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Com o advento República, o Governo Provisório organizou-se para rapidamente estabelecer as normas responsáveis pela organização do país e para garantir a criação de uma nova Constituição. Em de 15 de novembro de 1889, foi publicado o Decreto n.o 174, elaborado por Ruy Barbosa e assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, como Chefe do Governo Provisório, por S. Lôbo, pelo próprio Ruy Barbosa, por Quintino Bocaiuva, Benjamin Constant e Wanderkolk Nogueira. Por meio dele, proclamou-se provisoriamente a República75, decretando-a federativa. As Províncias foram constituídas como Estados Unidos do Brasil, reunidas pela federação (artigo 2.o), incumbindo-se a elas, “no exercício de sua legítima soberania” (artigo 3.o), a elaboração das respectivas Constituições estaduais, a eleição dos corpos deliberativos e os governos locais. No entanto, determinou- se que o Governo Provisório não reconheceria nenhum governo local contrário à forma republicana, exigindo-se o “pronunciamento definitivo do voto da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular” (artigo 7.o).

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73 Ver também: PIVATTO, P. M. Discursos sobre o estado de sítio na Primeira República brasileira: uma

abordagem a partir das teorias de linguagem de Mikhail Bakhtin e Pierre Bourdieu. 2006. Dissertação de Mestrado. Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006, p. 123-163.

74

BRASIL. Decreto n.o 1, de 15 de novembro de 1889. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1-15-novembro-1889-532625-

publicacaooriginal-14906-pe.html>. Acesso em: 08 mai. 2013.

75 Pelo Decreto 78-A, de 21 de dezembro de 1889, baniu-se Dom Pedro de Alcântara e sua família do

território brasileiro. Cf. BRASIL. Decreto n.º 78-A, de 21 de dezembro de 1889. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-78-a-21-dezembro-1889-543750-norma- pe.html>. Acesso em: 08 mai. 2013.

35 Em 3 de dezembro de 1889, por meio do Decreto n.o 2976, o Governo Provisório nomeou uma comissão para elaborar um projeto de Constituição para o Brasil, que seria enviada ao Congresso Nacional. Essa comissão foi constituída por Joaquim Saldanha Marinho, Américo Brasiliense de Almeida Mello, Antônio Luiz dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José Antônio Pedreira de Magalhães Castro e ficou conhecida como Comissão dos Cinco77. Saldanha Marinho figurou como seu Presidente e nela foram produzidos três projetos, sendo um de Américo Brasiliense, um de Magalhães Castro e outro elaborado em conjunto por Rangel Pestana e Santos Werneck78. Depois, os três projetos foram analisados e consolidados pela Comissão, que encaminhou um projeto final ao Governo Provisório, e Ruy Barbosa, então Ministro da Fazenda, ficou responsável por sua revisão, imprimindo a ele relevantes alterações79, tais como a norma com a vedação de alteração das disposições constitucionais relativas à forma republicano-federativa80.

Findo esse processo, Deodoro da Fonseca expediu o Decreto n.o 510, em 22 de junho de 189081, por meio do qual se publicou a Constituição elaborada pelo Governo Provisório, para que fosse submetida ao Congresso, entrando em vigor nos pontos que foram ali especificados. Pela norma, convocou-se o Congresso Nacional para 15 de novembro e eleições em 15 de setembro (artigo 1.o), com poderes especiais para julgar a Constituição como a primeira de suas atribuições (artigo 2.o). Alguns autores da época, como João Barbalho82, Mendonça Azevedo83 e Felisbello Freire84 salientaram o fato de que

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76 BRASIL. Decreto n.o 29, de 3 de dezembro de 1889. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-29-3-dezembro-1889-517853- publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 08 mai. 2013.

77 Franco anota que Saldanha Marinho e Rangel Pestana eram signatários do Manifesto de 1870 e Américo

Brasiliense, Santos Werneck e Magalhães Castro eram do grupo dos republicanos históricos. Cf. FRANCO, A. A. de M. Curso de direito constitucional brasileiro: formação constitucional do Brasil. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 125. Sobre os trabalhos da Comissão dos Cinco, ver: ANDRADE, P. de; BONAVIDES, P. História constitucional do Brasil. Brasília: OAB Editora, 2006, p. 223-231.

78 Cf. FRANCO, A. A. de M. Op. cit., p. 126. 79

Os “Comentários à Constituição Federal Brasileira” de Ruy Barbosa foram coligidos e ordenados por Homero Pires a partir dos diversos discursos, conferências e manifestações de Ruy Barbosa ao longo dos anos. No prefácio elaborado por Pires, este rebate as afirmações de que Ruy Barbosa não teria influenciado decisivamente no produto final da Constituição de 1891, como teriam afirmado Felisbello Freire e Carlos Maximiliano (PIRES, H. Prefácio. BARBOSA, Ruy. Comentários. v. I., 1932, p. III e IV). E rebate essas ideias justamente comparando o texto da Comissão dos Cinco com o texto do Governo Provisório, elaborado por Ruy Barbosa com base naquele primeiro texto. Dessa comparação realizada por Homero Pires no prefácio, pode-se ver as alterações realizadas no dispositivo relativo à reforma constitucional (PIRES, H. Prefácio. BARBOSA, R. Comentários. v. I., 1932, p. XIII a XXVII).

80 Ibid., p. 128-129.

81 BRASIL. Decreto n.o 510, em 22 de junho de 1890. Disponível em:

<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=510&tipo_norma=DEC&data=18900622 &link=s>. Acesso em: 08 mai. 2013.

82

Cf. CAVALCANTI, J. B. U. Constituição federal brasileira: comentários. Rio de Janeiro: Companhia Litho-Typographia, 1902, p. 4.

36 o Congresso foi convocado não para produzir obra nova, mas apenas para julgar a Constituição elaborada pelo Governo Provisório.

Instalado, assim, o Congresso Nacional com poderes constituintes8586, narra-se que havia um clima político de impaciência, desejando-se a pronta reconstitucionalização do país87. Elegeu-se uma comissão composta por vinte e um membros (um de cada Estado), conhecida como Comissão dos Vinte e Um, com a finalidade de analisar o projeto encaminhado pelo Governo Provisório, o que se deu sem que fossem a ela introduzidas grandes inovações88. Depois, em 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição republicana do Brasil foi promulgada89.

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83 Cf. AZEVEDO, José Affonso Mendonça de. A constituição federal interpretada pelo Supremo Tribunal

Federal. Rio de Janeiro: Revista do Supremo Tribunal, 1925, p. 549.

84

Freire afirmou: “Nem era preciso estendel-a ao julgamento da legitimidade das novas instituições, porque essa sanção nacional indispensável á legitimidade do regimen politico e a de seu principio de autoridade, já se tinha operado livre e espontaneamente por todos os órgãos da opinião, mas adhesões com que receberam a obra revolucionaria. A soberania da nação só delegou o direito politico para elaborar o direito publico, e não para julgar a obra da revolução. Os principios que inspiraram a revolução de 15 de Novembro, dizia o governo no Decreto em que convocava a constituinte, deviam constituir a origem de todo o direito publico, a constituição dos Estados Unidos do Brazil. Ella não poderia ir além da esphera de acção limitada na funcção que ia exercer e na delegação que recebera, para julgar da constituição. Insistimos neste facto, pela idéa erronea que tem grassado de que a nação precisava ainda pronunciar-se sobre a fórma de governo.” (FREIRE, F. F. de O. História constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil. v. 3. Rio de Janeiro: Typographia Aldina, 1895, p. 4-5). E aponta que o programa revolucionário que deu causa à guerra civil no Rio Grande do Sul, por seus chefes militar e político, General Silva Tavares e Gaspar da Silveira Martins, respectivamente, tinha como ponto essencial justamente a consulta à nação sobre a forma de governo (FREIRE, Op. cit., p. 6).

85

Para um relato bastante minucioso do processo constituinte de 1889-1891, elaborado por um dos constituintes, ver: ROURE, A. de. A constituinte republicana. v. I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1920, p. 5-65.

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No terceiro volume de seu “História constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil”, Felisbello Freire apresenta o desenvolvimento do processo constituinte, salientando a enorme heterogeneidade das ideias em disputa na constituinte: “Assim, vemos que medicos, juristas, bachareis em direito, engenheiros civis e militares, litteratos, jornalistas, militares de mar e terra, nella tiveram assento. Não preciso aqui entrar na demonstração scientifica de que estas profissões têm educação scientifica heterogenea. Pois bem; tivemos de dirigir nossa attenção para esse aspecto do congresso, que não podia deixar de imprimir um cunho especial ás suas discussões, á sua obra, na multiplicidade de doutrinas e systemas que fizeram echo. O liberalismo de Spencer, o positivismo, os excessos federalistas, o individualismo social contra o protecionismo do Estado, e muitos outros systemas, tiveram seus ardentes e sinceros defensores”. (FREIRE, F. F. de O. Op. cit., p. VI).

87 Cf. ANDRADE, P. de; BONAVIDES, P. Op. cit., p. 231.

88 Para os trabalhos da Comissão, ver: ANDRADE, P. de; BONAVIDES, P. Op. cit., p. 231-233. 89

No que diz respeito às influências ideológicas nas instituições e cultura da Primeira República, José Reinaldo de Lima Lopes afirma que: “As influências ideológicas também são contraditórias. O positivismo de origem francesa e o evolucionismo social (de Spencer) combinavam-se de forma extraordinária no Brasil republicano. A hegemonia do positivismo no Brasil é um fenômeno único (Armory, 1997). Em lugar algum das Américas os intelectuais rendem-se tanto a esta concepção cientificista como por aqui. O contrário ocorria nos Estados Unidos neste período em que a jurisprudência, se bem que dominada pelo utilitarismo e pelo liberalismo, dava sinais de pragmatismo que mais tarde, nas primeiras décadas do século XX gerariam o realismo jurídico americano. O positivismo gerara uma política de caráter reformista, mas de reformismo pelo alto, não democrático, hobbesiano, jacobino. Ao mesmo tempo, o liberalismo impunha-se e generalizava-se no discurso dos bacharéis.” (LOPES, J. R. de L. O direito na história: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 368).

37 Nesse momento, já se iniciaram as aspirações revisionistas. Em manifestação proferida na mesma data de promulgação da Constituição, o Deputado Leopoldo de Bulhões afirmou que esta não havia resolvido “o problema da Federação”, razão pela qual já se exigiria sua revisão90. Othelo Rosa também noticia que, no “Manifesto dos constituintes rio-grandenses” de 21 de março de 1891, produzido tão logo foi promulgada a Constituição, propugnou-se por sua reforma, depois de uma emenda dos rio-grandenses rejeitada91 .

Passado o momento inicial de instalação de uma organização constitucional para a República, os atritos começaram a se intensificar entre civis e militares, entre as oligarquias e as Forças Armadas, e não cessaram com o passar do tempo92. Não obstante as tentativas de civis e militares para evitar o fechamento do Congresso por Deodoro da Fonseca, esses empreendimentos foram frustrados, e o Presidente decretou o estado de sítio e suspendeu a Constituição93 em 3 de novembro de 1891. Por meio do Decreto n.o 64194, Deodoro dissolveu o Congresso Nacional eleito no ano anterior, convocando a “nação” para escolher novos representantes. Fixou-se, no Decreto, que o novo Congresso realizaria uma revisão da Constituição de 24 de fevereiro de 1891, nos pontos indicados pelo decreto de convocação (artigo 4.o), estabelecendo-se a vedação de que versasse sobre disposições constitucionais sobre a forma republicano-federativa e sobre a inviolabilidade dos direitos relativos à liberdade e segurança individual (artigo 5.o).

Em 21 de novembro de 1891, Deodoro expediu o Decreto n.o 67795, em que afirmou, nos consideranda, que a desarmonia dos poderes constitucionais teria feito o Congresso presumir que o artigo 35 da Constituição permitiria ao Legislativo intervir em atos do Poder Executivo e do Poder Judiciário. Ademais, teceu uma série de considerações sobre disposições constitucionais consideradas perigosas ou carentes de complementação96 e assim convocou eleições para 29 de fevereiro de 1892 e o Congresso Nacional para o dia 3 de maio do mesmo ano. Também fixou as disposições constitucionais que, na forma do !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

90 Cf. NOGUEIRA, J. C. A. A reforma da constituição. Tese apresentada em concurso para provimento do

cargo de professor catedrático de Instrução Moral e Cívica no Ginásio da Capital do Estado de São Paulo. São Paulo, 1926, p. 33.

91 ROSA, O. Reorganização constitucional brasileira: programas de partidos e ideias individuais sobre a

reforma constitucional. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1931, p. 33-35.

92 Cf. CARONE, E. A primeira república (1889-1930). [S.l.]: Bertrand Brasil, 1988, p. 17 93

Ibid., p. 17.

94 BRASIL. Decreto n.o 641, de 3 de novembro de 1891. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D641.htm>. Acesso em: 08 mai. 2013.

95 BRASIL. Decreto n.o 677, de 21 de novembro de 1891. Disponível em: <

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-677-21-novembro-1891-504638-norma- pe.html>. Acesso em: 08 mai. 2013.

38 Decreto n.o 641/1891, deveriam ser revistas: artigo 17, § 1.o, artigo 23, § 2.o, artigo 28, artigo 29, primeira parte, artigo 35, artigo 40 e artigo 72, § 2.o97.

Dias depois, ante a reação dos partidários de Floriano, setores da Marinha e da oposição civil98 a essas medidas, veio a renúncia de Deodoro. Floriano Peixoto assumiu a Presidência e expediu o Decreto n.o 68699, de 23 de novembro de 1891, por meio do qual anulou os Decretos de 3 de novembro de 1891, que haviam dissolvido o Congresso Nacional, suspendido as garantias constitucionais e constituído Junta Militar para julgamento.

Depois desse momento inicial de maior instabilidade, as discussões sobre a reforma da Constituição continuaram. Edgard Carone salienta que, nos debates revisionistas, a discussão sobre o dispositivo constitucional relativo à intervenção federal (artigo 6.o) era muito recorrente no Legislativo, tendo sido levantados muitos projetos de revisão desde 1892: os projetos de Amaro Cavalcanti e Virgílio Damásio (1892), os de Aníbal Falcão (1892), L. Filgueiras (1893), Coelho Rodrigues (1894), Prudente de Moraes (1895) e Lauro Sodré (1897). O autor afirma que: “Todos estes são engavetados, mesmo o de Prudente, que governa[va] naquele momento”100.

Ataliba Nogueira e Castro Nunes mencionaram também o projeto de Elpídio de Mesquita, de 1920, que obteve sessenta e duas assinaturas de Deputados, para alteração da Constituição no que diz respeito à criação de tribunais regionais101. Narrando essa circunstância, Castro Nunes salienta que a iniciativa fracassou, uma vez que um projeto de lei ordinária foi elaborado para tratar do tema:

Era limitada objectivamente á alteração do texto para auctorisar a creação, por seus signatarios tida por inconstitucional, dos tribunaes federaes de segunda instancia, embora no discurso de apresentação da emenda tenham sido abordados, com a collaboração de varios apartes, outros aspectos da revisão, no que se denuncia certa tendencia generalizada dos espiritos, dentro do proprio Parlamento, no sentido da remodelação do estatuto republicano. A iniciativa fracassou, morreu ao !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

97 Oscar Stevenson afirma: “Collocamos Deodoro entre os primeiros revisionistas que despontaram no

scenario politico brasileiro, com indicar pontos que mereciam ser alterados. Quando dissolveu o Congresso, em 3 de novembro de 1891, declarou necessário reformar a Constituição, unificando a magistratura, reintegrando a União do dominio das terras devolutas, reduzindo o numero de deputados á metade e conferindo aos Estados egualdade de representação, fortificando a unidade politica, tolhendo que os officiaes da activa ocupassem cargos electivos.” (STEVENSON, O. A reforma da constituição federal. São Paulo: Typ. Rio Branco, 1926, p. 74).

98 Cf. FAUSTO, B. Op. cit., 219.

99 BRASIL. Decreto n.o 686, de 23 de novembro de 1891. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D686.htm>. Acesso em: 08 mai. 2013.

100

Cf. CARONE, E. A república velha: instituições e classes sociais (1889-1930). 4. ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Difel, 1978, p. 293.

39 nascer; porque o Congresso approvou o projecto de lei ordinaria que, originario do Senado, consubstanciava a creação dos ditos tribunaes, prescindindo assim da emenda constitucional.102 103 (grifo nosso)

Conforme se vê dessas manifestações parlamentares, pode-se notar que o debate sobre a revisão da Constituição de 1891 foi constante desde a sua promulgação104105 , mas não foi possível promover uma reforma constitucional durante mais de trinta anos de vigência. Assim, não obstante toda a agitação revisionista – especialmente nos debates em jornais e na doutrina – e também a constante decretação de estado de sítio naquele momento106, a Constituição permaneceu intacta até o fim do processo de sua reforma em 1926, ou seja, remanesceu sem alterações de seu texto por quase quatro décadas.

A reforma concluída em 1926 partiu da atuação do Presidente Artur Bernardes. No período de seu mandato (1922-1926)107, havia no país uma situação política extremamente conturbada, com pequenas revoluções em todo país – tanto no interior, caso da Coluna Prestes-Miguel Costa, como nos centros urbanos108 –, às quais invariavelmente se seguiram decretações de estado de sítio. Desenvolvendo um resumo da história constitucional do Brasil, Lacerda contextualiza historicamente a reforma constitucional de 1926, revelando circunstâncias de enorme instabilidade política, supressão de direitos, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

102 NUNES, J. de C. A jornada revisionista: os rumos, as ideias, o ambiente – estudo crítico da constituição.

Rio de Janeiro: Almeida Marques, 1924, p. 17.

103

Vale salientar que o STF julgou, em 11/09/1897, um caso relativo à regulamentação de aspectos do Poder Judiciário por lei infraconstitucional, entendendo não ser inconstitucional um dispositivo de lei que, não tendo sido aprovado pelos ritos do art. 90 da Constituição, conferiu ao Tribunal uma competência originária não contida explícita ou explicitamente no art. 59, I, da Constituição Federal, como se vê na ementa: “Não é inconstitucional o art. 12, § 4º, da lei n. 221, de 1894, na parte em que, independentemente dos modos solemnes prescriptos no art. 90, da Const. da Republica, conferio ao S. T. F. uma attribuição originaria não contida implicita, nem explicitamente nas clausulas do n. 1, do art. 59, attribuição que, na falta de uma convenção internacional, pertence ás Justiças locaes, segundo os arts. 34, n. 23, e 61, n. 2, da mesma Const., os arts. 93 e 95, do Dec. N. 1.334, de 18939, e o art. 32, n. 1, da propria lei n. 221, que lhe reconhece competencia para processar as arrecadações dos bens dos defunctos e ausentes e todas as acções, justificações e reclamações respecrivas, bem como para declarar sua vacancia e devolução á Fazenda Nacional, desde que não appareçam interessados para se habilitarem como legitimos sucessores, dentro do anno contato do auto da arrecadação”. (AZEVEDO, J. A. M, de. A constituição federal interpretada pelo

Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Revista do Supremo Tribunal, 1925, p. 526).

104

Herculano de Freitas, inicialmente antirrevisionista, exalta o fato de a Constituição de 1891 ter se mantido intacta: “A Constituição permanece até hoje intacta, legalmente, a despeito das várias propostas de modificação, das várias agitações políticas superficiais, em relação à sua reforma: é a lei fundamental da República, a lei que nos honra e nos orgulha.” (FREITAS, H. Direito constitucional. São Paulo, 1923, p. 56).

105 Cf. LEAL, A. História constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1915, p. 243-244. 106 De acordo com Hambloch, foram sucessivas as decretações de estado de sítio naquele momento, por

largos períodos: Prudente de Morais (1894-98), por mais de três meses; Campos Salles (1898-1902) não decretou em virtude da Política dos Governadores; Rodrigues Alves (1902-06), por mais de três meses; Hermes da Fonseca (1910-14), por nove meses; Venceslau Brás (1914-18), por mais de um ano; Epitácio Pessoa (1919-22), por quatro meses; Arthur Bernardes (1922-1926), por quase dois anos; Washington Luís (1926-30), por mais de dois meses. Cf. HAMBLOCH, E. Sua majestade o presidente do Brasil: um estudo do Brasil Constitucional (1889-1934). Tradução de Lêda Boechat. Brasília: Senado Federal, 2000.

107

Cf. CARONE, E. A república velha: evolução política. 2. ed. São Paulo: Difel, 1974, p. 361-392.

40 situações de exceção, abuso de poder e proeminência do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário:

Fez-se violenta campanha em torno da candidatura presidencial de Arthur Bernardes, á qual se contrapunha a de Nilo Peçanha; todavia, elle foi o reconhecido eleito para o nono quadriennio. Toda esta epoca decorreu em perene effervecencia politica, mantida e aggravada pelo pessoal de que se rodeou o Presidente e que veiu empolgal-o; houve intervenção federal nos Estado do Rio de Janeiro e da Bahia; revoluções no Estado do Rio- Grande do Sul e em S. Paulo (Izidoro Lopes), diversos motins militares e tentativas de revolta, e o interior do paiz foi percorrido e cruzado por forças rebeldes e legaes, dando-se muitos encontros sangrentos e mesmo diversos combates de maior vulto; o Distrito Federal e alguns Estados da Federação estiveram debaixo de estado de sitio perenne, decretado para até além do termo do periodo presidencial; a imprensa permaneceu amordaçada e com diversos órgãos suspensos; o sigillo da correspondencia particular era devassado nos correios, telegraphos e telephones; grandes levas de cidadãos e estrangeiros foram deportados para regiões longinquas e inhospitas, sem exame de culpa, soffrendo barbaro captiveiro e perecendo de febres palustres (Clevelandia); milhares de pessoas, por suspeita das autoridades ou victimas de vingança, viram-se presas, enchendo as detenções e os calabouços, ou atiradas a ilhas de fóra da barra do Guanabara, emquanto os profiteurs faziam os seus negocios e surgiam por encanto os nouveaux riches com grave escandalo do povo reduzido ao silencio e ás prepotencias do despotismo ignaro e brutal. A policia da Capital da Republica e os agentes policiais espalhados pelo governo federal em diversas regiões, celebrizaram-se pelo arbitrio illegal e desenvoltura cruel nas perseguições, conservando-se os tribunaes de braços cruzados e impotentes para o cumprimento da sua missão constitucional no tocante á proteção ás liberdades individuaes, e approvando ou subscrevendo o Congresso Nacional tudo quanto faziam ou lhe ditavam o orgão Executivo e seus agentes. O Brasil perdeu, nessa epoca, Ruy Barbosa, Hermes da Fonseca e Nilo Peçanha. Foi durante esse periodo presidencial tão revolto, sob um regimen politico de constrangimento e debaixo de innominavel ditadura policial de terror na Capital da Republica, em S. Paulo e noutros pontos do territorio nacional, que se effetuou a primeira