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FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS) DA EDUCAÇÃO INFANTIL: IDENTIDADE E ESTÁGIO

2- A construção sócio-histórica do(a) educador(a) infantil

A Constituição Federal-CF (BRASIL, 1988) registrou o direito das crianças de zero a seis anos em espaços educativos, ou seja, em escolas. Assim o reconhecimento da relevância do professor(a) que é dedicado(a) a estar com crianças nas creches (zero a três anos) e nas pré-escolas (quatro e cinco anos) com formação de nível superior é historicamente recente. Segundo Kuhlmann (2003) no século XIX é que se pode dizer que surgem instituições para receber crianças entre zero a seis anos de idade, será possível também afirmar que eram mulheres com seus dotes maternos que realizavam o trabalho.

Este estudioso revelou que no Brasil a ideia de cuidar dessas crianças em espaços específicos tomou, como modelo, as salas de asilo da França, para crianças de três aos seis anos ou creche para crianças de até dois anos. Kuhlmann (2003, p.472) destaca que “a creche, para os bebês, cumpriria uma função de apoio à família e seria exclusivamente para quando as mães necessitassem trabalhar”.

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158 A partir de 1899 começa uma lenta ampliação de creches e escolas maternais,

sendo a “primeira delas, vinculada à Fábrica de Tecidos Corcovado no Rio de Janeiro” (KUHLMANN, 2003, p. 476). Estas instituições que passam a ser criadas no País estavam vinculadas aos organismos educativos ou a órgãos de assistência social ou, ainda, iniciativas da área de saúde e, na sua maioria, eram destinadas ao atendimento de crianças pobres com conotação assistencialista.

Nesta perspectiva a entrada da mulher no magistério deu-se em uma dimensão não de atuação profissional mas, uma ação em que as qualidade exigidas eram as mesmas realizadas no âmbito do lar, ou seja, a educação e o cuidado que se tem aos filhos na esfera privada. Almeida (1998, p. 17) explica que “no imaginário da sociedade brasileira [...] o sexo feminino aglutinava atributos de pureza, doçura, moralidade cristã, maternidade [...] que deveriam impregnar a vida social”. Para Micarelho (2011, p. 215) “o trabalho da mulher/professora passa a ser identificado como vocação, o que contribui para um esvaziamento do caráter profissional das funções por ela exercidas.”

Só muito mais tarde em 1974 e que se tem uma primeira iniciativa do poder público federal sobre a preparação do(a) professor(ra) para a já chamada pré-escola. Era a indicação n.45 que tem como tema “Educação do pré-escolar” do Conselho Federal de Educação (BRASIL, 1979) que sinalizou a habilitação em nível de segundo grau. O que advogava a defesa desta preocupação naquele contexto histórico foi explicado por Kramer (1995), ela aponta que o governo federal estava comprometido com uma educação pré-escolar de cunho compensatório, ou seja, a busca de abertura de vagas para atender crianças carentes com o objetivo de sanar as suas, supostas, deficiências culturais por meio de uma aprendizagem que antecipasse o início do então chamado ensino de primeiro grau.

Os anos de 1980 a educação infantil tornou-se direito da criança (BRASIL, 1988) de zero a seis anos abrindo, em consequência, espaço para que o(a) educador(ra) da educação infantil entrasse na política nacional de formação de professores(as). Segundo Micarello (2011, p.217) documentos oficiais do Ministério da Educação- MEC- como “Por uma política de formação dos profissionais de educação infantil” do ano de 1994, indicavam um contexto profícuo para uma formação que compreende as minúcias da Educação Infantil, mas a falta de clareza sobre a função desse segmento impediu o avanço nas discussões.

É neste contexto que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996) é formulada tornando a educação infantil primeira etapa do

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159 ensino no Brasil, na qual também, se define a sua função para o desenvolvimento

integral da criança em idade específica (artigo 29) e, consequentemente, enfatiza que o profissional para esta atividade é o(a) professor(a) preferencialmente de nível superior (artigo 62).

Contudo a lógica que se seguiu no trabalho com as crianças da Educação Infantil permaneceu, em grande parte, com os moldes antigos: cuidado e assistencialismo para os bebês e crianças muito pequenas na creche e, por outro lado, o modelo compensatório para as crianças pequenas de quatro a seis anos na pré-escola (KUHLMANN, 1999). Além disso, também está impregnado no ideário da sociedade que este trabalho deve continuar sendo feito por mulheres. Quanto a isso Kramer (2011, p. 125) ao analisar questões relacionadas à formação desses(as) educadores(as) destaca de imediato que: “As atividades do magistério infantil estão associadas ao papel sexual, reprodutivo, desempenhado tradicionalmente pelas mulheres, caracterizando situações que reproduzem o cotidiano [...]”.

Neste sentido cabe a discussão do que se entende por profissionalização docente que para Oliveira-Formosinho (2011, p.134) “diz respeito à ação profissional integrada que a pessoa da educadora desenvolve junto das crianças e famílias com base nos conhecimentos, competências e sentimentos, assumindo a dimensão moral da profissão”. Tal ideia se refere à formação acadêmica superior. Diante disto questiona-se: há pessoas atuando sem estas características profissionais? Sabe-se que existiu e ainda existem muitos profissionais sem qualificação assumindo turmas da Educação Infantil nas várias regiões brasileiras (KRAMER, 2011; CERISARA, 2004; DIDONET, 2014), mas sabe-se também que mesmo quando há professores(as) pedagogos(as) estes(as), ainda assim, são discriminados(as) devido o peso histórico de sua constituição profissional.

Quando Oliveira-Formosinho (2011, p.134) afunila o conceito de profissionalização para as questões específicas do(a) professor(a) infantil ela diz existirem especificidades, sobretudo, no que envolve a “dependência da criança em relação ao adulto nas rotinas de cuidados (higiene, limpeza, saúde)”. Aprende-se também com a estudiosa que a criança em relação ao(à) educador(ra) na Educação Infantil, mantem uma posição de vulnerabilidade física, emocional e social o que torna o(a) profissional diferentes de outros educadores.

Nesta perspectiva “a profissionalidade dos educadores infantis deverá estar fundamentada na efetivação de um cuidar que promova educação, e de uma educação

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160 que não deixe de cuidar da criança, de atendê-la em suas necessidades [...]” entendendo

também que, a ação pedagógica deverá ser nutrida com aprofundamento teórico e determinação para fazer diferente, ou seja, a criança deve ter atendida as “exigências essenciais desde a sua mais tenra idade em atividades, espaços e tempos de ludicidade” (ANGOTTI, 2006, p.19).

Entretanto Cerisara (2004, p. 343) também expõe as contradições do educar/cuidar no Brasil pois, para ela, “no contexto das instituições de educação infantil, ainda se constata uma separação entre o educar e o cuidar, a qual tem que ser questionada.” Fica claro que é necessário um avanço neste debate, na busca pela superação desta dicotomia que tem, com intensidade, prejudicado a criação de uma postura mais adequada junto às crianças.

Além desta evolução conceitual para o seguimento da primeira etapa, as políticas educacionais e de formação também devem ser pensadas para continuar contribuindo para uma (re)formulação do entendimento da Educação Infantil e do perfil do(a) profissional atuante. Uma destas conquistas legais foi com a Emenda Constitucional-EC 59, posterior texto da Lei 12796 (BRASIL, 2013) que tornou obrigatório a matrícula na pré-escola. Entretanto a creche ficou em uma situação de isolamento, visto que, com a EC o Ensino Médio também tornou-se obrigatório, ou seja, toda a Educação Básica com exceção do atendimento de zero a três anos. A fragilidade da creche é evidente pois, a abertura de vagas ficou condicionada a uma demanda, que na verdade é ignorada (DIDONET, 2014) e abre precedente para a contratação de pessoas desqualificadas com a justificativa de que a exigência de formação é mais intensa na educação obrigatória.

O desfecho da Lei 12.796 (BRASIL, 2013) que, desafortunadamente, envolveu a formação do(a) educador(a) infantil foi também desastroso. Segundo Didonet (2014) a criação desta Lei iniciou com o Projeto de Lei- PL n. 5.395/2009, da Presidência da República, e tinha como intensão a mudança do artigo 62 da LDB. “Ele pretendia retirar a possibilidade de admissão de professores formados em nível médio na modalidade normal para o magistério nas primeiras quatro séries do ensino fundamental, mas a mantinha para a educação infantil” (DIDONET, 2014, p.146). Vê-se uma atividade contradiscursiva dos próprios governantes brasileiros que acabaram por continuar admitindo a formação mínima de nível médio mesmo para o Ensino Fundamental I. O episódio também reforçou a insularidade da profissionalização do(a) docente infantil em que, tal profissional, continua sendo compreendido como alguém que desenvolve uma

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161 atividade educativa de menor importância comparado aos demais professores(ras) da

Educação Básica, e até mesmo, uma atividade que dispensa formação superior.

A despeito desta situação Didonet (2014, p.164) afirma: “É ponto de partida tanto da definição do perfil profissional quanto da remuneração o princípio de que os educadores da infância devem ter formação à altura das exigências que a fase mais importante da vida na formação humana apresenta”. É inegável que o Brasil está na contra mão destas ideias em termos de políticas públicas de preparação e carreira docente.

3-Estágio e pesquisa na formação de professores(as) da Educação Infantil Neste caminho para a formação de professores(as) localizamos o Curso de Pedagogia da UFT/Palmas e o componente curricular de Estágio da Educação Infantil. A orientação teórica do estágio está pautada nos estudos de Pimenta e Lima (2004, p.57) que trazem os apontamentos para a realização de um estágio com o viés da pesquisa. A ideia é uma formação que supere o distanciamento teórico/técnico da universidade e o trabalho que é desenvolvido no chão da escola. “O desafio é proceder ao intercâmbio, durante o processo formativo, entre o que se teoriza e o que se pratica em ambas”.

Sobre a formação do(a) docente para a primeira etapa no curso de pedagogia Ostetto (2000, p.19) diz que uma crítica sobre os currículos dos cursos superiores que formam professores(as) infantis diz respeito, “mais particularmente, aos aspectos escolarizados da educação infantil, secundarizando questões referentes aos ‘cuidados’ devido às crianças pequenas”. Como mencionado, os cursos de pedagogia no Brasil têm mais tradição em pensar a formação de pessoas para o trabalho com crianças maiores, nesta lógica é possível concluir que a licenciatura foi impactada com algo novo que exige ser pensado.

É preciso apreender as questões particulares da formação do(a) educador(a) infantil visto que segundo Pimenta e Lima (2004, p.63 e 64) há de “considerar os aspectos subjetivos da profissão, que dizem da identificação”, além disso, há de se pensar também naquilo que permeia no imaginário social e coletivo que está presente no momento de decisão por ser ou não professor(a) de pequeninos. “Será no confronto com as representações e as demandas sociais que a identidade construída durante o processo de formação será reconhecida, para o qual são necessários os conhecimentos, os saberes e as habilidades [...]”. Sabe-se que a construção da identidade profissional tem haver

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162 então com os saberes teórico/técnicos, metodológicos e as condições objetivas do

trabalho, ou seja, prestígio social, salários, condições efetivas de atuação, formação continuada, planos de carreira dentre outros.

No que se refere às condições sociais do trabalho em creches e pré-escolas destaca-se o que já sinalizou Kramer (2011, p. 125) “a ideologia aí presente camufla as precárias condições de trabalho, esvazia o conteúdo profissional da carreira, desmobiliza os profissionais quanto às reivindicações salariais e não os leva a perceber o poder da profissão”. O desafio do Curso superior é então de profunda mudança, para que também se mude as ideias na dinâmica social contribuindo, assim, para ultrapassar a visão simplória que massacra os(as) professores(as). Pimenta e Lima (2004, p.109) enfatizam que diante do estágio o futuro professor(a) pode se confrontar com as diversas contradições da escola desenhadas nas relações social, cultural, política e econômica, sendo que, “ao mesmo tempo em que reproduz a lógica dominante do capital e do capital cultural, revela as possibilidades e formas de conhecimento necessárias para a transformação social.”

Para tanto se faz importante que a disciplina de estágio seja compreendida como um significativo componente curricular no curso de formação. Desse modo a disciplina foi sendo organizada mediante orientações do projeto de Curso ao longo dos semestres da pesquisa, a saber, 2011/II, 2012/II, 2013/ I e 2014/I e II, em uma busca de contribuir com a formação do docente da primeira infância visto que ela tem intensão primordial no campo da Educação Infantil. A sua oferta, normalmente, é garantida semestre a semestre, tem carga horária de 120horas e localiza-se no sexto período do Curso.

O eixo principal é a pesquisa como método de formação pois, acredita-se que a prática de ensino deve caminhar para a reflexão da realidade, visto que é uma atividade teórico/prática. A pesquisa permite, por sua vez, a ampliação das análises dos contextos educacionais, possibilitando ainda o surgimento de temas cada vez mais amplos. Tal reflexão precisa levar em conta a influência do contato social e histórico, devendo ser permeada pelas tendências teóricas de sua época e, só assim, ter um potencial transformador em sua prática.