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A limitação material da reforma constitucional

3.3 O artigo 90 da Constituição de

3.3.2 A limitação material da reforma constitucional

Como já se mencionou, o parágrafo 4.o do artigo 90 da Constituição de 1891 continha uma limitação material à reforma constitucional, vedando os projetos que pudessem levar à abolição da forma republicana e federativa, bem como da igualdade de representação dos Estados no Senado, ao prever: “Não poderão ser admitidos como objeto de deliberação, no Congresso, projetos tendentes a abolir a forma republicano-federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado”. Derrubada a monarquia e instalada a República, tomaram-se cautelas para evitar a queda da organização institucional instalada. Pretendendo inviabilizar a alteração da forma republicana e federativa no Brasil, ao menos considerando-se uma modificação que se realizasse dentro da ordem estabelecida, a norma constante no parágrafo 4.o do artigo 90 esteve mais sujeita a questionamentos do que aquelas que consubstanciavam o procedimento de reforma, naquele momento de tensão e conformação institucional recém-instalada.

Entre as obras analisadas, verifica-se que os trabalhos mais gerais de direito constitucional que se debruçaram sobre o tema por vezes questionaram a norma, como violadora da soberania nacional, mas outros a consideraram justificável. Entre os trabalhos específicos sobre a reforma constitucional do período, dois podem ser destacados por questionarem a vedação constitucional a projetos tendentes a abolir a forma republicano- federativa, mas caracterizando-se como livros de combate, com objetivo claramente político: o trabalho de Eduardo Prado496, de 1897, destinado a permitir as discussões sobre a forma monárquica, e o de Samuel de Oliveira, de 1912, que defendia o unitarismo497.

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494 Cf. STEVENSON, O. A reforma da constituição federal. São Paulo: Typ. Rio Branco, 1926, p. 32. 495 Cf. STEVENSON, O. Op. cit., p. 35.

496 PRADO, E. P. da S. Anulação das liberdades políticas: comentário ao § 4 do art. 90 da constituição da

República. São Paulo: Civilização, 1897.

497

OLIVEIRA, S. A. A verdadeira revisão constitucional: páginas de reação. Rio de Janeiro: Castilhos, 1912.

131 No prefácio à primeira edição de seu “História constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil”, de 1894, Felisbello Freire, que participara do processo constituinte, iniciou sua obra expondo o seu propósito: ao resgatar os elementos históricos que conduziram o Brasil até a República, desejava contribuir para a consolidação do novo regime, derrubando a ideia de que o princípio republicano seria algo meramente contingente e acidental. Isso porque o movimento do Exército que culminara na proclamação da República não se manteria definitivamente caso não houvesse condições morais e sociais como ponto de apoio498. Assim, desejava mostrar que haveria em curso um “agente consciente de transformação”, em curso há muito499. Não obstante essas considerações, que demonstram a adesão do autor ao regime instalado, no terceiro volume dessa obra500, ao tratar dar condições políticas dos membros do Congresso, Felisbello Freire salientou que poucos constituintes haviam participado da política do Império, sendo quase todos pertencentes ao “partido da propaganda” e desse fato decorreriam “excessos federalistas” e repúdio a qualquer “suspeita de sebastianismos” nos debates constituintes e, consequentemente, na Constituição de 1891501. A essa circunstância é que Freire atribuiu a origem da restrição contida no parágrafo 4.o do artigo 90 da Constituição, que o autor caracterizou como uma profunda restrição à soberania nacional:

D’essas convicções republicanas e dessas apprehensões pelas sympathias imperiaes nasceu o preceito da constituição que prohibe uma revisão constitucional que altere a fórma de governo e a federação. Como se vê, é uma restricção profunda á soberania nacional que foi limitada neste ponto pelos seus delegados. Esse preceito irá servir para o futuro de ponto de partida de deduções de certa gravidade e importancia. O parlamento entre !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

498 Cf. FREIRE, F. F. de O. História constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil. v. I. Rio de

Janeiro: Typographia Aldina, 1894, p. VIII.

499

Cf. FREIRE, F. F. de O. Op. cit., p. IX.

500 Vale salientar que Freire trata do que diz ser o "método" do terceiro volume de seu "História

constitucional", que consistiu no estudo da Constituição de 1891 artigo por artigo, a partir do projeto encaminhado pelo governo ao Congresso, as emendas, os substitutivos, os discursos utilizados por seus autores, comparando todos esses elementos para chegar ao "verdadeiro sentido do texto constitucional" e à "verdade da doutrina constitucional". Valeu-se inclusive das notas que tomou ao participar da constituinte como representante do Estado de Sergipe e do estudo comparativo com a Constituição dos Estados Unidos e seus comentadores. O objetivo, entretanto, não foi fazer um comentário da Constituição de 1891, embora a obra fosse considerada, pelo autor, um subsídio a quem desejasse fazê-lo. E conclui: "O que pudemos fazer fizemos, com a convicção de ser um serviço prestado á República, imposto pela sinceridade de nossas convicções". (FREIRE, F. F. de O. História constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil. v. III. Rio de Janeiro: Typographia Aldina, 1895, p. XIII).

501

O autor afirmou: “Por isso mesmo que a propaganda se objectivava principalmente em salientar as vantagens da fórma de governo republicano e da federação, sobre o regimen imperial e a centralisação, elles na constituinte foram de extrema susceptibilidade sobre estes dous assumptos. Dahi a razão de ser dos excessos federalistas de que resente-se a constituição e os debates da constituinte e das suspeitas de sebastianismo que nutriam contra qualquer orador, que na critica dos actos do governo provisorio, deixava transluzir suas sympathias pelo imperio.” (FREIRE, F. F. de O. História constitucional da República dos

132 nós se constituio mais soberano do que em outro paiz [Estados Unidos] regido por instituições identicas ás nossas.502 (grifo nosso)

Em momento posterior, ao comentar as disposições gerais da Constituição de 1891, Freire afirmou, no que diz respeito ao parágrafo 4.o, que houve quem desejasse restringir esse dispositivo na Constituinte, mas não se alcançou sucesso, razão pela qual teria havido uma mutilação na soberania: “Essa opinião não encontrou eco na constituinte, ficando por assim dizer mutilada a soberania da nação”503.

Outros autores seguiram na mesma linha, afirmando que a disposição representaria uma ofensa à soberania nacional ou que poderia facilmente ser superada por essa soberania, seja por revolução, seja pela dupla revisão – suprimindo-se o parágrafo 4o para depois alterar-se as partes da Constituição sobre as quais recaia a limitação material.

Alfredo Lima, em trabalho de 1893, criticou o que dispunha o parágrafo 4.o do artigo 90 da Constituição de 1891, que trazia “restrições ao princípio da revisão”504 , informando ter sido a primeira retirada da Constituição francesa de 1884 e a segunda, da Constituição americana505, com a ressalva de que lá não poderia haver a supressão da igualdade de sufrágio no Senado sem o consentimento do respectivo Estado. Concluiu que, por mais que se estivesse ciente de serem as soluções adotadas as melhores, não deveria a Constituição ter previsto essa limitação à escolha da “nação” 506. Essa disposição seria ofensiva à soberania nacional, e não seria lógica, uma vez reconhecido o direito da nação

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502 Cf FREIRE, F. F. de O. História constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil. v. III. Rio de

Janeiro: Typographia Aldina, 1895, p. IX.

503 Cf. Ibid., p. 276.

504 Cf. LIMA, A. M. de B. O. Direito público. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo:

Typographia da Companhia Industrial de São Paulo, 1893, p. 97.

505

Em um discurso realizado no Senado em 3 de julho de 1891, Ruy Barbosa falou das origens do parágrafo 4.o do artigo 90, em especial da vedação à alteração da igualdade de representação dos Estados no Senado, dizendo que foi produzido no projeto do Governo Provisório e, portanto, com sua intervenção. Ele fora buscar na Constituição dos Estados Unidos essa disposição, no artigo que previa que nenhuma emenda poderia alterar, até o ano de 1808, a regra de que de nenhum Estado seria retirado, sem o seu consentimento, a igualdade de sufrágio com relação aos demais Estados: “O art. 90, § 4.o da Constituição de 24 de Fevereiro, que declara irreformavel o principio da igualdade de representação dos Estados na Camara dos Senadores, e o art. 32, que confere ex-officio ao Vice-Presidente da Republica a Presidencia do Senado, são reproduccções textuaes, respectivamente, do art. 85, § 4.o e do art. 39 do projecto constitucional promulgado em 22 de Junho pelo Governo Provisorio. O legislador constituinte copiou ipsis litteris as disposições da Constituição formulada por nós. Onde fomos nós, porém, onde foi o Governo Provisorio buscar essas duas idéas, a concepção dessas duas particularidades, que assignalam a physionomia caracteristica do Senado Federal? Na Constituição dos Estados Unidos, secção III, clausula 4.o e art. 5.o. A primeira dessas duas disposições prescreve: ‘Nenhuma emenda antes do anno de 1808 poderá alterar a regra de que a nenhum estado é lícito tirar, sem o seu consentimento, o seu suffragio igual aos demais no Senado’.” (BARBOSA, R. Comentários

à Constituição Federal Brasileira. Coligidos e ordenados por Homero Pires. v. VI. São Paulo: Saraiva e Cia.,

1934, p. 493).

506

Cf. LIMA, A. M. de B. O. Direito público. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo: Typographia da Companhia Industrial de São Paulo, 1893, p. 97-98.

133 de escolher a forma de governo. Ademais, não haveria qualquer outro mecanismo que pudesse frear a vontade de alterar essa escolha:

Effectivamente, desde que se reconhece que a nação tem o direito de escolher a sua fórma de governo, de estabelecer os principios de accordo com os quais deve reger-se, como não reconhecer-lhe o direito de reformar, em qualquer ponto a sua constituição, de alterar, modificar ou substituir por outros estes principios, desde que assim reputar conveniente? Que outro poder mais alto do que a propria nação se erguerá para pôr obstáculos, para impedir que se realisem as reformas que ella julgar necessarias fazer? Ha receio de que ella possa transviar-se na adopção dessas reformas, alterando as suas intituições fundamentaes para peor e quer-se por este meio livral-a dos perigos em que ella por suas proprias mãos possa precipitar-se? Mas então, força é confessar que o melhor governo seria aquelle segundo o qual uma nação permanecesse sob os auspicios de uma vontade e de uma direcção que não fosse a sua propria. Esta theoria, porém, vai caminho direto do despotismo e não se chega mesmo a este raciocinando por outra fórma.507

E, por fim, citando a Constituição francesa de 1791, que se pretendia imutável, afirmou que limitar um povo de tal forma poderia ter graves consequências: “o levais a fazer uma revolução contra si mesmo e a destruir a constituição que ele fundou”508.

Também criticando o dispositivo, Souza Resende afirmou que os militares teriam deslocado a soberania nacional em 1889, tomando para si o poder de impedir ou dificultar que a nação pudesse desfazer o que instituíram, ao prever a limitação do parágrafo 4.o do artigo 90: “Tiveram, manca e suspeitosa para que, por todo o sempre, a nação não tivesse o direito de desfazer o que estava feito! Muito difícil, senão impossível, será a reforma pelos meios preceituados, eternamente limitada pelo § 4 art. 90” 509. À nação, entretanto, pertenceria o jus constituendi, e Resende afirma ironicamente que os constituintes não se lembraram desse ponto ao redigir aquele dispositivo510. Estevão Resende também comparou a Constituição brasileira com a americana no ponto relativo à igualdade de representação no Senado, encontrando nesta última a inspiração para a vedação à forma republicana, mas entendeu que a brasileira seria “mais absoluta”511.

Nesse passo, Resende concluiu pela inutilidade das formalidades para a reforma da Constituição por duas razões. Em primeiro lugar, apresentou uma crítica ao fato de que o Exército tomara para si o poder de alterar as instituições nacionais ao derrubar a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

507 LIMA, A. M. de B. O. Op. cit., p. 98. 508 LIMA, A. M. de B. O. Op. cit., p. 99.

509 RESENDE, E. R. de S. A constituição monárquica de 1824 e as constituições federal e dos Estados do

Brasil: estudos constitucionais. São Paulo: Casa Garraux, 1900, p. 11.

510

Cf. RESENDE, E. R. de S. Op. cit., p. 11.

134 monarquia e instalar a República: “todas estas formalidades, para a reforma da Constituição, são inúteis em um país, como o nosso, onde as forças armadas, de si para si, constituindo-se mandatários e primeiros representantes da nação, em momento dado, fazem e desfazem as constituições” 512. Ademais, a nação teria o direito de determinar as formas de exercício do poder e a sua delegação, não podendo esta delegação caracterizar- se pela perpetuidade:

Quasquer que sejam as penas e disposições escriptas o principio de direito puro e simples é que á nação soberana compete o jus constituendi. Nihil tam naturale est quam eo genere, quidque dissolvere, quo colligatum est. A soberania, como diz Pimenta Bueno, é um attributo nacional, a propriedade que a nação tem de sua propria inteligencia, força e poder collectivo e supremo; é o indispensável direito de terminar as formas, instituições, garantias fundamentaes, o modo e condições da delegação do mesmo poder. Como homens, a nação não póde alienar as faculdades constitutivas do seu ser moral; as delegações, ou antes a sua constituição organica, decretada segundo as confições do tempo ou da occasião não póde ter o cunho da perpetuidade, para que nunca mais seja reformada, em parte ou no todo. Acima da lei escripta está a Soberania da nação para revogal-a.513

Em “Elementos de direito público e constitucional brasileiro”, publicado pela primeira vez em 1913, Octavio e Vianna trataram da soberania, definindo-a como o direito que um povo tem de regular a sua existência514. Então, apresentaram a soberania como una, indivisível, inalienável e imprescritível, e apontaram o parágrafo 4.o do artigo da Constituição como contrário à imprescritibilidade da vontade da nação de escolher e mudar a forma de governo. Essa limitação, entretanto, poderia ser superada pela revolução: “Tal proibição pressupõe a conformação da vontade nacional com a organização vigente do Estado. Essa vontade da nação pode, entretanto, se manifestar de modo diverso pela revolução”515.

Alguns autores analisaram a questão considerando a disposição desnecessária. Em seu “Manual de direito público e de direito constitucional”, Ferreira Bastos, questionou justamente se a disposição que vedava a forma republicano-federativa seria realmente necessária. Isso porque, embora o autor considerasse razoável que o Poder Legislativo pudesse reformar a Constituição, essa faculdade não poderia ser considerada tão ampla a ponto de permitir que pudesse suprimir a própria Constituição, pela abolição !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

512 RESENDE, E. R. de S. Op. cit., p. 177. 513 RESENDE, E. R. de S. Op. cit., p. 177. 514

Cf. OCTAVIO, R.; VIANNA, P. D. Elementos de direito público e constitucional brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia., 1930, p. 42.

135 de seus princípios essenciais e fundamentais. Além disso, essa disposição não faria sentido porque a apresentação de um projeto de tal natureza poderia ensejar a intervenção federal e porque os Estados sequer poderiam se constituir se não respeitassem os princípios constitucionais da União. E concluiu que:

Preferivel seria que a Constituição não tivesse consignado o citado § 4.º; mas é que ella entendeu de bom aviso estabelecel-o, para armar as Mesas das casas do Congresso de meios que, prompta e peremptoriamente, fizessem desapparecer da arena de discussão, por inadmissivel, qualquer projecto a respeito da abolição da forma republicana federativa.516 Quanto à igualdade de representação dos Estados no Senado, Ferreira Bastos afirmou que, na Constituição dos Estados Unidos, esta seria a disposição constitucional menos sujeita a alterações, justamente porque o Estado que tivesse sua igualdade de voto restrita no Senado deveria assentir para tanto. Essa disposição representaria a própria igualdade política das unidades que formaram o Estado Federal. De qualquer forma, não haveria razão lógica para que um Estado se submetesse a tanto. Mas, tendo o parágrafo 4o do artigo 90 previsto essa limitação, Bastos questionou se qualquer projeto que tivesse por objeto a questão deveria ser imediatamente repelido517. O autor também apresentou uma reflexão sobre a igualdade de representação no que diz respeito ao Distrito Federal, já que o parágrafo 4.o tratava apenas da igualdade de representação dos Estados no Senado, para sugerir que a norma constitucional geraria uma série de dúvidas. Dessa forma, concluiu que melhor seria que o dispositivo não estivesse previsto na Constituição: “(...) as duvidas que surgem desapareceriam se não existisse na Constituição o § 4.º, cujo comentário fazemos”518.

Tal como Bastos, Silva Marques considerou a disposição desnecessária, mas por razões diversas do primeiro autor. Marques afirma que a disposição relativa à vedação a projetos tendentes a abolir a forma republicana federativa seria supérflua, já que não haveria exemplo de mudança pacífica de forma de governo, e assim também seria supérflua a vedação da alteração da igualdade de representação no Senado, porque seria justamente o princípio fundamental daquela forma de governo. Assim, entendeu que o dispositivo restringia a soberania popular e, assim, poderia ser perigoso em certas circunstâncias: “Se aos partidários da forma unitária vierem reunir-se os desiludidos da

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516 BASTOS, F. J. F. Manual de direito público e de direito constitucional brasileiro. Bahia: Joaquim

Ribeiro e Co., 1914, p. 422-423.

517

Cf. BASTOS, F. J. F. Op. cit., p. 423-424.

136 federação, de modo que os adeptos daquela constituam a maioria, eles não terão outro meio de fazer valer a sua vontade, senão a violência ou a revolução”519.

Outros autores consideraram que a norma do parágrafo 4.o do artigo 90 seria justificável.

E 1892, João Barbalho anotou que essas proibições não constavam dos projetos anteriores àquele do Governo Provisório, e vinham sendo objeto de críticas ao argumento de que seriam incompatíveis com a natureza dos atos orgânicos constitucionais, “os quais, por mais estabilidade que devam ter, não podem aspirar a imutabilidade”, e por representarem uma restrição imposta à soberania nacional520. No que diz respeito à igualdade de representação no Senado, Barbalho limitou-se a citar “O Federalista”, onde se justificou essa circunstância para a Constituição elaborada pela Convenção de Filadélfia521. Quando à forma federativa, Barbalho lembrou que, em seu artigo 6.o, a Constituição brasileira autorizaria até mesmo a intervenção da União nos Estados para garantir essa característica especial da organização institucional brasileira.

Ao contrário dos autores anteriormente mencionados, João Barbalho, argumentou que não se poderia considerar que as limitações materiais à reforma constitucional mutilassem a soberania da nação. Isso porque haveria também outras limitações de natureza semelhante:

Que as duas restricções d’este § 4o limitem e mutilem a propria soberania da nação, não é rigorosamente exato; apenas dizem respeito ao exercicio d’ella e não são as unicas limitações d’essa natureza em nossa Constituição. Já uma Constituição é por si mesmo limitativa d’esse exercicio. Por ella a nação fixa balisas aos poderes que estabelece para o governo, e n’isto restringe sua acção soberana quando ao modo de ser governada.522 (grifo nosso).

Barbalho apresentou as incompatibilidades eleitorais como restrições à faculdade soberana de a nação escolher seus representantes, assim como a imposição de requisitos para a eleição para certos cargos. Até mesmo os direitos individuais, anteriores e superiores à Constituição, sofreriam limitações ao seu exercício que a Constituição lhe imporia, como a expropriação forçada, a proibição de reuniões armadas, a prisão preventiva e a suspensão das garantias constitucionais. A disposição do parágrafo quarto

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519 MARQUES, S. Elementos de direito público e constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Benjamin de Aguila,

1919, p. 342-343.

520 Cf. CAVALCANTI, J. B. U. Constituição federal brasileira: comentários. Rio de Janeiro: Companhia

Litho-Typographia, 1902, p. 368.

521

Cf. CAVALCANTI, J. B. U. Op. cit. p. 368-369.

137 do artigo 90 representaria determinação de prudência política, servindo “à estabilidade das instituições e à felicidade dos povos”523.

Já em “Constituição federal brasileira: com breves explicações para os que não são versados na lição dos publicistas e para as classes superiores das escolas primárias”, João Barbalho, ao mencionar essas limitações, afirmou que foram informadas por “prudência política”:

Desde o art. 6, § 2 mostra-se ella [a Constituição brasileira] ciosa da forma republicana federativa e autorisa o governo federal a intervir nos Estados, até por meio de armas, para manter esse caracteristico essencial de nossa organisação politica. Quanto a egualdade de numero de senadores de cada Estado, ficou isto como uma homenagem á egualdade de condição politica dos Estados, unidades componentes da União. E, afinal, estas prohibições são inspiradas por bem entendida prudencia politica e servem a um sabio proposito á estabilidade das instituições.524 Em 1893, José Soriano de Souza também concluiu que o legislador constituinte reconheceu o direito da nação de alterar a Constituição, mas estabeleceu os limites do parágrafo 4.o, além do procedimento de reforma, que a estendia no tempo, como garantia contra “as pressas e açodamento dos espíritos reformadores”525. Questionando a razão para a existência da restrição quanto à forma republicana federativa, Souza concluiu que seria, “evidentemente”, o “desejo de conservar a forma de governo adoptada pela Nação, ou pelo menos dificultar muito a sua mudança”526. Essa disposição, ainda que não fosse insuperável à “vontade soberana da nação”, ainda assim seria o limite justificável: “Se a limitação constitucional ao poder do Congresso de deliberar a respeito da abolição da forma federativa republicana, não é um obstáculo invencível à vontade soberana da nação,