas nas Américas tampouco se desenvolveram nas terras dessas primeiras civilizações. Com efeito, como vimos no Capítulo 1, essas sociedades de alta densidade demográ ica estabeleceram uma forma perversa de interação com o colonialismo europeu, o que acarretou uma “inversão de rumo” e tornou relativamente pobres regiões das Américas que até então haviam gozado de certa prosperidade. Hoje, são os Estados Unidos e o Canadá, outrora muito atrasados em relação às complexas civilizações do México, Peru e Bolívia, que são muito mais ricos do que o restante das Américas.