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A constituição identitária do aluno de Letras/inglês no decorrer de sua

CAPÍTULO 2 – FASE 1: IDENTIDADE E REPRESENTAÇÕES

2.2 Análise e discussão dos resultados da Fase 1

2.2.4 Reflexões acerca da identidade e das representações do aluno de Letras

2.2.4.1 A constituição identitária do aluno de Letras/inglês no decorrer de sua

Para traçar um perfil do aluno de Letras/Inglês, construído ao longo de sua formação escolar, tomamos como ponto de partida o ingresso no curso universitário. Na investigação desenvolvida com os calouros, podemos verificar que os estudantes de Letras têm origem urbana; estudaram, durante boa parte de sua trajetória escolar em instituições públicas e fazem parte de um contexto socioeconômico familiar que lhes propiciou o acesso à informação, permitindo que ingressassem em uma universidade pública. Todavia, a análise indica que o conhecimento construído ao longo da formação escolar não permitiu que ingressassem no “curso desejado” (Quadro 2.7).

Quadro 2.7 – A não-identificação com a profissão de professor de inglês explicitada pelas/nas escolhas léxico-gramaticais dos calouros.

Calouros Excertos do corpus Processos de

Identificação P13 Não estou maduro suficiente para estudar biologia.

P18 Não estou preparada para prestar vestibular para o curso.

P12 É a terceira opção.

C6 É um complemento pessoal.

C2 Mais fácil pra viajar.

C4 Estou fazendo a licenciatura por uma necessidade.

A não-Identificação com o Curso de Letras: complementar à profissão desejada e oportunidade de aprendizagem de LE

P5 Não pretendo ser professora.

C6 Ser professora de inglês e no caso, e só.

A não-Identificação com a profissão

P28 Gosto mais de inglês do que qualquer coisa.

P18, P23, P13, P5, P28,

P19, P12, C3

Quero/ Desejo fazer/ Cursar:

Medicina, Biologia, Rel. Públicas, História, Técnico em informática, Ciências da Computação, Turismo.

C4 É uma área que me sinto mais confortável.

P19 Tenho possibilidade de ascensão profissional.

P18 Tenho interesse pela área.

A identificação com outras profissões

Admitem não estarem “preparados” para enfrentar o concorrido vestibular ou não terem “maturidade” para cursá-lo. A licenciatura, que não exige deles o mesmo “preparo” e “maturidade”, passa a ser, então, uma oportunidade para aprender uma segunda língua, uma formação complementar. A relação de identificação com o curso se estabelece exclusivamente pela relação afetiva que mantêm com a língua, que se fortalece ao longo do curso, associada à crença de que possuem facilidade para aprender o idioma. No início da graduação, a licenciatura significa, portanto, uma oportunidade de “ganhar tempo” fazendo aulas de inglês – conhecimento considerado fundamental para qualquer profissional – enquanto o acesso à profissão, de fato, não acontece.

Por outro lado, suas crenças em relação ao curso e à profissão se modificam na medida em que o vivenciam (estagiárias). Reconhecem que, no início, não consideraram o curso como primeira opção, mas, aos poucos, passam a percebê-lo como profissão. Destacam as dificuldades pelas quais passaram, mas igualmente valorizam o processo de aprendizagem nele desenvolvido (Quadro 2.8).

Quadro 2.8 – A identificação com a profissão de professor de inglês explicitada pelas/nas escolhas léxico-gramaticais das estagiárias.

Estagiárias Excertos do corpus Processo de

identificação

E3 Aprendi muito rápido e com facilidade.

E1 O gosto pela música estrangeira, que na época era só o que eu ouvia, que me estimulou a estudar inglês [curso de línguas], no

intuito de compreender as letras.

E2 Resolvi fazer vestibular, interessada pela língua inglesa.

Identificação com a língua inglesa

E3 Eu sempre era a ajudante dele [o professor] nas aulas. Ajudava os colegas.

E1 Dava aulas no lugar dela [professora da escola regular].

Identificação com a profissão por meio de experiências

informais de docência

O inglês do colégio havia ficado pra traz há muito tempo. behaviorista vivenciada na escola

regular E1 Gostava tanto. Me ajudou a desenvolver a minha habilidade.

E3 Era todo mundo conversando em inglês. Toda a base do meu inglês, com certeza, aprendi lá.

Identificação com a aprendizagem

cognitivista vivenciada na escola

de línguas

E2 Foi um aprendizado de grande valia.

E1 Pensei muito. Demorei pra chegar aqui. Andei, rodei bastante. Gosto muito.

E3 .Sempre quis cursar Letras.

Identificação com o Curso de Letras

E2 Hoje me vejo, imagino uma professora cada vez melhor.

E1 Eu tô muito satisfeita.

E3 É isso que eu quero ser.

Identificação com a profissão de professor de inglês

Em relação ao perfil de professora de inglês representado no discurso das estagiárias, duas identidades sociais diferentes marcaram sua trajetória escolar: o professor da escola de línguas e aquele da escola fundamental e média. O primeiro profissional é verdadeiramente responsável pela aprendizagem, que se dá por meio de atividades “prazerosas e divertidas”, embora as estagiárias ainda não consigam identificar e qualificar a natureza dessas atividades. O segundo profissional é desatualizado, está inserido em uma proposta formal, por elas definida como o ensino centrado na gramática, tendo como conseqüência o fato de que tal proposta não é capaz de efetivamente promover o ensino da língua.

Seu discurso deixa transparecer que o processo formativo é carregado de dificuldades, que estão traduzidas na incompreensão da família e de amigos, que não entendem a escolha de Letras como profissão e nas árduas tarefas que as esperam: desenvolver o “dom” de ensinar e motivar os alunos a aprender, nem que, para isso, tenham que se transformar em uma “animadora” de sala de aula. A crença de que o professor tem a responsabilidade de motivar os alunos como garantia de sucesso da aprendizagem também foi observada por Coelho (2006) na investigação de crenças de professores de três escolas públicas de Minas Gerais.

Nesse sentido, a análise aponta para o fato de que o aluno de Letras parece estabelecer um processo de identificação com a profissão no momento em que vivencia a atividade pedagógica, seja ela desenvolvida nos laboratórios de pesquisa da universidade ou na escola pública, ao realizar seu estágio curricular. Assim, na medida em que for possível e viável ampliar essas experiências a outros contextos de ensino (escolas de idiomas, públicas e privadas), estendendo-as aos primeiros

semestres da graduação, esse processo de identificação poderá estar sendo estabelecido mais cedo. Na pesquisa de Alonso & Fogaça (2007, p. 37), os professores pré-serviço que tiveram oportunidade de observar contextos variados relatam que a experiência deu a eles condições de percepção das diferentes realidades de ensino e aprendizagem: “infra-estrutura das escolas, estrutura pedagógica, objetivos educacionais, contexto social” (Ibidem).

Essas iniciativas podem também contribuir para problematizar os papéis assumidos pelo profissional de inglês, desnaturalizando representações de ensinar e aprender idealizadas, que exigem do professor(a) de inglês assumir, por exemplo, o papel de animador(a) para garantir o “sucesso” da aprendizagem. Tais ações podem ainda, ajudar a desconstruir percepções negativas acerca do programa de estágio curricular, como a encontrada por Johnson (1996, p. 40) no diário de uma professora pré-serviço, participante de sua pesquisa: “I guess it’s just part of this practicum

thing. It’s not real teaching!19” [grifo do autor].

Johnson (Ibid., p. 46) argumenta que os professores pré-serviço precisam lidar com as imagens de professor e as crenças do que seja ensinar, construídas ao longo de sua trajetória escolar, que Lortie (1975 apud ALMARZA, 1996, p. 51) chama de aprenticeship of observation20 – as diferentes maneiras pelas quais somos

ensinados. O conhecimento consciente acerca de nossas histórias pode nos ajudar a superar a tendência de imitar, sem questionamento, o comportamento de outros (BAILEY et al., 1996, p. 16) e a construir uma identidade própria.

A seguir, fazemos uma reflexão acerca das representações conceituais construídas ao longo da trajetória universitária.