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As representações construídas durante o período de formação universitária

CAPÍTULO 2 – FASE 1: IDENTIDADE E REPRESENTAÇÕES

2.2 Análise e discussão dos resultados da Fase 1

2.2.4 Reflexões acerca da identidade e das representações do aluno de Letras

2.2.4.2 As representações construídas durante o período de formação universitária

Podemos perceber que o processo formativo universitário – o ensino formal e as experiências pessoais e profissionais vivenciadas nessa fase – ofereceu subsídios teórico-práticos para que os participantes da Fase 1 realinhassem as crenças construídas ao longo de sua vida escolar. Nesse processo de

reconfiguração, identificamos visões de linguagem behaviorista e cognitivista, reflexos das experiências escolares, e um movimento em direção a uma perspectiva sociocultural de linguagem discutida no contexto universitário.

No caso das estagiárias, essa reconfiguração pode ser percebida no discurso de pelo menos uma (E1) das três participantes, uma vez que amplia e percebe a linguagem além do seu caráter cognitivo: como prática social (Quadro 2.9).

Quadro 2.9 – As representações de conceitos e papéis explicitadas pelas/nas escolhas léxico-gramaticais das estagiárias.

Estagiárias Excertos do corpus Representações

E2 Tudo que traz à tona nossos pensamentos, idéias,

dúvidas. Cognitivista

E1 Além de ferramenta básica para a comunicação, a

linguagem é o instrumento de construção do mundo,

tanto social quanto subjetivo. Sociocultural

Representações de linguagem

E2, E1 Era o verbo to be, basicamente. Behaviorista

(herança escolar)

E3 Transmitir conhecimento.

E2

Aprende-se algo quando aquilo que nos é ensinado, é

absorvido, é retido em nossa mente. Cognitivista (herança da escola de línguas) Desenvolver a autonomia do pensamento através do

posicionamento crítico.

E1

A exposição a realidades concretas.

Sociocultural (reconfiguração do conceito na universidade) Representações de ensino e aprendizagem

E3 Faz com que seus alunos aprendam.

E2 Deve ser sensível às condições do ambiente, prático, acessível, meigo, atento.

Professor como principal responsável pelo encaminhamento do processo de aprendizagem E3 Prestar a atenção. Fazer o que é proposto pelo

professor.

E2 Deve estar ciente de que a aula requer atenção, interesse, curiosidade, interação e

questionamento. Aluno como participante que precisa estar consciente de seu papel em sala de aula. Representações de papéis

Os formandos reconhecem que possuíam uma visão “tradicional”, ao ingressarem no curso universitário, herança escolar que sofreu modificações ao longo de sua formação universitária (Quadro 2.10). A análise do seu discurso deixa transparecer que as experiências escolares (escola regular e de línguas) ajudaram- lhes construir representações de aprendizagem behaviorista e cognitivista, perspectiva também identificada no discurso das estagiárias, e que começa a ser reconfigurada pelas reflexões vivenciadas na graduação.

Quadro 2.10 – As representações de conceitos e papéis explicitadas pelas/nas escolhas léxico-gramaticais dos formandos.

Formandos Excertos do corpus Representações

F4 Linguagem como expressão, instrumento de comunicação. Cognitivista F2 Linguagem como uma prática social e ideológica que

constitui e é constituída por sujeitos. sociocultural

Representações de linguagem

F3 Ensinar língua é ensinar gramática. (herança escolar) Behaviorista

F1 Acredito [que] o aprendizado se concretiza com mais facilidade em um ambiente de interação. (herança escolar) Cognitivista

F3 isolados, [mas] em textos completos, em conexão Trabalhar com a linguagem não em segmentos com seu contexto de produção.

Sociocultural (vivência universitária) Representações de ensino e aprendizagem

F2 Vejo o papel do professor como um facilitador e um colaborador da aula. como facilitador Professor do processo de aprendizagem F6 Deverá ser o [papel] de parceiro, co-autor do processo de ensino e aprendizagem. Aluno como participante

responsável pelo processo de aprendizagem

Representações de papéis

Holt-Reynolds (2000, p. 22), discutindo as metáforas de participação21 de Sfard (1998), argumenta que mais e mais o discurso acadêmico lança mão de figuras de linguagem para discutir ensino e aprendizagem. Essas metáforas têm sugerido que o aluno que ativamente faz algo está efetivamente aprendendo, ou seja, a aprendizagem implicaria atividade, “um fazer”. Representam as pedagogias que dão ênfase aos processos reflexivos, de (co)construção, questionamentos, dialógicos, centrados em projetos (Ibid., p. 22-23). Percebemos, portanto, que a presença dessas metáforas no discurso das participantes valoriza essa perspectiva de co-responsabilidade na construção do conhecimento e destaca a necessidade de desenvolvimento no aprendiz da autonomia e do posicionamento crítico.

Em relação aos papéis de aluno e professor, podemos dizer que as estagiárias apresentam, em sua maioria (duas das três participantes), uma visão cognitivista, na qual aluno e professor “devem estar aptos e conscientes para” participarem das atividades. Já os formandos destacam papéis associados a uma perspectiva sociocultural, na qual o próprio enquadre sociohistórico é o lócus de construção do conhecimento e constitui igualmente os papéis adotados por professores e alunos.

Outro detalhe interessante refere-se ao caráter de obrigação implícito aos papéis. Entre as participantes estagiárias, que apresentam uma visão de linguagem cognitivista e ainda não iniciaram o processo de estágios, o uso da modalidade deôntica deixa evidente a responsabilidade do professor e do aluno no processo de aprendizagem, embora uma carga maior seja jogada sobre os ombros do primeiro. Já entre os formandos, que se identificam com uma visão sociocultural de aprendizagem e já vivenciaram a docência e o peso de suas responsabilidades, percebemos obrigatoriedades apenas na descrição do papel do aluno. Isso talvez se deva ao fato de as experiências vivenciadas pelos formandos no estágio supervisionado22 na escola pública terem sido relatadas por eles como “difíceis e

frustrantes”, tendo em vista não terem conseguido comprometer os alunos com as atividades planejadas no curto espaço de tempo do estágio.

Nesse sentido, deixam a universidade com a percepção de que o comprometimento maior dos alunos é condição sine qua non para o desenvolvimento da aprendizagem. Tais relatos reforçam igualmente a importância de diversificarmos as experiências de ensino dos professores pré-serviço em diferentes contextos a partir dos primeiros semestres do Curso de Letras. Além de contribuírem para o entendimento de como esses contextos se configuram socialmente, essas experiências podem ajudar no entendimento de como se constituem os papéis sociais naqueles contextos e na identificação do professor pré- serviço com a profissão. Isso significa dizer que a licenciatura estaria oferecendo ao aluno de Letras conhecimento acerca de como a sala de aula opera em situações reais de aprendizagem (JOHNSON, 1996, p. 47), desconstruindo e problematizando o dia-a-dia desses contextos, bem como as relações de poder a eles subjacentes e os papéis sociais neles assumidos.

A seguir, no Capítulo 3, descrevemos o universo da Fase 2 desta pesquisa, que compreende a proposta de interferência colaborativa: os procedimentos metodológicos e os resultados encontrados nesse processo de investigação.

22

Vale lembrar que esses formandos cursaram as disciplinas do currículo antigo da UFSM, que garantia apenas um semestre de estágio supervisionado.