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CAPÍTULO 1. NEOLIBERALISMO: A RACIONALIDADE CONTEMPORÂNEA DO CAPITAL

1.3 A CONTRARREFORMA NEOLIBERAL DO ESTADO BRASILEIRO

O processo de integração do Brasil no projeto de globalização pode ser entendido como uma extensão contínua da governabilidade neoliberal. O Estado brasileiro foi tardiamente incorporado ao ideário neoliberal, porém, rapidamente assumiu o protagonismo no processo de integração do continente latino americano, articulado à ação de atores transnacionais e intergovernamentais (grandes corporações, decisores financeiros e organismos internacionais).

Nesse cenário, destaca-se a nova configuração da divisão internacional do trabalho. O surgimento ou a inserção de novos mercados (Leste Europeu, asiáticos, africanos e latino-americanos) trouxeram enormes consequências: como a desindustrialização e a desnacionalização de regiões econômicas inteiras, para atender às condições exigidas pelo bloco hegemônico neoliberal (EUA, Alemanha, Japão, BM e FMI).

Esse bloco hegemônico intensificou constantemente as regulações da competitividade internacional. Os anos noventa testemunharam enormes mudanças na

20 Para Fontes, o “capital-imperialismo” corresponde à “totalidade que somente pode existir em processo

permanente de expansão e que, tendo ultrapassado determinado patamar de concentração, se converte em forma de extração de mais-valor dentro e fora das fronteiras nacionais” (FONTES, 2010, p. 162).

política brasileira de liberalização financeira, de flexibilidade do mercado de trabalho, de privatização de bens e serviços públicos.

A inserção brasileira na nova divisão internacional do trabalho se manifesta de maneira híbrida (ARCARY, 2016), em que “o Brasil deveria ser compreendido como uma semicolônia privilegiada e, ao mesmo tempo, como submetrópole” (ARCARY, 2016, p. 7). Essa síntese entre semicolônia privilegiada e submetrópole é que confere ao Brasil um estatuto híbrido.

E assim o autor define os conceitos de semicôlonia e submetrópole: é uma semicolônia visto que

[...] é um país atrasado em toda a linha. Sempre dependeu da importação de capitais e tecnologia, e tem uma burguesia resignada a um papel subordinado a Washington no sistema de Estados, entre outros muitos fatores. Não obstante é uma semicolônia muito especial, privilegiada, o que se expressou ao longo de décadas de distintas formas. Quando da crise da superinflação provocada pela inadimplência da dívida externa, por exemplo, ao contrário de muitos vizinhos, sua economia nunca foi, plenamente, dolarizada. Vale a pena investigar em que medida essa localização como privilegiada ainda é, plenamente, atual. (ARCARY, 2016, p. 7)

E é uma submetrópole, pois,

[...] o gigantismo da economia brasileira ofereceu escala e projetou presença de algumas grandes empresas nos mercados de países vizinhos da América do Sul transformando-se, também, em plataforma de exportação de capitais e serviços. Mas não é um país subimperialista, porque sua pujança econômica não se traduziu em domínio político: o projeto do Mercosul garantiu superávits comerciais, porém permaneceu, politicamente, estéril e acéfalo. (ARCARY, 2016, p. 7-8)

Esses dois conceitos auxiliam na compreensão do papel que o Brasil cumpre na América Latina e da sua importância de subalternidade diante dos países imperialistas que compõem a OCDE. É considerando esses dois conceitos que se deve analisar as contrarreformas21 neoliberais do Estado brasileiro. Elas encontraram representação na

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Coutinho, apoiado em Gramsci (2010, p. 34), relaciona o termo contrarreforma “ao movimento pelo qual a Igreja Católica, no Concílio de Tentro, reagiu contra a Reforma protestante e algumas de suas consequências políticas e culturais”. Para Coutinho, Gramsci pouco se dedicou ao estudo do termo em seus cadernos do cárcere, mas, em algumas passagens, ampliou o termo a outros contextos históricos. Nas palavras do autor: “Sobre a possibilidade de estender historicamente o termo, pode-se constatar que Gramsci, num parágrafo em que fala do humanismo, refere-se a uma ‘contrarreforma antecipada’. [...] Em outro parágrafo, no qual caracteriza as utopias como reações ‘modernas’ e ‘populares’ à Contrarreforma, Gramsci apresenta um dos traços definidores desta última como sendo próprio de todas as restaurações. [...] Podemos supor, assim, que a diferença essencial entre uma revolução passiva e uma contrarreforma reside no fato de que, enquanto na primeira certamente existem ‘restaurações’ – mas que ‘acolheram uma certa parte das exigências que vinham de baixo’ – na segunda é preponderante não o momento do novo, mas precisamente o do velho. Trata-se de uma diferença sutil que tem um significado histórico que não pode ser subestimado. [Portanto,] o que caracteriza o processo de contrarreforma não é a completa ausência do novo, mas a enorme preponderância da conservação (ou mesmo da restauração) em face das

mundialização da economia, proporcionando profundas transformações na atuação e na dinâmica do Estado brasileiro e dos países centrais.

Essas contrarreformas reestruturam o Estado em dois aspectos que geram confusão na sua compreensão: “de fora, com privatizações maciças das empresas públicas que põem fim ao ‘Estado produtor’, mas também de dentro, com a instauração de um Estado avaliador e regulador que mobiliza novos instrumentos de poder e, com eles, estrutura novas relações entre governo e sujeitos sociais” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 273). A combinação desses aspectos ocasionou uma reconfiguração do papel do Estado como mantenedor direto para o de regulador da prática dos sujeitos privados.

O embrião da contrarreforma do Estado brasileiro se deu na conformação de um bloco histórico conservador em meados da década de 1980. Segundo Barros R., esse bloco histórico foi composto pela “aliança de classes entre distintas frações do enquadramento capitalista e as classes médias, em especial o núcleo duro de sua

intelligentsia – se dá em meio a uma crise prolongada da ditadura civil-militar”

(BARROS R., 2007, p. 37, grifo do autor). Para o autor, as condições objetivas e subjetivas foram gestadas historicamente no decorrer do desenvolvimento da política conservadora22, que culminou com a hegemonia neoliberal diante do projeto de mundialização financeira.

Essa hegemonia neoliberal nacional teve reflexo, no plano internacional, dos constructos inerentes ao Consenso de Washington. Este último caracterizou-se, conforme Barros R. (2007, p. 39), como “projeto político sob o comando do grande capital financeiro internacional, e consolidou-se na América Latina – e no Brasil em específico”, que contou com o bloco histórico conservador e um “pacto social” firmado entre a burguesia brasileira e o imperialismo norte-americano.

O Consenso de Washington foi anunciado como uma tentativa de recompor a hegemonia burguesa na América Latina frente à “crise estrutural do capital” (MÉSZÁROS, 2006). Essa crise estrutural desnuda a contradição fundamental do modo de produção (capital-trabalho). Isto é, o caráter social da produção e a apropriação privada dos resultados da produção.

eventuais e tímidas novidades” (COUTINHO, 2010, p. 38). Ver os conceitos de Revolução passiva e de Restauração na nota nº 33.

22 Para Barros R., a transição política conservadora foi “politicamente resolvida através da Nova

República, o Congresso Constituinte e o estabelecimento mesmo de um calendário eleitoral” (BARROS R., 2007, p. 37).

A relação capital-trabalho é compreendida por Marx como uma espécie de “metempsicose”, em que o trabalho alcança a aptidão de conservar valores e, ao mesmo tempo, em adicionar mais-valor. Conforme Marx (2013, p. 284), “é um dom natural da força de trabalho em ação, do trabalho vivo, um dom que não custa nada ao trabalhador, mas é muito rentável para o capitalista, na medida em que conserva o valor existente do capital”.

Marx esclarece que os capitalistas absorvem essa dádiva da força de trabalho gratuitamente enquanto os negócios prosperam, até que aconteça algo que afete a composição orgânica do capital e, evidentemente, a lei da queda tendencial da taxa de lucro, formando, assim, as crises.

Entre essas crises, citamos a de 1970, que levou à ruptura unilateral dos Estados Unidos do Acordo de Bretton Woods e representou o esgotamento virtuoso do ciclo de acumulação do Pós-segunda Guerra mundial, que se caracterizou “pelo declínio das taxas de crescimento e posterior crise estrutural das economias centrais, deslanchou um profundo processo de reestruturação tecnológica e produtiva nos países industrializados” (SOARES, 2009, p. 20).

Nesse contexto de crise, cresceu a influência dos ideólogos contrários à concepção keynesiana que alicerçou a construção de uma nova hegemonia, a neoliberal, na condução das políticas de globalização. Sob essas influências das teorias neoliberais, o Banco Mundial estabeleceu condicionalidades para gerenciar relações de créditos precários com os países endividados, através de um conjunto de “reformas” estruturais.

Essas condicionalidades balizaram o “famigerado” Consenso de Washington, assinado no final da década de 1980. Uma das finalidades desse consenso era avaliar e decidir quais políticas seriam “aconselhadas” para aplicação das contrarreformas econômicas, principalmente na América Latina.

As condicionalidades foram traduzidas em dez pontos consensuais23 que conformariam o receituário básico para as reformas dos Estados que atendessem à hegemonia neoliberal na região como sinônimo de “modernidade”.

23 Decálogo de Washington: “(01) Disciplina fiscal através da qual o Estado deve limitar seus gastos à

arrecadação, eliminando déficit público; (02) Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infraestrutura; (03) Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indiretos e menor, progressivamente, nos impostos diretos; (04) Liberalização financeira, com o fim das restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em desigualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor; (05) Taxa de câmbio competitiva; (06) Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a impulsionar a globalização da economia; (07) Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo o investimento direto estrangeiro; (08) Privatização com venda de empresas estatais; (09)

Para Soares (2009, p. 36) “apesar de o país ser considerado rebelde às políticas do Consenso de Washington. A verdade é que o Brasil vem adotando uma série de reformas propostas pelo modelo liberal”. A burguesia nacional que aderiu ao consenso

de Washington identificava que o problema da crise era fruto de políticas internas e não

de um contexto mais global da crise financeira. A solução para a crise, segundo essa fração da burguesia, “residiria em reformas neoliberais apresentadas como propostas modernizadoras, contra o anacronismo de nossas estruturas econômicas e políticas” (BATISTA, 1994, p. 7).

A proposta “modernizadora” do Estado brasileiro de superação da crise seguiu uma tendência mundial. Os intelectuais orgânicos do neoliberalismo posicionaram-se com extensas críticas à ineficiência e à improdutividade do Estado burocrático. Como solução, esses intelectuais apresentavam o setor privado como produtivo, eficiente e empreendedor, em contraposição ao Estado burocrático.

O governo brasileiro, num consenso ativo, acolhe as exigências neoliberais, que propõem novos dispositivos administrativos e sociais para reduzir custos e atender às demandas da competitividade econômica. O bloco histórico conservador conformado entre a burguesia brasileira e a internacional teve à frente o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC)24, que gerenciou as ações políticas estratégicas do projeto neoliberal contido no Consenso de Washington, reiterando o alinhamento dependente do capital financeiro internacional.

A reforma do Estado brasileiro foi sistematizada através do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que se justificou com o intuito de ganhar a opinião pública. De certa maneira, a contrarreforma do Estado brasileiro não se deu somente de maneira subordinada, mas de forma consentida pelo bloco histórico de sustentação do governo. E assim é afirmado pelo discurso oficial:

É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado. (BRASIL, 1995b, não paginado)

Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas; e, finalmente, (10) Propriedade Intelectual” (BARROS R., 2007, p. 306).

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As políticas neoliberais tiveram início, sobretudo, a partir do governo Fernando Collor de Melo, que foi interrompido pelo seu impeachment, em 1992. Posteriormente, com o governo Itamar Franco.

Esse discurso “implícito no documento oficial apresentava o modelo do Estado das últimas décadas como o agente responsável pela emergência da crise econômica mundial, devido à forte intervenção na economia e aos consideráveis gastos sociais” (CARINHATO, 2008, p. 42).

Para fugir da pecha de improdutivo e produtor das crises econômicas, o Estado assumiu um conjunto de ideias e concepções referentes ao gerencialismo, próprio do setor privado e da transformação neoliberal. Essa concepção se espraiou com muita força para as outras áreas de intervenção pública (estatal e não estatal), de forma a se materializar em ações desenvolvidas pelo governo FHC através do Ministério da Administração e da Reforma do Estado.

Em nome da “eficiência” e da “eficácia”, o Brasil, a partir do governo FHC, integrou-se organicamente à gestão neoliberal a partir da elaboração do Plano Diretor e da criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE). Por sua vez, o MARE assumiu as seguintes tarefas a realizar: 1) o ajustamento fiscal duradouro; 2) as reformas econômicas orientadas para o mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional; 3) a reforma da previdência; 4) a inovação dos instrumentos de política social. Proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; e 5) a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua “governança”, ou seja, sua capacidade de implementar políticas públicas de forma eficiente (BRASIL, 1995b).

O MARE, segundo Bresser-Pereira, teve a finalidade de “tornar o aparelho do Estado mais eficiente, capaz de prestar ou financiar serviços sociais, culturais e científicos com baixo custo e boa qualidade” (BRESSER-PEREIRA, 2008, p. 4). Com essa finalidade, o MARE retomou os elementos do Consenso de Washington e estabeleceu os pilares do Estado neoliberal brasileiro, através do Plano diretor da

reforma do aparelho do Estado, centrado em quatro pilares25: núcleo estratégico,

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Os pilares são: a) núcleo estratégico, responsável pela definição das leis, das políticas públicas e pela cobrança do seu cumprimento, sendo formado pelos poderes legislativo e judiciário, pelo ministério público e pelo poder executivo (Presidente da República, ministros e seus auxiliares diretos); b) atividades exclusivas, compreendendo serviços em que se exerce o poder extroverso do Estado – o poder de regulamentar, fiscalizar e fomentar. Entre as atividades exclusivas, encontram-se o subsídio à educação básica, a previdência social básica, a compra de serviços de saúde pelo Estado e o controle do meio ambiente; c) serviços não exclusivos, correspondendo ao setor em que o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado, mas estão presentes porque os serviços envolvem direitos humanos fundamentais, como a educação e a saúde; e d) produção para o mercado (de bens e serviços),

atividades exclusivas, serviços não exclusivos, produção para o mercado – de bens e serviços.

Tais pilares reduzem as funções e os serviços sociais do Estado, através da descentralização para o setor público não estatal na execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas que necessitam de subsídios como os serviços de saúde, educação, cultura e pesquisa científica.

A intenção é desenvolver uma nova racionalidade no Estado brasileiro, que o tornaria um Estado gerencial (administrativo e eficiente). De fato, essa reforma gerencial significou a privatização e o desinvestimento das políticas sociais para as classes mais subalternizadas. Conforme Carinhato, a reforma significou a

[...] conformação ideológica do Neoliberalismo, passando para o contexto específico mundial e latino-americano, até os aspectos mais pormenorizados, como a reforma administrativa, a participação dos setores não públicos na área social e, sobretudo, a conformação da política social inserta na disjuntiva políticas sociais universais e focalizadas. (CARINHATO, 2008, p. 42) Essa conformação visou construir a retórica de que as privatizações e concessões eram as únicas possibilidades viáveis para a resolução do problema referente à falta da competividade da economia, do efetivo controle dos gastos públicos e da eficiência dos investimentos em políticas sociais. Parafraseando Rodrigues (2007), o mercado é, segundo o pensamento neoliberal, proclamado como ente regulador da qualidade dos serviços.

Essa lógica de pensamento possibilitou o avanço da ideologia neoliberal do Estado enquanto avaliador, regulador e gerenciador. Imaginário que se construiu diante da atuação dos aparelhos de hegemonia, principalmente dos meios de comunicação que manipulam cotidianamente a opinião pública para desqualificar os serviços públicos e exaltar a eficiência e a agilidade do setor privado pelo governo brasileiro.

A atuação dos aparelhos de hegemonia para a defesa da ideologia neoliberal ganha destaque na contrarreforma do Estado a partir do conceito de accountability. Ele tem sua base na gestão pela eficiência e eficácia segundo o modelo empresarial. Descentraliza a responsabilização do Estado e a concentra sobre os gestores e assalariados que devem prestar contas à sociedade, sendo avaliados constantemente em função dos resultados obtidos.

correspondendo à área de atuação das empresas estatais, que tendem à posterior privatização (BRASIL, 1995b).

Dessa forma, o Estado brasileiro foi submetido a esses elementos disciplinantes que exigem uma padronização da administração e da gerência. Para Bresser-Pereira (2008), eles consistem na busca de princípios e formas de gestão com base na administração privada. Por um lado, como avaliação e responsabilização por resultados, pela competição administrativa por excelência, responsabilização social e auditoria de resultados. Por outro lado, efetiva-se também na “forma de controle, uma forma de exercício do poder, mas é uma forma que envolve o próprio controlado na medida em que o torna responsável perante o superior hierárquico e, mais amplamente, perante a sociedade” (BRESSER-PEREIRA, 2008, p. 31).

Nesse contexto, os mecanismos de mobilização da equidade, da eficácia e da produtividade do Estado são a precarização e a flexibilização, sob a hegemonia da gestão financeira, que molda “as instituições de forma a criar um modo de regulação compatível com um processo de reprodução capitalista sob seu comando” (PAULANI, 2009, p. 33). Com isto, percebe-se a utilização intensa e sistemática do fundo público para atender à necessidade de acumulação de capital.

De acordo com a nova racionalidade, o Estado, agora, enquanto regulador, tem que ser eficiente e produtivo e deve contar com um quadro de pessoal “altamente treinado e bem pago que supervisione serviços não exclusivos de Estado. Trata-se, porém, de uma mudança que está ocorrendo em todo o mundo, porque aumenta a eficiência e a efetividade do Estado” (BRESSER-PEREIRA, 2008, p. 31). Nesse quadro de pessoal, não se encontram os professores da educação básica e do ensino superior.

O momento sintetizado até aqui refere-se ao primeiro da ofensiva neoliberal, que exigia a redução do seu peso na economia direta, com a diferenciação entre as funções exclusivas e não exclusivas do Estado. As elucidações para essa problemática foram as privatizações e a liberalização dos mercados. O segundo momento refere-se às mudanças administrativas que atendessem à nova demanda por mais eficiência e qualidade dos serviços públicos, visando ao aperfeiçoamento dos recursos humanos e financeiros, à efetividade e à descentralização.

O conjunto da contrarreforma do Estado acentuou os problemas históricos através dos cortes de gastos públicos e o consequente aumento da pobreza e da carestia que acometem as classes subalternas no Brasil. Conforme o IPEA, no período entre 1993 e 1995, houve uma significativa redução da pobreza, de 118.423.256 em 1993, para 96.645.646 em 1995.

Essa tendência de redução da pobreza não se comprovou em longo prazo. Os índices de pobreza e miséria se elevaram de maneira considerável, ao longo dos anos 1990. No entanto, o imaginário do crescimento econômico com equidade difundido na opinião pública obteve êxito na manutenção do consenso passivo das amplas massas subalternas por um período significativo.

A atuação dos aparelhos de hegemonia proporcionou as condições necessárias, materiais e ideológicas para a obtenção do consenso ativo dos sujeitos sociais das classes subalternas, para a aplicação da contrarreforma do Estado.

No entanto, a redução da pobreza se mostrou apenas um desenvolvimento econômico fora do padrão histórico do Brasil. No decorrer do tempo, com as

implementações das políticas neoliberais pelo Estado, os níveis de pobreza chegaram a níveis parecidos com os do período anterior ao Plano Real. Porém, naquele momento, com um nível de desigualdades muito maior e um Estado muito mais frágil no tocante às políticas sociais para os subalternos.

Eram milhões de miseráveis que viviam, conforme a metonímia de João Cabral de Melo Neto, na “Morte e vida Severina”26. Essa miséria já não era “privilégio” dos sertanejos nordestinos, mas foi alastrada para todos os bolsões de miséria dos grandes centros urbanos do Brasil.

Com a miséria alastrada por todo o país, fruto das políticas neoliberais implementadas pelos Governos de FHC, o ideário de crescimento econômico, associado ao combate da pobreza, erodisse a popularidade de seu governo junto à opinião pública. Para aliviar as tensões sociais, o governo e os aparelhos de hegemonia amplificaram a verborragia das “reformas” enquanto alternativa para a promoção das políticas sociais compensatórias e de combate à pobreza, que Fontes (2010) cunhou de políticas de alívio por gotejamento.

A preocupação específica com a pobreza significou uma mudança na aparência das políticas sociais. Visto que, para aflorar um novo ciclo de desenvolvimento