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CAPÍTULO 2 – FASE 1: IDENTIDADE E REPRESENTAÇÕES

2.2 Análise e discussão dos resultados da Fase 1

2.2.2 O perfil das estagiárias e suas representações de linguagem

2.2.2.1.4 As imagens e os papéis sociais das estagiárias

Neste último núcleo temático, fazemos uma tentativa de identificar os papéis associados ao profissional de língua inglesa pelas três participantes, a partir da análise de suas narrativas de história de vida e da construção de uma imagem. Para tanto, escrevemos um relato pessoal sobre as histórias narradas por cada uma das participantes (TELLES, 1999, p. 88), tentando apontar o modo como seu discurso desvela a construção de suas identidades enquanto profissionais de língua estrangeira.

Telles & Osório (1999) resgatam o conceito de Clandinin (1986) para definir imagem:

As imagens de sala de aula dos professores emergem de suas experiências pessoais e profissionais. São pontos de convergência de suas experiências, com evocações morais, emocionais e pessoais e, ainda, refletem as qualidades dessas mesmas experiências nas quais estão baseadas. Cada

imagem é específica de um determinado professor [grifo adicionado]. Tanto

as experiências ligadas às imagens quanto a maneira pela qual as imagens se ligam a essas experiências só podem ser atribuídas a um determinado professor (CLANDININ, 1986, p. 379 apud TELLES & OSÓRIO, 1999, p. 35).

As imagens traduzem, portanto, as experiências e significados para as ações que constituem a prática pedagógica do professor (Ibidem). Além disso, quando usadas com cautela, “podem ser de grande valia na criação de um padrão narrativo”15 (CLANDININ & CONELLY, 2000, p. 163) (Tradução nossa).

Para construir o perfil de E2, lançamos mão da imagem da missionária que, por definição, é “alguém que manifesta devoção a uma causa, que tenta persuadir ou convencer outros a um programa, doutrina ou grupo de princípios”16. Segundo

Coracini (2003, p. 246), essa imagem destaca o heróico e ao mesmo tempo o humano do(a) professor(a): como herói, caminha imbuída de uma missão e, como ser humano, sente medo diante das dificuldades. E2 apresenta, em seu discurso, uma devoção pela música em língua inglesa, que despertou nela a necessidade de ir em busca de seus significados (“Mas eu, o meu contato maior, assim, eu fui pegar

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gosto por causa da música mesmo. Adolescente, sabe como que é, né? Então música, música, música, e eu queria entender... E eu queria saber, poder, sabe, entender o que que a música falava...”). A vocação começa a se delinear a partir de um “chamamento” (“...quando eu era adolescente, tinha muito daquelas rádios que elas ah davam a letra da música e davam, aliás, a canção e eles...e o...e o locutor traduzia... E eu ficava enlouquecida com aquilo, né? Então eu queria saber cada vez mais, né?...”). Chegou a cursar Odontologia e Comércio Exterior, mas seu apego à música e, por conseguinte, à língua a colocou no caminho do Curso de Letras (“...Hoje me vejo, me imagino sempre uma professora cada vez melhor...”).

Durante seu processo formativo, procurou sempre evitar os “medos”, as “tentações” (“Sei muito bem o que não quero ser, o tipo de professora que não quero ser, pois pude ter a experiência de vivenciar isso através de meus próprios professores, de exemplos...”) e valorizar as experiências vividas, mesmo aquelas que considerou negativas (“Houveram, assim como há em qualquer ambiente, pessoas legais, pessoas chatas, esnobes, arrogantes, estúpidas, maravilhosas, inspiradoras...Há professores de todos os estilos, mas, com certeza, todos são exemplos...”).

Ao se reconhecer professora, resgata as experiências vivenciadas no início de sua caminhada e que para ela, como aprendiz, demonstram que pretende segui- las (“... Com certeza, quero trabalhar com música sempre que puder e fazer das minhas aulas um meio de incentivo aos alunos, uma motivação para sempre, querer mais e mais...”). E2 confessa, desse modo, que ensinar exige vocação (“... que eu acho que, que é uma coisa mais divina do que qualquer outro fator, assim...Eu acho que esse, esse dom e essa vocação de, do ensino”), característica que ela reconhece em si mesma (“...Então, eu sinto, eu tenho essa vocação pra ensinar, eu sei que eu tenho...”) e que a impulsiona pelos caminhos da profissão que deseja trilhar (“...eu acho que é uma coisa que eu quero seguir...”).

E1 enfrentou inúmeras dificuldades até chegar à licenciatura. A busca pela profissão a levou a fazer três vestibulares distintos. A imagem da montanhista, que decide vencer suas próprias limitações e as dificuldades enfrentadas pelo caminho para chegar ao seu objetivo – ser professora de inglês –, ajuda a construir sua

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One manifests devotion to a cause... who attempts to persuade or convert others to a particular

identidade profissional e está em sintonia com a definição apresentada no The Free

Dictionary: “Um montanhista que se especializa em escaladas difíceis”17. A

montanhista experimenta o terreno ao seu alcance para poder selecionar o melhor caminho para a escalada (“...passei pelo Peies para Jornalismo. Daí eu cursei um ano. Aí eu me traumatizei o suficiente para fazer vestibular para Engenharia Florestal, na URI, o que foi, talvez, o meu maior erro...”).

Durante a subida, tem ainda que vencer as intempéries do tempo. O vento, por exemplo, que sopra em sentido contrário e, na narrativa de E1, representa a secretária do cursinho pré-vestibular que tentou dissuadi-la de cursar Letras (“...tu vai sofrer muito e tu vai ter séries dificuldades financeiras pela tua vida a fora...”) e pela família e amigos (“...sofri bastante resistência das pessoas, assim, da minha família, meu amigos...”). Além dos desafios da própria escalada, a montanhista precisa, muitas vezes, enfrentar o olhar de desaprovação e de incompreensão dos espectadores (“Ninguém entendia, ninguém aceitou isso”). Mas ao final da escalada, desfruta da satisfação de ter vencido todas as dificuldades que se colocaram em seu caminho, chegando ao topo (“Mas eu tô muito satisfeita...”).

A narrativa de E1, portanto, deixa transparecer que o(a) professor(a) precisa vencer enormes percalços (suas próprias inseguranças e a incompreensão dos outros) e estar determinado(a) a não desistir se quiser desfrutar da profissão que escolheu. No seu caso, a profissão tem se configurado em um processo de árduas experiências, em sintonia com a definição que encontramos para montanhista.

Por fim, E3 revela, em sua narrativa, a imagem de que o(a) profissional de línguas deve ser um(a) entertainer, uma animadora, que, por definição, é “uma pessoa que tenta agradar ou divertir”18. Essa imagem foi construída ao longo de sua

experiência como aluna, a partir da relação que estabeleceu com uma professora de cursinho (“...ela não dá aula, ela dá um show...”) e foi identificada também na pesquisa de Alonso & Fogaça (2007, p. 29-30). O convívio com a professora deixa marcas profundas em E3 e determina a escolha da profissão (“...pra resumir, assim....quando eu olhei prá ela, eu falei assim: “Tá, é isso que eu quero fazer...”). Para Coracini (2003, p. 247), essa imagem é resultado do papel de animador “conquistado” pelos professor ao incorporar à sua prática pedagógica os métodos

17 a mountain climber who specializes in difficult climbs. 18

audiovisuais. Embora ainda tenha dificuldades em identificar, na atuação da professora, o que a fazia se destacar dos demais (“...Não sei...ela tem uma coisa assim...especial...”), E3 utiliza tal imagem na construção do papel do(a) professor(a) de inglês e de sua própria identidade. Em sua narrativa, argumenta em favor da superação do paradigma formal de ensino (“...que trabalhe de forma mais prática, que não se detenha somente em livros...”), indo em busca de atividades que façam parte do contexto do aluno (“...usando exemplos reais...”), no sentido de fazê-lo perceber a relevância da língua estrangeira (“...principalmente motivando os alunos de que aprender uma língua estrangeira é realmente importante”).

Podemos perceber que as participantes mantêm uma relação de afinidade, afeição com a língua inglesa desde o período escolar, sentimento que está associado à crença de que “têm facilidade para aprender o idioma”. Tais fatores contribuíram para a escolha da profissão. Suas narrativas revelam, ainda, uma diferença marcante entre os papéis atribuídos ao professor de inglês nos contextos da escola e dos cursos de idiomas. O primeiro pouco desafia o professor, que promove um ensino centrado na forma, considerado pelas estagiárias ultrapassado e tedioso. No segundo, o professor propicia aos alunos a interação com os colegas e a efetiva aprendizagem do idioma, papel com o qual se identificam.

Embora Letras não tenha tido o status de primeira opção no início de sua trajetória universitária, as experiências vivenciadas durante a graduação contribuíram para que se transformasse na profissão desejada. Em suas narrativas, se reconhecem, portanto, como professoras de inglês. Todavia, seus textos deixam transparecer que ser professor(a) de inglês demanda grandes sacrifícios, o enfrentamento de enormes dificuldades. Por outro lado, ao receberem o diploma, estarão devotadas à promoção de atividades que façam sentido e que envolvam emocionalmente o aluno. Desse modo, demonstram que as experiências vivenciadas como alunas, além de meras lembranças, ajudam a construir e a projetar suas futuras identidades profissionais.

A seguir, discutimos as representações de conceitos das três participantes estagiárias.