• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS TEÓRICOS DA PESQUISA

1.3 Concepções de aprendizagem

1.3.3 A perspectiva cognitivista

A terceira concepção de aprendizagem discutida nesta seção reúne as teorias que dão base às ciências cognitivas, cujo desenvolvimento foi acentuado a partir da década de 50, principalmente em oposição ao behaviorismo. A concepção cognitivista investiga os processos cognitivos, levando em consideração os avanços alcançados na investigação da natureza do raciocínio lógico-matemático (KOCH & CUNHA-LIMA, 2004, p. 252). “Os processos mentais e a mente foram reabilitados como objetos de investigação, e seu estudo tornou-se o objeto fundamental dessa nova ciência” (Ibidem).

Todavia, parece ser correto acrescentar que a ciência cognitiva tinha por objetivo desenvolver um método que disciplinasse o uso dos sentidos, de modo a driblar as incertezas advindas da percepção e aproximar-se de uma investigação racional, garantindo à lingüística, em última instância, o status de ciência (LYONS, 1987, p. 223).

Nesse paradigma, são salientadas as relações entre conhecimento e mente, a organização da memória e a estrutura mental. Nesse sentido, as ciências cognitivas acabam por estabelecer uma nova perspectiva de pesquisa para as ciências humanas, que, por sua vez, procuram desenvolver modelos viáveis para as mais diferentes capacidades tradicionalmente atribuídas ao homem (KOCH & CUNHA LIMA, 2004, p. 253).

Chomsky, por exemplo, defende, veementemente, a relação entre linguagem e pensamento, afirmando que a primeira serve de expressão para o segundo (LYONS, 1987, p. 225). Sua relevância para as ciências cognitivas está justamente no fato de reconhecer que a aprendizagem da estrutura gramatical de uma língua necessita de uma explicação tanto quanto o processo de combinar o significado de

diferentes de gramática gerativa estabeleceu novos padrões de precisão para aqueles que desejam avaliar a complexidade das línguas humanas em relação a outros sistemas de comunicação” (Ibidem). Lyons (Ibidem) argumenta ainda que, para Chomsky, o processo de aquisição da linguagem e sua natureza têm características tais que somente podem ser explicadas com base na existência de uma faculdade inata de aquisição da linguagem. Nesse sentido, insiste na investigação de como as crianças adquirem o domínio dessa propriedade aparentemente universal da linguagem ao aprenderem e fazerem uso dela.

Desse modo, para Chomsky (1997, p. 2), a faculdade da linguagem pode ser entendida como “um órgão lingüístico” e, como tal, não pode ser removida do corpo sem que este seja atingido pela mudança. “Um órgão é um subsistema que é parte de uma estrutura complexa” (Ibidem). Desse modo, o comportamento humano deixa de ser o objeto de estudo, como defendiam os behavioristas, e passa a ser percebido como evidência de como os mecanismos mentais funcionam e operam na execução de ações e na interpretação da experiência.

As propriedades e padrões que eram foco de atenção na lingüística estrutural têm seu lugar nesta abordagem, mas como fenômenos a serem explicados, justamente com muitos outros, em termos dos mecanismos internos que geram expressões. É uma abordagem ‘mentalista’ (aspas do autor) [...] se propõe a estudar um objeto real no mundo natural – o cérebro, seus estados e funções – e assim levar o estudo da mente para uma eventual integração com as ciências biológicas (aspas do autor) (CHOMSKY, 1997, p. 4-5).

Da mesma forma, a proposta de Jean Piaget procura conectar o desenvolvimento da linguagem ao desenvolvimento do raciocínio e da inteligência. Segundo Piaget (1983, p. 216), esses processos estão estreitamente ligados. O autor (Ibidem) argumenta ainda que o aparecimento da linguagem se dá na superação no estágio sensório-motor, por volta dos 18 meses de idade. Nessa fase, a criança experimenta um período de egocentrismo radical (termo cunhado pelo próprio Piaget), no qual sequer se reconhece como sujeito de suas ações (Ibid., p. 7).

A teoria piagetiana valoriza a experiência (e em especial a sensório-motora), ao mesmo tempo em que considera os diferentes estágios do desenvolvimento cognitivo como particularidades da experiência humana e programados geneticamente, ou seja, inatos (Ibid., p. 33-34). Em comum, esses enfoques

cognivitistas (por Chomsky e Piaget) demonstram uma preocupação com os aspectos internos, mentais, individuais, inatos e universais inerentes ao processamento lingüístico (KOCH & CUNHA-LIMA, 2004, p. 254).

Wells (1989, p. 86) discute, todavia, que o fato de reconhecermos que o desenvolvimento da linguagem apresenta uma base cognitiva não significa dizer que essa base é suficiente. As representações cognitivas são diferentes das semânticas, ou seja, a relação entre pensar e falar é abstrata, exigindo vários “estágios de tradução” para ir de uma a outra. Assim, a inteligência sensório-motora pode dar o

start ao desenvolvimento da linguagem. Todavia, uma vez adquirida, a linguagem

torna-se um meio de estender o alcance e a complexidade do pensamento (Ibid., p. 87).

A concepção cognitivista da linguagem tem, portanto, no sujeito um ser racional e senhor de sua aprendizagem (HICKMANN, 1997, p. 9). Tal perspectiva reforça a idéia cartesiana do ser humano como centro do universo, uma vez que valoriza a cognição e a inteligência, relegando, a um segundo plano, a natureza social e, portanto, ideológica do sujeito (BAKHTIN, 1990).

Enquanto proposta pedagógica, a perspectiva cognitivista aponta para dois caminhos. No primeiro, encontramos as abordagens que procuram oportunizar situações não (ou pouco) modeladas por meio das quais o indivíduo aprende a segunda língua. Desse modo, o aprendiz participa de interações abertas, centradas em tarefas, cujo objetivo é a negociação de significados. No segundo, estão as abordagens que criam condições para que o aluno pratique estruturas pré- selecionadas, pré-seqüenciadas. Nesse caso, focalizam a forma, as propriedades funcionais e nocionais da linguagem. O desenvolvimento da forma e das funções resultaria, em última instância, em aprendizagem.

No primeiro grupo, destacamos a Abordagem Natural, que valoriza as condições “ideais” de aprendizagem, nas quais os alunos se engajam em tarefas significativas para a solução de problemas. A Abordagem Natural, the Natural

Approach, leva em consideração duas formas de conhecimento lingüístico da LE

(NUNAN, 1995, p. 240). Na primeira, o aprendiz está mergulhado em situações naturais de comunicação – ele adquire a linguagem. Na segunda, o aluno se encontra em uma situação formal de estudo, no qual aprende a linguagem. Assim, a aquisição envolveria processos mentais subconscientes, como acontece na língua

materna, e a aprendizagem trataria de um conhecimento metalingüístico, que ajuda os aprendizes a lidarem com a língua-alvo (NUNAN, 1995, p. 240).

Stephen D. Krashen (1983, p. 10), defensor da proposta, acredita não haver interface entre aquisição e aprendizagem. Com base nesse pressuposto, Tracy Terrell, da Universidade da Califórnia, desenvolveu a Abordagem Natural, na qual defende que o aluno precisa ser colocado em situação de comunicação “natural e espontânea” (Ibid., p. 12-13). Krashen também leva em consideração o estado emocional do aprendiz. Nesse sentido, aspectos como motivação, autoconfiança e baixa ansiedade podem contribuir para a aquisição ou não de linguagem (RICHARDS & RODGERS, 1986, p. 133). No Exemplo 3, o exercício propõe uma interação aberta entre os alunos, cujo objetivo é a negociação de significados (KUMARAVADIVELU, 1994, p. 29), sem uma identificação e análise explícitas das escolhas léxico-gramaticais utilizadas pelos alunos para desenvolver tal interação.

Exemplo 3: Exercício centrado na atividade (RICHARDS et al, 1998, p. 20).

Talk about these questions:

Which of these kinds of music do people in your country listen to?

What other kinds of music do people in your country like?

No segundo grupo, destacamos a Abordagem Comunicativa (AC). A AC centra forças no uso da língua (WIDDOWSON, 1991, p. 13), que deixa de ser vista como um conjunto de frases e passa a ser um conjunto de eventos comunicativos

(LEFFA, 1988, p. 224). Segundo Almeida Filho (2002, p. 47), o ensino comunicativo é “aquele que organiza as experiências de aprender em termos de atividades/tarefas de real interesse e/ou necessidade do aluno”. Via de regra, o aluno utiliza a língua levando em conta seus objetivos específicos em “ações de verdade” (Ibidem), interagindo com outros.

A proposta destaca o caráter pragmático da linguagem e os papéis que assume o aluno no processo de aprendizagem. Nesse sentido, a linguagem passa a ser um sistema para a expressão de significado relevante para o aluno, dentro de um modelo interativo de uso. Esses conceitos partem da diferenciação proposta por Widdowson (1991, p. 15) entre ensinar forma gramatical (usage) e uso comunicativo (use). Segundo ele, a aprendizagem abrange não somente a aquisição da capacidade de elaborar frases corretamente, mas igualmente a compreensão de como essas frases são apropriadas em um contexto específico.

Na prática, a abordagem sofreu inúmeros reducionismos e acabou por gerar um número não menor de críticas, das quais se destacam principalmente: a) a pouca autenticidade da comunicação proposta em sala de aula, já que muitas vezes os exercícios propõem simulações artificiais; b) as rupturas programáticas, uma vez que os alunos são levados a discutir “situações reais” mas que, entre si, são desconexas; c) a manutenção de uma relação autoritária entre professor – aluno e material didático – aluno, material didático – professor, embora a proposta tenha intenção emancipatória e democrática; e, ainda, d) o uso de práticas etnocêntricas que, em princípio, podem ser aplicadas/utilizadas em diferentes contextos culturais e em diferentes épocas (WEININGER, 2006, p. 48-49; KUMARAVADIVELU, 2006b, p. 61- 64).

O exercício proposto no Exemplo 4 demonstra alguns desses reducionismos. Embora possamos identificar o gênero Encontro de Serviços (compra e venda de produtos), a atividade procura exercitar uma única função da linguagem, que Hasan (1989, p. 59) caracteriza como a etapa de “venda” (Sales – S, em vermelho), na qual o cliente pergunta o preço do produto. Ventola (1987, p. 399) argumenta que a exploração de uma única função da linguagem pode dificultar o reconhecimento de como a interação social se desdobra enquanto estrutura de gênero, oferecendo ao aluno uma visão míope dessa prática social.

Exemplo 4: Exercício centrado na função (GREENALL, 1997, p. 26).

Work in pairs. Act out the conversation in listening and sound activity 1.

Listening and sounds

Customer: How much are these red shoes?...S

Assistant: They are $ 27.50...S

Customer: And How much is that white sweater?...S

Assistant: It´s $15...S

Customer: How much is this black jacket?...S

Assistant: It´s $50...S

Customer: How much are these blue jeans?...S

Assistant: They´re $35.99...S

Em última instância, a perspectiva cognitivista valoriza os aspectos internos, mentais, individuais, inatos e universais inerentes ao processamento lingüístico. Nela, o indivíduo é entendido como ser racional e “fiel depositário” de sua aprendizagem – vivencia o processo de aprendizagem como expressão de um ato individual e consciente. Esse paradigma teórico coloca, em um segundo plano, a natureza social e ideológica do sujeito destacada por Bakhtin (1990).

Em resumo, neste capítulo, procuramos revisar o aporte teórico que sustenta e orienta as ações investigativas desta pesquisa. Inicialmente, revisamos as bases teóricas da pesquisa reflexiva e o contexto de pesquisa pré-serviço no Brasil, nos quais este estudo está inscrito. Em um segundo momento, apresentamos as teorias que contribuem para problematizar o processo de construção identitária do professor de língua inglesa e de suas representações sociais acerca da profissão. Por fim,

How much are they?

resgatamos três perspectivas de aprendizagem: a sociocultural, que orienta as ações investigações desenvolvidas deste trabalho, a behaviorista e a cognitivista, que ainda subsidiam teoricamente o discurso de alguns dos participantes desta pesquisa.

Este estudo investiga a trajetória profissional de professores e professoras de inglês, procurando capturar flashes da realidade construída por eles acerca da profissão que escolheram exercer. Nesse sentido, focalizamos dois momentos investigativos denominados Fase 1 e Fase 2 (Figura 1.2).

Figura 1.2 – Representação visual dos focos de investigação desta pesquisa. Focos de Investigação Fase 1

:

Identidade e Representação do aluno de Letras (mar.2005-Jul.2006) Fase 2

:

Interferência Colaborativa (set.2006-dez.2007)

Calouros

Participantes: 30 Coleta de dados: mar.-jul. 2005

Estagiárias

Participantes: 3 Coleta de dados: mar.-jul.2006

Formandos

Participantes: 6 Coleta de dados: ago.-dez.2005 Concepções de Aprendizagem Participantes: 3 Coleta de dados: set.2006-mai.2007

Prática

Pedagógica

Participantes: 3 Coleta de dados: mar.-dez.2007

Identidade

Participantes: 3 Coleta de dados: mar.-dez.2007 5 5

No primeiro momento, Fase 1 – Identidade e Representação do aluno de Letras, procuramos investigar o perfil do aluno de Letras, sua identidade como professor de inglês e como representa a profissão em três momentos distintos de seu processo formativo universitário: como calouros, no primeiro semestre da graduação; como estagiários, no início do processo de estágio curricular supervisionado, por volta do 4º semestre; e como formandos, no último semestre. Para que isso fosse possível em tempo hábil, selecionamos participantes distintos nas três etapas de pesquisa, de maneira que pudéssemos perceber como se constituem discursivamente suas identidades como professores de inglês e como representam a profissão ao longo desse processo. Ao fazer esse percurso, procuramos jogar luz sobre o contexto de aprendizagem do aluno de Letras (suas experiências e os valores, crenças e conceitos construídos durante suas vivências escolares e universitárias).

No segundo, Fase 2 – Interferência Colaborativa, voltamos nosso olhar para as reflexões feitas por três participantes acerca de suas concepções de aprendizagem, sua prática pedagógica na escola pública (um dos contextos de ensino do professor de inglês pré e em serviço) e suas identidades como professoras de inglês naquele contexto. Por essa razão, um grupo focal de duas professoras pré e uma professora em serviço foi constituído, tendo como objetivo investigar em que medida o desenvolvimento de uma prática de interferência colaborativa pôde ajudá-las a refletir sobre e efetivamente reconfigurar suas concepções de aprendizagem, suas ações e seus papéis no contexto de sala de aula de língua inglesa. Em última instância, este estudo procurou construir novas possibilidades de ação por meio da reflexão como reconstrução da experiência (GIMENEZ, ARRUDA & LUVUZARI, 2004).

O primeiro contato com as duas participantes pré-serviço deste grupo focal (elas também participaram da Fase 1, como estagiárias) foi em setembro de 2006, na disciplina de Didática de Ensino da Língua Inglesa, no 4º semestre do Curso de Letras. No semestre seguinte, essas professoras realizaram seu estágio curricular supervisionado. Ao chegarem à escola pública, foram designadas a trabalhar com uma das professoras em serviço responsáveis pela disciplina de língua inglesa daquela instituição, a última participante a integrar este grupo focal.

resultados obtidos na investigação da Fase 1 desta pesquisa. No Capítulo 3, apresentamos a metodologia e os resultados obtidos na Fase 2. Por fim, no Capítulo 4, fazemos algumas considerações finais acerca da proposta de interferência reflexiva desenvolvida nesta investigação.

CAPÍTULO 2