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3.3 O artigo 90 da Constituição de

3.3.1 Análises jurídico-dogmáticas: a descrição e interpretação da norma

3.3.1.5 Emendas à proposta de reforma

Diversos autores se manifestaram sobre a impossibilidade de emendas serem feitas depois de apresentada a proposta de reforma da Constituição, mas não houve qualquer posição doutrinária divergente.

João Barbalho concluiu que, feita a proposta nos termos do parágrafo 1.o do artigo 90 da Constituição, não seria possível o Congresso, ao aprová-la, estabelecer cláusulas novas e diversas daquelas nela apresentadas, porque as reformas constitucionais possuiriam uma natureza especial, o que faria surgir a necessidade de se adotarem mecanismos que inviabilizassem reformas inesperadas. Por isso haveria duas fases distintas para a reforma: primeiro, seria estabelecido em que termos uma reforma poderia se dar, e apenas depois é que se chegaria à efetiva reforma. Assim, não se poderia defender o cabimento de emendas, que pudessem desconsiderar esse primeiro momento. São as palavras de Barbalho: “A admissão então de alterações, de cláusulas não apresentadas na

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456 MARQUES, S. Elementos de direito público e constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Benjamin de Aguila,

1919, p. 342.

457

Cf. DINIZ, A. Direito público e direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917, p. 316.

124 proposta, não cogitadas antes de ela ser declarada aceita, viria a expô-la a desvirtuamento e ao perigo de dar-se ao país coisa diferente de sua aspiração”458.

Ademais, Barbalho afirmou que, se a Constituição estabeleceu um processo para a reforma constitucional distinto do processo ordinário, e o fez sem atribuir aos parlamentares o poder de emenda, não seria lícito admitir que seria possível realizá-las459. A reforma nasceria como fruto de uma aspiração nacional, já desenvolvida e preparada pela opinião geral, consubstanciada na proposta de reforma. Depois, no momento da deliberação para aprovação, na segunda fase, o parlamento estaria atrelado e limitado à proposta, para apenas avaliar sua conversão em lei ou não460.

Almachio Diniz seguiu a mesma linha de Barbalho, afirmando que a proposta de reforma já deveria conter todos as alterações que seriam feitas no texto constitucional, não sendo possível o estabelecimento de cláusulas novas ou diversas quando do momento de sua aprovação461. Carlos Maximiliano, também no mesmo sentido, defendeu que a proposta deveria ser “aceita ou rejeitada nos termos em que a ofereceram as legislaturas regionais ou a quarta parte de uma das câmaras federais462463.

Já Herculano de Freitas questionou se proposta de reforma apresentada pelos órgãos com poder de iniciativa deveria se concretizar em um projeto ou determinar apenas os pontos para reforma464: no primeiro caso, a atuação do Congresso estaria presa a este projeto; no segundo caso, estaria livre para a reforma465. E concluiu que o Congresso estaria limitado a um determinado projeto, e não livre para estabelecer qualquer alteração sobre pontos predeterminados. Isso atenderia ao objetivo de se evitarem surpresas que surgissem das emendas constitucionais:

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458 CAVALCANTI, J. B. U. Constituição federal brasileira: comentários. Rio de Janeiro: Companhia Litho-

Typographia, 1902, p. 366.

459 Cf. CAVALCANTI, J. B. U. Op. cit., p. 366-367.

460 Barbalho afirmou: “A idéa da reforma surge do espirito publico como em estado de larva, entra a

desenvolver-se no campo das discussões, na imprensa, na tribuna, nos comicios, vires acquirir eundo, e si o congresso a recebe, admittindo a proposta, passa esta então ao estado nymphal em que repousa no parlamento para sua transformação em lei, rompendo opportunamente a chrysalida regimental, protectora dessa transformação. E esta evolução mostra como a acção do parlamento por essa occasião é limitada; a reforma elle a recebe não em simples germen, em estado rudimentar, mas já desenvolvida e preparada pela opinião geral; ella vae ao congresso só para ser concretisada em lei da nação. Era aspiração nacional; verificando-o, e reconhecendo que está nos termos da Constituição, elle tem que reduzil-a a lei nacional. Sua missão é, observados esses termos, recolhel-a tal qual lhe chega e a ella dar consagração constitucional.” (CAVALCANTI, J. B. U. Op. cit., p. 367.).

461

Cf. DINIZ, A. Direito publico e direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917, p. 316-317.

462 Nesse ponto, Maximiliano citou Vedia (“Constitución Argentina”, de 1907) e João Barbalho. Cf.

MAXIMILIANO, Op. cit., p. 809.

463

Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit., p. 808-809.

464

Cf. FREITAS, H. de. Direito constitucional. São Paulo, 1923, p. 67.

125 Assim, pois, o certo é que, quer a reforma provocada pela iniciativa dos Estados, por meio de suas assembléas, quer a reforma provocada pela iniciativa da quarta parte dos representantes de uma Camara, o Congresso se acha adstrito a discutir um projeto determinado, já redigido e articulado. Não é provocado a fazer uma reforma: é provocado a fazer aquela reforma.466 (grifo nosso)

Em seu Manual e em “A revisão constitucional”, Araujo Castro citou Barbalho para dizer que o Congresso, ao decidir sobre a aprovação da proposta de reforma, não poderia fazer qualquer modificação467. Tendo em vista essa circunstância, seria conveniente que diversos projetos fossem apresentados, com diferentes caminhos, para que então determinada solução pudesse ser alcançada sem atrapalhar ou atrasar o andamento do processo de reforma468.

Apoiando-se em Barbalho e Maximiliano, Oscar Stevenson afirmou que na fase de aprovação da proposta, não se poderiam admitir emendas, “por que se não desvirtue a reforma e não se dê ao país coisa diversa de sua aspiração”469.

Havia, portanto, uma forte preocupação de todos os autores no sentido de se fixar os pontos passíveis de reforma e os termos em que poderia se dar, inviabilizando-se qualquer emenda da proposta em momento posterior. Com isso, iniciado o processo de reforma constitucional, não haveria o risco de o resultado ser diverso ou mais radical que o esperado.

Entretanto, na reforma da Constituição de 1891, que ocorreu entre 1924 e 1926, esse não foi o entendimento acolhido pelos legisladores na redação das normas regimentais que regeriam a tramitação e processamento da proposta. A Câmara dos Deputados, alterando seu regimento interno no que diz respeito aos tópicos que regulavam o debate e a votação das propostas de reforma constitucional, estabeleceu que:

Art. 7.o as emendas substitutivas serão as apresentadas em substituição a todas ou a qualquer das anteriormente approvadas, e deverão conter as alterações que suggerirem aos textos e aos artigos da Constituição ou da proposta a que se referirem, isolada ou englobadamente.470

Já o Senado, em seu regimento interno, estabeleceu, em seu artigo 7.o:

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466 FREITAS, H. de. Op. cit., p. 68-69. 467

Cf. CASTRO, R. de A. Manual da constituição brasileira. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurillo, 1918, p. 354.

468 Cf. CASTRO, R. de A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e

Cia., 1924, p. 19.

469

STEVENSON, O. Op. cit., p. 38.

470

Documentos parlamentares. Revisão constitucional. v. 3. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues e C., 1927, p. 59-61.

126 Art. 7.o Nas discussões poderão ser apresentadas emendas ás disposições da Constituição, ou emendas á proposta inicial da reforma.

Paragrapho unico. Para umas como para outras é exigida a assignatura da quarta parte dos membros do Senado.

Art. 8.o As emendas additivas, suppressivas ou substutivas de parte de qualquer disposição da Constituição ou da proposta, apresentadas por Senadores ou pela Commissão, serão redigidas de fórma que substituam integralmente a disposição alterada.471

Nesse passo, a posição da doutrina não foi acolhida pelo Congresso Nacional, que optou por uma compreensão mais flexível do processo de reforma.