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CAPÍTULO 1. NEOLIBERALISMO: A RACIONALIDADE CONTEMPORÂNEA DO CAPITAL

1.1 ESTADO E NEOLIBERALISMO: FACETAS DE UMA DEMOCRACIA FORMAL

No mundo globalizado de hoje, o capital ainda não encontrou um instrumento mais eficiente e eficaz que o Estado. Ellen Wood, no livro Democracia contra

capitalismo: a renovação do materialismo histórico, reafirma a necessidade que o

capital tem de utilizar o “Estado para manter a ordem e garantir as condições de acumulação” (WOOD, 2011, p. 8).

Wood argumenta que existe um paradoxo nesse mundo globalizado, visto que “o capital foi capaz de estender seu alcance econômico para muito além das fronteiras de qualquer nação-Estado, mas o capital ainda está longe de prescindir da nação-Estado” (WOOD, 2011, p. 8). Porque são justamente esses Estados-nações, compreendidos como sociedade política, que geram as condições necessárias para a acumulação do capital globalizado.

De acordo com Wood, o espaço para manobras democráticas no capitalismo é restrito, em virtude do caráter formal da democracia. Para a autora, esse tipo de democracia representa a limitação do poder do povo por ser o único possível dentro do capitalismo, fruto da incompatibilidade óbvia da essência da democracia liberal com o sentido amplo de democracia. Em razão de a democracia representar “o governo de classe pelo capital” (WOOD, 2011, p. 8).

É a partir desse pressuposto que discutimos os nexos e determinações do Estado neoliberal. Com base em Engels (1975, p. 191), explicitamos a essencialidade do conceito de Estado:

O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro [...]. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado. Essa concepção de Estado é radicalmente o oposto da concepção hegeliana de projeção e materialização da “Razão” como uma força exterior imposta e/ou estranha à sociedade (ENGELS, 1975). Nestes tempos neoliberais, o Estado moderno continua a ser um órgão que gerencia os interesses das classes dominantes, conforme explicitam Marx e Engel (2010) o governo do Estado não é mais que um colegiado que administra os negócios comuns da burguesia.

Para Lenin (2005), esse conceito expressa a essência do pensamento marxista sobre o Estado, no que se refere ao seu significado e papel histórico como síntese das manifestações antagônicas de classes e com interesses irreconciliáveis. Dessa maneira, o “Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliados. E, reciprocamente, a existência do Estado prova que as contradições de classes são inconciliáveis” (LENIN, 2005, p. 28). Segundo o autor, impossíveis mesmo de conciliar são os interesses das classes dominantes pelo Estado com os interesses da classe trabalhadora.

Lenin é categórico ao reafirmar o papel do Estado enquanto instrumento de dominação de uma classe sobre outra, em que não existe conciliação de interesses entre classes antagônicas. Esse viés interpretativo de conciliação de classes é refutado tanto por Marx quanto por Engels e Lenin.

Para esses intelectuais orgânicos da classe trabalhadora, o Estado é um meio de legalizar e consolidar a submissão dos setores oprimidos, visando amortecer o enfrentamento das lutas de classes. Portanto, o Estado é a forma especial de repressão, é sempre a ditadura (explícita ou implícita) de uma classe hegemônica que almeja a manutenção dos seus privilégios de forma mais perversa nos tempos atuais.

Lenin (2005) salienta que o Estado é, essencialmente, um instrumento de exploração da classe oprimida, uma ditadura da classe opressora, que se metamorfoseia na exploração, especificamente, do trabalho assalariado. Já Gramsci (2016) define o conceito de Estado num sentido ampliado, nas palavras do autor: “Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção” (GRAMSCI, 2016, p. 248).

Gramsci distingue, de maneira metódica e não orgânica, a sociedade civil e a sociedade política. Compreende a sociedade civil no “sentido de hegemonia política e cultural de grupo social sobre toda a sociedade, como conteúdo ético do Estado” (GRAMSCI, 2016, p. 228). Enquanto a sociedade política é compreendida como sendo o “Estado em seu sentido restrito ou Estado-coerção, [cabendo a ela] a função de dominação e manutenção, pela força, da ordem estabelecida” (RUMMERT, 2007, p. 32).

Portanto, o Estado, em seu sentido ampliado, utiliza-se do convencimento ideológico e da coerção para exercer o papel hegemônico sobre a classe subalterna e para perpetuar a classe dirigente e dominante. Essa direção e esse domínio são exercidos

sobre toda a sociedade, determinados tanto pela unidade econômica e política quanto pela unidade intelectual e moral num nível universal. Eis que temos a hegemonia!

Para Gramsci,

O exercício “normal” da hegemonia, [...] caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variável, sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expressos pelos chamados órgãos de opinião pública – jornais, associações –, os quais, por isso, em certas situações são multiplicados. (GRAMSCI, 2016, p. 96)

No entendimento de Gramsci, o conceito de hegemonia se contrapõe à concepção parcial e unilateral de Estado. Nesse contexto, a opinião pública está estritamente conectada à hegemonia política e cultural (GRAMSCI, 2016).

Em outras palavras, a opinião pública é o ponto de encontro entre sociedade civil e sociedade política, entre o consenso e a força (LIGUORI; VOZA, 2017). Para os autores “a aparente contradição com a precedente identificação entre hegemonia e sociedade civil resolve-se levando em consideração à polissemia dos dois conceitos e do conceito de Estado” (LIGUORI; VOZA, 2017, p. 366).

Para o autor italiano, a hegemonia é composta pela relação equilibrada entre a sociedade política e a sociedade civil. Para a manutenção desse equilíbrio, os intelectuais cumprem um papel fundamental, porque exercem “funções subalternas da hegemonia social e do governo político”, na qualidade de representantes da classe dominante e dirigente (GRAMSCI, 2016, p. 22).

A classe dominante tem que lidar com as contradições inerentes às classes em luta, visando alcançar a subordinação das classes subalternas através do consenso3, estratégia essencial para a construção da hegemonia. Essa relação hegemônica se efetiva enquanto direção política e cultural, concepção de mundo e ético-moral, que se difundem pedagogicamente para todas as relações sociais e da vida. Nesse ponto de vista, Gramsci (1999, p. 399) afirma: “Toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”.

O Estado visa educar esse consenso por meio dos espaços determinantes da sociedade civil, ou seja, pelos aparelhos de hegemonia que, conforme a acepção gramsciana, constituem-se como complexos espaços de pensamentos e disseminação

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O termo aparece nos Cadernos de Cárcere, segundo Liguori e Vazo (2017, p. 141), “com um amplo espectro de significados, frequentemente entre aspas, apontando sua ambivalência e problematicidade. Ele é primeiro associado ao conceito de hegemonia, do qual às vezes é sinônimo. Em seu uso G. flutua entre um consenso espontâneo e um consenso buscado e obtido pelo Estado, pelas instituições, que pode ser ativo e direto ou passivo e indireto”.

das ideologias (igrejas, escolas, mídias de massas, sindicatos, organizações culturais, profissionais e estudantis e, nos dias atuais, os organismos internacionais, internet e as redes sociais etc.), em constante processo de ação educativa, para atender a uma determinada concepção de mundo (RUMMERT, 2000).

Para a autora, é justamente esse exercício que unifica um bloco social marcado por interesses diversos da classe dominante, que produz e valoriza a sua forma de representação da vida material, suas crenças e valores sociais e individuais, imprimindo ao conjunto da sociedade suas características e seus padrões culturais. Assim, o Estado assume a missão de educador (RUMMERT, 2000).

Para Gramsci, o Estado educador se realiza nas ações educativas concretas que são incorporadas ao projeto ideológico dominante que, nos dias atuais, são integradas ao projeto de sociedade neoliberal. Esse projeto neoliberal, por exemplo, exige a competitividade como um princípio político geral, que orienta o Estado a viabilizar um consenso amplo em torno desse princípio.

Por conseguinte, o Estado educador deve captar a extensão das transformações sociais, culturais e subjetivas introduzidas pela difusão das normas neoliberais por meio do convencimento, da pequena política e, centralmente, no âmbito da cultura. Essa difusão visa à manutenção da hegemonia da classe burguesa no poder, através do “consenso ativo” das classes subalternas (GRAMSCI, 2016).

Fontes (2010) explicita o consenso ativo como a forma de assegurar a adesão dos subalternos à concepção de mundo das classes dominantes e afirma: “O convencimento, a persuasão e a pedagogia se tornam, doravante, tarefas permanentes e cruciais. Não dispensam, entretanto, as formas coercitivas, exatamente por estar a sociedade civil entremeada ao Estado” (FONTES, 2010, p. 136).

Liguori e Vazo sintetizam o conceito de consenso ativo e passivo na acepção gramsciana:

O consenso é ativo quando os governados participam da vida do organismo estatal em cuja condução há governantes aceitos por aqueles. O consenso é passivo quando os governados subscrevem com atos formalmente democráticos (o sufrágio) a aceitação daqueles que os guiam e que, por isso, numa perspectiva de democracia formal, tendencialmente os dominam. (LIGUORI; VOZA, 2017, p. 143)

Essa compreensão de consenso e de hegemonia manifesta-se nos diversos mecanismos da luta de classes, desdobrando-se entre a grande política e a pequena política, conforme destaca Gramsci (2016, p. 21-22):

Grande Política (alta política) – pequena política (política do dia a dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico- sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política.

Esses conceitos são utilizados de maneira exitosa como instrumentos da própria classe dominante para disseminar sua concepção de mundo e obter o conformismo social, que significa justamente fazer com que as massas cuidem especificamente do seu cotidiano. Ou seja, as massas subalternizadas alienam-se da sua atuação no âmbito da grande política estatal, reduzindo suas ações a intervenções limitadas à pequena política (GRAMSCI, 2016).

Isso se justifica pela necessidade da classe dominante de conformar socialmente amplos setores das massas subalternizadas através da pequena política e de exercer a hegemonia monopolizada na perspectiva da grande política, que se manifesta essencialmente por meio dos aparelhos de hegemonia.

Os mecanismos que traduzem a hegemonia burguesa nesses tempos neoliberais materializam-se essencialmente através dos regimes democráticos burgueses ou da democracia liberal. Essa forma de regime é privilegiada pela classe dominante como mecanismo hegemônico do Estado moderno. Invariavelmente, abrange elementos de repressão, reformas4 e ideologia, que empreendem a conformação do consenso em torno da hegemonia burguesa.

No entanto, dependendo do nível de acirramento da correlação de forças entre as classes, o Estado utiliza níveis distintos de recursos de consenso e coerção. Nessa perspectiva, a democracia seria a forma privilegiada (não a única) que externaliza a figura do Estado moderno. De maneira opostamente análoga, o regime democrático

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“A palavra ‘reforma’ foi sempre organicamente ligada às lutas dos subalternos para transformar a sociedade e, por conseguinte, assumiu na linguagem política a conotação claramente progressista e até mesmo de esquerda. O neoliberalismo busca utilizar a seu favor a aura da simpatia que envolve a ideia de ‘reforma’. É por isso que as medidas por ele propostas e implementadas são mistificadoramente apresentadas como ‘reformas’, isto é, como algo progressista em face do ‘estatismo’, que, tanto em sua versão comunista como naquela social-democrata, seria algo inevitavelmente condenado à lixeira da história. Desta maneira, estamos diante da tentativa de modificar o significado da palavra ‘reforma’: o que antes da onda neoliberal queria dizer ampliação dos direitos, proteção social, controle e limitação do mercado etc., significa agora cortes, restrições, supressão desses direitos e desse controle. Estamos diante de uma operação de mistificação ideológica que, infelizmente, tem sido em grande medida bem-sucedida” (COUTINHO, 2010, p. 35).

internaliza os interesses da classe dominante, sendo cunhado por Demier (2017) como “democracia blindada”.

Wood (2011, p. 184) alerta-nos sobre o processo de internalização: “o capitalismo tornou possível conceber uma ‘democracia formal’, uma forma de igualdade civil coexistente com a desigualdade social e capaz de deixar intocadas as relações econômicas entre a ‘elite’ e a ‘multidão trabalhadora’”.

Nesse sentido, a democracia moderna é um dos modus operandi da burguesia para exercer sua hegemonia na condição de classe dominante. É necessário, pois, difundir a sua concepção de mundo como sendo a concepção da totalidade social, que se unifica enquanto bloco histórico5 no campo da superestrutura (política, ideológica, cultural e moral) e da base material, que produz efeitos mistificadores que influenciam as determinações do cotidiano e do pensamento, tanto de grupos sociais ou frações quanto da totalidade social. Infere-se que, para o sucesso no âmbito das representações democráticas, é necessário alavancar a cultura e a educação a um patamar privilegiado de consenso ativo a favor da hegemonia burguesa.

Na atualidade, esse “consenso ativo” é crucial para a estabilização das classes subalternas que estão em luta contra as políticas neoliberais. Para Neves L. (2002, p. 109), “a estabilização desse consenso requer de um intelectual que assimile e difunda as concepções de homem e de sociedade da burguesia mundial para as sociedades contemporâneas”.

A ausência dessa estabilização tem gerado uma crise de hegemonia sem precedentes, que tem interferido na governabilidade global da sociedade sob a hegemonia neoliberal. Conforme Dardot e Laval (2016, p. 26), “o neoliberalismo não é apenas uma resposta a uma crise de acumulação, ele é uma resposta a uma crise de governamentalidade”6

. Para os autores, a crise que se atravessa é de proporções globais

5 “Se a relação entre intelectuais e povo-nação, entre dirigentes e dirigidos, entre governantes e

governados, é dada graças a uma adesão orgânica, na qual o sentimento-paixão torna-se compreensão e, desta forma, saber (não de uma maneira mecânica, mas vivida), só então a relação é de representação, ocorrendo a troca de elementos individuais entre governantes e governados, entre dirigentes e dirigidos, isto é, realiza-se a vida do conjunto, a única que é forca social; cria-se o ‘bloco histórico’” (GRAMSCI, 1999, p. 222).

6 O conceito de governamentalidade que subsidia a análise de Dardot e Laval (2016) foi cunhada por

Foucault, e ressignificada pelos autores para um conceito de “governamentalidade neoliberal”. Para os autores, Foucault “teve a intuição de que o que se decidia naqueles anos era uma crise aguda das formas até então dominantes de poder. Compreendeu, contra o economicismo, que não se podem isolar as lutas dos trabalhadores das lutas das mulheres, dos estudantes, dos artistas e dos doentes, e pressentiu que a reformulação dos modos de governo dos indivíduos nos diversos setores da sociedade e as respostas dadas às lutas sociais e culturais estavam encontrando, com o neoliberalismo, uma possível coerência

do próprio projeto societário neoliberal. A proporção dessa crise exige uma arte de governar que vai além da governança de uma crise exclusivamente econômica.

Essa crise exige um conjunto de dispositivos de controle da classe subalterna, além de incontáveis procedimentos ideológicos e “materiais”, mediados tanto pelo Estado quanto pela “sociedade civil”. Ambos visam inculcar a racionalidade neoliberal a partir da criação de um modelo global de governo, constituído na internalização subjetiva dos princípios de concorrência e competitividade com base no modelo empresarial e gerencial para o conjunto da sociedade.

Para tanto, a necessidade do “consenso ativo” exige que a relação entre o Estado e as classes subalternas se materialize de uma forma positiva e criativa, na aceitação das bases materiais e econômicas oferecidas pelas classes dominantes, para além do domínio pelas ideologias e/ou do uso exclusivo da coerção.

Geralmente, essas medidas materiais e econômicas dependem da correlação de forças entre as classes em luta. É justamente a estabilização dessa correlação de forças que provoca, evita ou adia a crise de hegemonia e a crise da “democracia neoliberal”7. Mesmo nos dias atuais, em tempos de crises dos poderes financeiros e estatais, a dominação de classes, através do regime democrático neoliberal, “se robustece com a capacidade de dirigir e organizar o consentimento dos subalternos, de forma a interiorizar as relações sociais existentes como necessárias e legítimas” (FONTES, 2010, p. 137). Em virtude da sua resiliência de manter regras formais e privilégios políticos inerentes à classe dominante, em detrimento dos interesses da grande maioria da população8 (LAVAL, 2016).

Dessa forma, os regimes políticos encontram-se geralmente em situações histórico-sociais de hegemonia, que auxiliam a burguesia a estabelecer sua dominação

teórica e prática” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 26). Para eles, o neoliberalismo realiza uma sistematização inédita do conjunto de dispositivos de controle da sociedade e de orientação de condutas.

7 L’á-democrátie néolibérale (CHISTIAN LAVAL, 2016, p. 85-98) foi um artigo escrito para o livro

Imaiginaires du néolibéralisme, organizado por François Cusset, Thierry Labica e Véronique Rauline (2016).

8 LAVAL (2016, p. 88) Il S’ágit plutôt d’un régime d’exception économique et financière dans lequel, si

les règles formelles peuvent être maintenues, les contenus des politiques sont définis par des commissions d’experts chargées de mettre em oeuvre les mesures qu'imposent les rapport de force entre les puissances financières et les États, et de le faire contre leur population, au détriment des intérêts et des volontés du plus grande nombre”. Em português: “Trata-se, sobretudo, de um regime de exceção econômica e financeira, no qual, se as regras formais podem ser mantidas, os conteúdos das políticas são definidos pelas comissões de especialistas encarregadas de implementar as medidas que impõem as relações de força entre as potências financeiras e os Estados, e de fazê-lo contra a população, em detrimento dos interesses e das vontades da maioria” (tradução nossa).

através de características de “natureza consensual”9 (DEMIER, 2016). Essa natureza consensual edifica-se em dois planos: por um lado, cumpre o papel ideológico na conformação da subjetivação das classes subalternas, por outro, evidencia a subjetivação contábil e financeira, isto é, a forma melhor arquitetada para a subjetivação capitalista.

É a partir dessa perspectiva que Dardot e Laval (2016) entendem o neoliberalismo, não como uma simples “crença”, uma “ideologia” ou mesmo um “estado de espírito”. Ele é entendido, sobretudo, como um sistema de normas que, hoje, está umbilicalmente vinculado às práticas governamentais, às políticas institucionais e aos estilos gerenciais do Estado.

Os autores clarificam que “esse sistema é tanto mais ‘resiliente’ quanto excede em muito a esfera mercantil e financeira em que reina o capital”. (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 30). A resiliência de que os autores tratam diz respeito tanto à capacidade de conformar, junto às classes subalternas, a racionalidade neoliberal – mesmo em situações adversas como desemprego, precarização, informalidade e miséria – quanto à capacidade e à flexibilidade que o sistema neoliberal tem de superar as suas crises e os riscos, conforme presenciado durante a grave crise de 2007-2008.

A partir da crise de 2007-2008, o conceito de resiliência começou a ser debatido com mais centralidade, principalmente no Fórum Econômico Mundial. Na edição de 2013, o Fórum produziu o relatório Building National Resilienceto Global Risks (Construindo Resiliência Nacional para os Riscos Globais), que, no contexto tenebroso de crise, argumentava que a resiliência é o desenvolvimento da capacidade de responder aos muitos riscos globais que se enfrentam atualmente e de aproveitar as oportunidades fornecidas por eles (WORLD ECONOMIC FORUM, 2013).

O relatório distingue três tipos de riscos: os riscos previsíveis, como falhas em processos e erros humanos; os riscos estratégicos, realizados voluntariamente depois de avaliá-los perante as recompensas potenciais; e os riscos externos, que estão além da capacidade de algo ou alguém influenciar ou controlar (WORLD ECONOMIC FORUM, 2013). É a partir dessa distinção de riscos que o relatório elabora um quadro protótipo para medir a resiliência de um país nesse sistema econômico global. Essa

9 Não esquecemos “a violência estatal, indispensável e ininterruptamente presente (ainda que

potencialmente)” (DEMIER, 2016, não paginado). A coerção e o consenso ficaram em segundo plano em nosso estudo, principalmente porque queremos centrar nossos esforços no papel da educação e da formação do professor como intelectual orgânico. Mas salientamos que os termos formam um par dialético que, para efeito de compreensão, foram separados em uma divisão meramente metodológica e não orgânica.

aferição da resiliência é o principal objetivo do relatório, que se divide em cinco subsistemas:

Subsistema econômico: inclui aspectos como o meio ambiente econômico, o mercado de bens e serviços, mercado financeiro, mercado de trabalho, sustentabilidade e produtividade. Subsistema ambiental: inclui aspectos como recursos naturais, urbanização e sistema ecológico. Subsistema de governança: inclui aspectos como instituições, governo, liderança, políticas e o estado de direito. Subsistema de infraestrutura: inclui aspectos como