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Características do órgão responsável pela decisão e ocasião para a deliberação

3.3 O artigo 90 da Constituição de

3.3.1 Análises jurídico-dogmáticas: a descrição e interpretação da norma

3.3.1.3 Características do órgão responsável pela decisão e ocasião para a deliberação

Os doutrinadores da época, analisando a previsão constitucional sobre o procedimento para a reforma, também comentaram as características dos órgãos responsáveis pelas revisões constitucionais em comparação com o previsto na Constituição de 1891 e opinaram sobre o tipo de sessão em que poderia haver a deliberação para a reforma no Brasil.

Alfredo Lima criticou o fato de não se adotar a solução de convocação de um assembleia com poderes especiais para realizar a reforma constitucional, porque a solução brasileira faria surgir o “grave erro” de fazer constituinte um poder constituído:

Uma constituição é antes de tudo uma garantia estabelecida pela nação para impedir a usurpação do poder por parte daquelles que delle são depositarios. É por tanto uma incoherencia conceder a este o direito de alterar os limites desse poder, de ampliar ou modificar suas atribuições.426

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Almachio. Direito publico e direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917, p. 316).

424 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 18.178/DF, Rel. Min. Hermenegildo de Barros.

Revista dos Tribunaes, ano XV, v. LIX, ago. 1926.

425

Cf. A Constituição reformada, Revista dos Tribunaes, ano XV, v. LIX, ago. 1926.

426

LIMA, A. M. de B. O. Direito público. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo: Typographia da Companhia Industrial de São Paulo, 1893, p. 96.

117 A Constituição não teria fugido a esta incoerência, e ainda teria adotado a solução da França à época – país em que, declarando-se que a Constituição seria revista, Senado e Câmara seriam fundidos em uma casa nacional, para realizar a revisão –, no sentido de que a revisão constitucional ficava inteiramente dependente da atuação do Congresso Nacional. Lima defendeu teria sido melhor que se tivesse reproduzido o que determinou o legislador americano. Neste ponto, embora afirmasse que a Constituição do Império fosse mais difícil de ser alterada, considerava-a mais racional, pois exigia que os eleitores conferissem poderes especiais aos deputados para que pudessem realizar a reforma427.

Herculano de Freitas apresentou as formas como a Constituição poderia ser feita ou reformada, em termos gerais e depois referindo-se à Constituição brasileira, como obedecendo a um processo em que o próprio Poder Legislativo ordinário seria responsável pela reforma, atendendo, entretanto, a um processo especial, e não à instituição de uma convenção especial, por exemplo428429.

Em “A revisão constitucional”, de 1924, Araujo Castro, depois de descrever os procedimentos de reforma nos Estados Unidos, na Argentina, no México e na Suíça, descreveu o processo brasileiro do artigo 90430, comentando que a Constituição brasileira não exigiria nem ratificação em convenção especial, como ocorreria na Argentina e poderia eventualmente ocorrer nos Estados Unidos, nem pela legislatura dos Estados, como no México e também nos Estados Unidos. Por essa razão, Herman James teria considerado que o Brasil não constituiria realmente uma federação:

Herman James, estranhando que o Brasil tenha adoptado o processo de ratificação pelo Congresso em vez de ratificação pelas legislaturas dos Estados, conforme se pratica nos Estados Unidos, observa que se o verdadeiro caracteristico do regimen federal consistisse, como já se tem assegurado, na impossibilidade de alterar a fundamental relação entre a

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427

Cf. LIMA, A. M. de B. O. Op. cit., p. 97.

428 Cf. FREITAS, H de. Direito constitucional. São Paulo, 1923, p. 63.

429 O autor afirma: “As Constituições podem ser diretamente elaboradas pelos órgãos populares, nos Estados

cuja forma de governo é a Democracia direta ou absoluta, como sucede nalguns cantõs da Suíça – Uri, os do Rodano e outros; outras vêzes a Constituição é elaborada por um órgão especial em colaboração com o voto popular, isto é, dependendo a reforma, a alteração, a elaboração constitucional da ratificação do povo, por meio do voto, como sucede na União Americana e nalguns Estados dessa mesma União; outras vêzes a Constituição é elaborada por um órgão especial, com o nome de Convenção é elaborada por um órgão especial, com o nome de Convenção ou de Constituinte; outras vêzes é elaborada pelo próprio poder legislativo ordinário, obedecendo a regras especiais, como é o caso da Constituição Brasileira, que dá ao Congresso Nacional o poder de modificar a Constituição, obedecendo certas regras que estabelece, em relação ao momento e em relação ao modus faciendi.” (FREITAS, H de. Op. cit., p. 63).

430

Cf. CASTRO, R. de A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e Cia., 1924, p. 11-12.

118 Nação e os Estados sómente por acção daquella, então o Brasil não constituiria uma federação431.432

Sobre essa questão, Araujo Castro citou González Calderón, que distinguiria o poder constituinte do poder legislativo ordinário e depois, ao comentar o caso brasileiro, teria afirmado que o poder constituinte não seria o mesmo poder legislativo operando segundo sua capacidade ordinária433. Haveria dois métodos principais para a revisão constitucional além do referendo: uma assembleia eleita especificamente para o fim e uma revisão feita pelo próprio Poder Legislativo. O primeiro modelo, de assembleia eleita para um fim específico, seria mais racional, para Araujo Castro434, porque o assunto seria submetido previamente à avaliação do eleitorado. Entretanto, seria um sistema ruim para a reforma parcial ou limitada. Por outro lado, a revisão feita pelo próprio Poder Legislativo, “funcionando como poder constituinte, recebe, muitas vezes, em sua organização, certas modificações temporárias, e, em geral, exige quorum diverso e maior”. Esse modelo, adotado pelo Brasil, teria a vantagem de ser mais simples e rápido, e a desvantagem de os membros do Legislativo não serem eleitos para esse fim. E completou: “(...) mas tal objeção desaparece quando as duas câmaras são, como na Bélgica, renovadas por eleição antes de proceder à revisão435”436.

E, depois de descrever a reforma constitucional no Império, Araujo Castro afirmou que a Constituição brasileira não teria adotado o procedimento de convenção especial, nem aprovação na legislatura seguinte, nem assembleia nacional, nem aprovação pelos Estados e nem referendo popular, permitindo a reforma constitucional em apenas uma legislatura. Com isso, seria razoável que se utilizasse um quorum mais elevado para a aceitação e aprovação da proposta de reforma:

A Constituição Federal adoptou systema differente. Não cogitou de convenção especial, como fazem a Argentina e os Estados Unidos; nem de approvação pela legislatura seguinte, como fazia a Constituição do !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

431 Aqui, Araujo Castro citou “The Constitutional System of Brasil”, de Herman James. Cf. CASTRO, R. de

A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e Cia., 1924, p. 12.

432

CASTRO, R. de A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e Cia., 1924, p. 12.

433 Cf. CASTRO, R. de A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e

Cia., 1924, p. 15-16.

434

Nesse ponto, o autor citou “Eléments de droit constitutionnel français et comparé”, de A. Esmein.

435 De acordo com Castro: “O systema da revisão parcial ou limitada, observa NEZARD, é não sómente mais

pratico como o que assegura ás instituições maior estabilidade.” A citação de Nezard dizia respeito à obra “Eléments de droit public”. Cf. CASTRO, R. de A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e Cia., 1924, p. 16.

436

CASTRO, R. de A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e Cia., 1924, p. 16.

119 Imperio e como fazem a Belgica, a Hollanda e o Uriguay; nem de assembléa nacional, como faz a França, nem de approvação pelos Estados ou Cantões, como fazem os Estados Unidos, o Mexico e a Suissa; nem de referendum popular, como fazem a Suissa e os Estados da União Americana: commetteu todo o trabalho ao Congresso Nacional, com a faculdade de realizal-o em uma unica legislatura, permittindo apenas aos Estados a proposta das emendas. Não era natural, pois, que exigisse um quorum mais elevado?437

Castro citou o modelo da França, em que as duas câmaras se reuniriam para formar uma Assembleia Constitucional, para salientar que a Constituição brasileira não admitiria a hipótese de que a Câmara dos Deputados e o Senado trabalhassem em conjunto para a reforma constitucional. Entretanto, fez uma observação para que se conferisse especial atenção à circunstância tão delicada: “(...) mas seria conveniente que, quando cada uma delas trabalhasse na reforma constitucional, não se ocupasse de qualquer outro assunto, pois dessa maneira todas as atenções seriam dedicadas à solução de tão relevante problema”438.

Carlos Maximiliano, por sua vez, expôs que haveria dois processos para alterar a Constituição: “a) o Congresso ordinário reconhece preliminarmente a necessidade da reforma, que é decretada por uma Convenção reunida para aquele fim; b) as câmaras, sem mandato especial, observando apenas cautelas rigorosas, modificam o código supremo”439. O primeiro sistema seria, na visão do autor, mais liberal e democrático, porque seria devolvido à nação “o direito de alterar ou substituir as instituições vigentes”, permitindo ao eleitor conferir uma investidura especial e específica para esse fim440. O segundo processo teria a vantagem de permitir maior facilidade para a realização de revisões parciais e limitadas441 e “apoiadas pelas conclusões da Sociologia”. Embora a Constituição brasileira não pertencesse ao grupo de países que adotavam uma convenção nacional e que, para ele, “resguardam melhor dos abusos e usurpações do Legislativo as franquias individuais442”, ainda assim imporia dificuldades às revisões totais ou parciais e deixaria “patente a

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437 CASTRO, R. de A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e Cia.,

1924, p. 18.

438 CASTRO, R. de A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e Cia.,

1924, p. 19.

439 Cf. MAXIMILIANO, C. Comentários à constituição brasileira. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos

Santos, 1918, p. 805.

440 Ao mencioná-lo, Maximiliano citou John Burgess (“The reconciliation of Govern with liberty”, de 1915)

e Esmein. Cf. MAXIMILIANO, Op. cit., p. 805.

441

Mais uma vez, Maximiliano cita Esmein. Cf. MAXIMILIANO, Op. cit., p. 805.

120 diferença, quanto à estabilidade, entre a lei ordinária e a constitucional”443. Maximiliano também defendeu que os debates apenas poderiam ser realizados em sessão ordinária444:

(...) porque o intuito evidente da Constituinte foi deixar transcorrer algum tempo entre o inicio da reforma e a sua acceitação definitiva, o que se não daria se fosse licito convocar extraordinariamente o Congresso afim de proseguir, em principio de Janeiro, na tarefa interrompida a 31 de Dezembro.445

Vê-se que há uma postura dos doutrinadores de lamentarem que a Constituição brasileira tivesse tão somente estabelecido um procedimento especial para a reforma constitucional, sem a previsão de um órgão especial ou de uma investidura especial para esse fim específico.

Quanto à deliberação, José Soriano de Souza, em obra de 1893, salientou que as duas Casas deveriam discutir e deliberar separadamente, tanto para aceitação da proposta de reforma constitucional quanto para aprovação. Outro entendimento não poderia ser adotado, segundo ele, pois, se a Constituição exigisse a reunião, o Senado poderia ser aniquilado pela Câmara, superior em número. E assim a reforma poderia se fazer sem o voto dos Estados. Aristides Milton também salientou que a aprovação da proposta de reforma constitucional deveria ocorrer em sessão ordinária, para evitar qualquer tipo de surpresas e para que o maior número de precauções fossem tomadas, tendo em vista a relevância da matéria446. Araujo Castro apoiou a opinião de Aristides Milton no sentido de que a aprovação deve ser feita em sessão ordinária. Citou também as opiniões de Carlos Maximiliano (em seus Comentários) e de Ruy Barbosa (na plataforma de 1910) no mesmo sentido447.

Vale salientar, entretanto, que em parecer publicano na Revista Forense em 1905, Ruy Barbosa manifestou-se sobre a reforma constitucional em sessão extraordinária do Congresso Nacional, tratando especificamente da reforma da Constituição de Minas Gerais (assim como outros juristas o fizeram na Revista Forense naquele mesmo ano). O texto da Constituição mineira sobre a reforma da Constituição, quanto à proposta de reforma, era em essência idêntico ao texto da Constituição Federal. Valendo-se da máxima de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

443 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos

Santos, 1918, p. 806-807.

444 Nesse ponto, Maximiliano apontou a opinião de Aristides Milton, Cf. MAXIMILIANO, Op. cit., p. 808. 445 MAXIMILIANO, C. Op. cit., p. 808.

446 Cf. MILTON, A. A. A constituição do Brasil: notícia histórica, texto e comentário. 2. ed. Rio de Janeiro:

Imprensa Nacional, 1898, p. 498.

447

Cf. CASTRO, R. de A. A reforma constitucional. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, Freitas Bastos, Spicer e Cia., 1924, p. 12-13.

121 interpretação de que, onde a lei não distingue, não é lícito ao intérprete distinguir, não haveria qualquer restrição à reforma constitucional em sessão extraordinária do Congresso Nacional: “O texto, pois, não restringe o exercício dessa atribuição legislativa às sessões ordinárias. Não há, logo, razão expressa para o não admitir nas extraordinárias”448. E também não se poderia inferir implicitamente essa proibição:

Implicitamente não distingue, tambem, visto como não se descobre no espirito dessa disposição, ou no systema e na harmonia da lei constitucional, onde tal disposição se encontra, motivo razoavel para circumscrever ás sessões ordinarias o uso daquella attribuição legislativa. Não é de todo em todo impossivel que assuma caracter de urgencia a iniciativa de uma alteração constitucional, e então, achando-se reunido extraordinariamente o Congresso do Estado, bem é que lhe assista o direito de a promover.449