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Procedimentos de análise do perfil do aluno de Letras e sua identificação

CAPÍTULO 2 – FASE 1: IDENTIDADE E REPRESENTAÇÕES

2.1 Procedimentos metodológicos

2.1.3 Procedimentos de análise da Fase 1

2.1.3.1 Procedimentos de análise do perfil do aluno de Letras e sua identificação

Para construirmos o perfil do aluno de Letras e, mais especificamente, investigarmos em que medida se percebem como professores de inglês e como avaliam a profissão que escolheram, analisamos, em um primeiro momento, as circunstâncias sociais vivenciadas desde a infância, que contribuem para a construção do que Fairclough (2003, p. 223) chama de identidade social.

Em um segundo momento, investigamos em que medida essa identificação com a profissão se mantém ou é alterada pela vivência universitária, após terem concluído dois anos do Curso de Letras. Nessa etapa, procuramos construir uma imagem representativa das experiências de cada uma das estagiárias participantes, que desse significação às ações que constituem a prática pedagógica do professor (TELLES & OSÓRIO, 1999, p. 35).

Para Fairclough (2003, p. 159), ao estudarmos a identificação, estamos enfatizando o processo – o modo como os indivíduos se identificam ou são identificados por outros. Segundo o autor, a identidade é constituída pelo modo como falamos, escrevemos e nos personificamos (aparência, modos de locomoção etc.). Nesse sentido, para tentarmos perceber em que medida os participantes se identificam com a profissão de professor, fomos em busca de evidências textuais desse processo. Fairclough destaca duas características textuais relevantes para o processo de identificação: a modalidade e a avaliação. Essas marcas textuais dão

obrigações e os valores) em seus textos que, em última instância, contribuem para a construção de suas identidades sociais (Ibid., p. 164) como professores.

As categorias de modalidade e avaliação utilizadas nesta análise são sugeridas por Fairclough (2003, p. 170-173), com base em Halliday (1994). Fairclough (2003, p. 03) argumenta que a análise textual é fundamental para entendermos os efeitos sociais do discurso.

A modalidade indica o julgamento feito pelo falante das probabilidades ou obrigações envolvidas no seu discurso (HALLIDAY, 1994, p. 89). De outro modo, tudo aquilo com o qual me comprometo diz muito a respeito de quem sou, o que Fairclough (2003, p. 166) chama de texturização de identidades. A modalidade pode ser associada a diferentes tipos de trocas e funções de fala. A modalidade epistêmica é utilizada para a troca de informação, que se realiza por meio de declarações/afirmações (o autor se compromete com a verdade) ou perguntas (o autor leva o outro ao comprometimento com a verdade). As declarações e as perguntas podem ser afirmativas e negativas, assertivas ou modalizadas, com graus diferentes de probabilidade e freqüência (usualidade), como nos exemplos propostos por Halliday (2004, p. 148; 1984, p. 89):

Probabilidade Freqüência

Isso certamente (não) é verdade (certeza) Isso sempre/nunca acontece Isso provavelmente (não) é verdade (probabilidade) Isso freqüentemente acontece Isso possivelmente (não) é verdade (possibilidade) Isso acontece algumas vezes

Já a modalidade deôntica é utilizada na troca de bens e serviços. Pode estar relacionada à função da linguagem que expressa: a) uma obrigação ou necessidade (uma ordem para alguém fazer algo) ou b) uma oferta ou proposta (para que alguém faça algo). No primeiro caso, o autor se compromete com as obrigações ou ordens dadas, que podem ser realizadas por meio de prescrições, prescrições modalizadas ou impedimentos. No segundo, o autor se compromete com a oferta realizada. Assim, podemos ter uma promessa, uma recusa, ou, ainda, promessa e recusa modalizadas, conforme os exemplos disponibilizados por Fairclough (2003, p. 168).

Obrigação/necessidade Oferta/proposta Abra a janela Eu abrirei a janela (prescrição) (promessa)

Você pode/deve abrir a janela Eu posso abrir a janela/Eu não posso abrir a janela (prescrições modalizadas) (promessa/recusa modalizadas)

Não abra a janela Eu não abrirei a janela (impedimentos) (recusa)

Na análise do processo de identificação dos participantes com a profissão de professor de inglês, foram consideradas as categorias de modalidade em destaque no Quadro 2.4 (exemplos do corpus desta pesquisa). Essas evidências textuais foram relacionadas a outros elementos que contribuem para a construção do processo de identificação dos participantes. Por exemplo, as marcas de pessoa (Eu/nós) no texto (“Eu acho que a universidade não prepara os alunos” em oposição à “A Universidade não prepara os alunos”) destacam igualmente o comprometimento (ou a falta de) do autor com sua afirmação.

Quadro 2.4 – Categorias de Modalidade (FAIRCLOUGH, 2003, p. 170-173).

Categorias Exemplos do corpus

Verbos modais Poder, ter permissão para, dever.

Ex. O professor deve ter a sensibilidade das condições do ambiente e público [...]

Advérbios e sintagmas adverbiais modais Certamente, possivelmente.

Ex. [...] com certeza, toda a base do meu inglês aprendi lá.

Processos mentais afetivos e/ou cognitivos Cativar, atrair, gostar / achar, pensar. Ex. Eu sempre gostei de inglês.

Particípio com função de adjetivo Requerido, exigido, obrigado, destacado.

Ex. Sempre fui uma aluna muito destacada no curso de inglês.

Adjetivos modais Possível, provável, certo.

Ex. É certo que eu quero estudar inglês. Advérbios de freqüência Freqüentemente, sempre, obviamente, de fato.

Categorias Exemplos do corpus

Hedges

(expressões mitigadoras que denotam a imprecisão do discurso)

Meio, um tanto. Eu não sei se, Como você sabe. Ex. Eu tava meio perdida [...]

Discurso indireto

(atribuição de um comentário a outra pessoa)

Ex. A professora me pedia pra eu dar aula no lugar dela...

A segunda categoria textual discutida por Fairclough, com base em Halliday, é a avaliação. Entendida com um sentido amplo, essa categoria reúne não apenas as avaliações explícitas à profissão e aos papéis assumidos pelo professor, mas toda e qualquer afirmação que, de alguma maneira, comprometa os participantes com valores específicos relacionados à profissão. Nesse sentido, os comentários que expressam desejos, vontades, ou seja, o que se quer em contrapartida ao que não se quer; o que é bom em oposição ao que não é (FAIRCLOUGH, 2003, p. 172). Exemplo: This is a good book – This is a bad book.

As afirmações avaliativas são mais obviamente realizadas por processos relacionais, utilizados para caracterizar (atribuição) e identificar (identificação). Representam os processos de “ser”, realizados pelo verbo “ser” ou similares – “parecer”, “tornar-se”, “ficar”, “andar”, bem como os verbos “ter, “possuir” e “pertencer” (HALLIDAY, 2004, p. 210-211).

No caso da atribuição, uma qualidade ou atributo é utilizada para caracterizar alguém ou algo. No exemplo, “a professora é competente”, observamos a relação de pertencimento a uma classe (a professora que pertence à classe das pessoas competentes). A identificação é equativa e constrói identidades. No exemplo proposto por Halliday (2004, p. 123), “Alice é a mais inteligente”, não temos mais a relação de pertencimento a uma classe, mas uma identidade que é associada à Alice – a mais inteligente.

As categorias textuais de avaliação, organizadas por Fairclough (2003), com base em Halliday (1994), estão em destaque no Quadro 2.5 (Exemplos do corpus desta pesquisa).

Quadro 2.5 – Categorias de Avaliação (FAIRCLOUGH, 2003, p. 171-173).

Categorias (elementos avaliativos) Exemplos do corpus

Adjetivos avaliativos Não tive um bom Ensino Médio.

Verbos avaliativos Eu me traumatizei o suficiente para fazer vestibular para engenharia.

Advérbios avaliativos Ser professora de inglês, no caso, e só.

Exclamações Bah! Já adorei [a aula] e tal!

Declarações com modalidade deôntica O aluno deve estar aberto para novas possibilidades [...].

Marcas explícitas da avaliação do autor por meio do uso de modalização.

Eu acho que tem mais a ver comigo.

Avaliações afetivas a partir da utilização de processos relacionais. O atributo é afetivo.

Eu sou apaixonado pela cultura dos ingleses.

Uma avaliação pode apresentar diferenças em termos de intensidade. Por exemplo, os verbos relacionados a processos mentais, como gostar, adorar e odiar, deixam transparecer o grau de comprometimento do falante com sua afirmação. De mesma forma, isso também pode ser verificado no uso de adjetivos, como bom, ótimo ou fantástico, e advérbios representados nos seguintes exemplos: “Ele ensina bem” e “ele ensina maravilhosamente”.

Assim, para a análise do perfil dos calouros e das estagiárias, procuramos focalizar basicamente a dimensão social e, nesta, em que medida os participantes se percebem professores de inglês, bem como a maneira como avaliam a profissão.

Na seção 2.1.3.2, descrevemos os procedimentos metodológicos utilizados na análise das representações de conceitos de linguagem, ensino e aprendizagem e de papéis de aluno e de professor, subjacentes ao discurso dos participantes.

2.1.3.2 Procedimentos de análise das representações de conceitos e papéis do