• Nenhum resultado encontrado

O processo de texturização identitária do professor de inglês e suas

CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIOS TEÓRICOS DA PESQUISA

1.2 O processo de texturização identitária do professor de inglês e suas

A concepção iluminista do indivíduo centrado, unificado e dotado da capacidade da razão e da ação ajudou a construir a percepção do ser humano como alguém que é identitariamente coeso e bem delineado, ou seja, identitariamente transparente (HALL, 2005a, p. 10). Esse perfil linear lhe garantiria coerência e homogeneidade, consistência e um sentido de completude pessoal e profissional, pensamento iluminista que perdura até hoje (RAJAGOPALAN, 2002, p. 344-346).

Identidades, todavia, são construídas e constituídas sociohistoricamente e, portanto, carregam o traço característico da heterogeneidade, da inconstância e da eterna reconstrução. A identidade deveria ser entendida, portanto, como:

construção, como um processo nunca completado – como algo sempre ‘em processo’ (destaque do autor). Ela não é, nunca, completamente determinada – no sentido de que se pode sempre, 'ganhá-la’ ou ‘perdê-la’; no sentido de que ela pode ser, sempre, sustentada ou abandonada (HALL, 2005b, p. 106) (aspas do autor).

Esse processo, segundo Rajagopalan (1998, p. 34 apud 2002, p. 344), “se constrói na língua e através dela”. Nesse sentido, não podemos entender o professor como portador de uma identidade fixa que se encontra anteriormente à ou fora da língua (Ibidem).

Vale ressaltar que a construção da identidade de todo e qualquer indivíduo começa na tenra infância, nas relações que este estabelece com os outros no contexto social no qual é criado (BERGER & LUCKMANN, 1985, p. 173). O indivíduo exterioriza seu próprio ser no mundo social e interioriza esse mundo como uma realidade objetiva.

A criança identifica-se com o outro por uma multiplicidade de modos emocionais e interioriza o mundo como sendo o único possível, aquele que ela experienciou no convívio com a família (Ibid., p. 180). É por isso que o mundo interiorizado na socialização primária se torna muito mais sedimentado na consciência do que os mundos interiorizados nas socializações secundárias (Ibidem). As últimas compreendem qualquer processo subseqüente que introduz um indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade.

Por sua vez, Hall (2005b, p. 111-112) utiliza o termo “identidade” para significar o ponto de partida, ou de sutura, como chama, entre os discursos e as práticas que tentam nos “interpelar”, nos falar ou nos convocar de modo que tomemos o lugar de sujeitos sociais de discursos particulares. Assim, entende que as identidades são pontos de apego temporário às posições-de-sujeito construídas pelas práticas discursivas (HALL, 2005a, p. 13).

Para Fairclough (2003, p. 223), parte do que chama identidade social está intrinsecamente relacionada às circunstâncias sociais nas quais o indivíduo nasce e experimenta a primeira socialização. A outra parte é adquirida mais tarde, quando o

indivíduo assume papéis sociais, como, por exemplo, a profissão que exerce. Fairclough (Ibidem) igualmente reconhece a relação dialética existente entre esses dois aspectos da identidade.

O autor (Ibid., p. 160-161) destaca, portanto, que, para desenvolvermos a identidade social no seu sentido mais completo, precisamos ser capazes de assumir papéis sociais e personificá-los, ou seja, caracterizá-los com traços da nossa própria personalidade (individual). Assim, o autor afirma que o desenvolvimento completo como agente social está dialeticamente interconectado com o desenvolvimento da personalidade (Ibid., p. 161).

Fairclough (2003) argumenta que, ao pesquisarmos sobre identificação – como as pessoas se identificam e são identificadas por outros –, por meio da análise textual, estaremos focalizando a dialética entre identidade pessoal e social, o modo de ser do indivíduo social ou ainda, sua identidade no aspecto discursivo da linguagem, que chama de “Estilos”. Nesse sentido, o modo como as pessoas se comprometem com seus textos contribui para o processo de identificação de si mesmas, ou seja, para o processo de texturização identitária: o sujeito evocado pela atividade da palavra (FOUCAULT, 2004, p. 68).

No caso específico da construção identitária desenvolvida no decorrer do processo de docência, ser professor implica ser visto por si mesmo – e por outros – como professor. Em outras palavras, ser professor implica o processo de adquirir e, posteriormente, redefinir uma identidade que é socialmente legitimada (COLDRON & SMITH, 1999, p. 712). Dentro dessa perspectiva, a identidade não é algo que o professor tem, mas algo que usa para fazer sentido como professor (Ibidem). A identidade, portanto, não é fixa, mas um fenômeno relacional (BEIJAARD et al., 2004, p. 108).

Por sua vez, as representações sociais referem-se ao conhecimento adquirido pelo indivíduo e ao controle que ele tem sobre o mundo. Nesse sentido, constituem os significados construídos sociohistoricamente pelo ser humano à medida que ele interage em sociedade dentro das formações sociais às quais pertence (CASTRO, 2004a, p. 39). As representações dos professores sobre o seu conhecimento, sobre o seu agir e o poder que possui para agir estão relacionadas a questões políticas, ideológicas e teóricas. Desse modo, remetem “aos valores e verdades que determinam quem detém o poder de falar em nome de quem, quais são os discursos valorizados e a que interesses servem” (CELANI & MAGALHÃES, 2002, p. 321).

Ao chegar à universidade, o aluno de Letras traz, na bagagem, um conjunto rico e complexo de crenças, valores, juntamente com a sua história de vida, que refletem seus pressupostos em relação à cultura de ensinar e aprender uma LE, entendida como prática de significação ou, ainda, diferentes maneiras de entendermos o mundo, de produzirmos significados que remetem diretamente às identidades dos grupos que as compõem (CELANI & MAGALHÃES, 2002, p. 321- 22). Essa “bagagem ideológica” é elaborada ao longo de toda a sua vivência educacional, enquanto estavam nos bancos escolares (VIEIRA-ABRAHÃO, 2002, p. 59).

Na universidade, tais valores entram diretamente em contato e, na maioria das vezes, em conflito com a cultura de ensinar e aprender subjacente ao currículo. Este, segundo Giroux & McLaren (2000, p. 141), torna explícito que conhecimento é válido para o professor, o que significa ensinar-aprender naquele contexto universitário, quais são os papéis dos alunos e professores, de que modo a aprendizagem do aluno é verificada, quais discursos e valores recebem maior ênfase e, ainda, que concepções epistemológicas são vistas como válidas e, como resultado, quais os fracassos e os sucessos, bem como as razões que os embasam. Nesse sentido, as representações se constituem em uma cadeia de significados construídos na negociação entre os atores sociais e suas expectativas, intenções, valores e crenças (CELANI & MAGALHÃES, 2002, p. 323). Essas crenças são construídas ao longo da trajetória escolar e da prática docente e podem ser resistentes a mudanças, atuando como lentes através das quais os professores percebem novas informações durante seu processo formativo e profissional (VIEIRA- ABRAHÃO, 2004, p. 131).

Woodward (2000, p. 17) lembra que a representação envolve todas as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos e que, desse modo, nos posicionam como sujeitos. Além disso, a autora argumenta que os discursos e os sistemas de representação, vistos a partir de uma teoria cultural pós-estruturalista, constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos se posicionam e podem falar (Ibidem). Essas práticas de significação estabelecem relações de poder – poder para definir quais são os incluídos e quais os excluídos (Ibid., p. 18).

Assim, ao pesquisarmos sobre as representações de professores, estaremos discutindo o conhecimento adquirido por eles e o controle que têm sobre o mundo. Discursos diferentes representam também perspectivas diferentes do mundo e estão associados às diferentes relações que esses indivíduos estabelecem com o mundo (FAIRCLOUGH, 2003, p. 28). Tais relações, por sua vez, dependem de sua posição, de suas identidades pessoais e sociais e de suas relações sociais com os outros (Ibid., p. 24).

Os conceitos de identificação e representação social, revisados nesta seção, subsidiam a Análise Crítica do Discurso dos participantes das Fases 1 e 2. Esse aporte teórico possibilita discutir o processo de texturização de identidades (FAIRCLOUGH, 2003) do professor de inglês por meio do processo de representação de sua atividade profissional e de seus papéis no contexto de sala de aula. Tal perspectiva pressupõe que as práticas sociais vivenciadas pelo professor se configuram sociohistoricamente. Esse caráter histórico, ideológico e interpessoal da linguagem será discutido a seguir (Seção 1.3.1), sob a perspectiva sociocultural (VYGOTSKY, 2001), na qual sociedade, cultura e ideologia constituem o ser humano de muitas maneiras, mas nunca como indivíduo essencialmente livre (MOITA LOPES, 2006b, p. 25; PENNYCOOK, 2001, p. 119).