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A CONTROVÉRSIA SOBRE OS TRANSGÊNICOS: UMA PRIMEIRA

4 OS PROTAGONISTAS EM AÇÃO

4.1 A CONTROVÉRSIA SOBRE OS TRANSGÊNICOS: UMA PRIMEIRA

APROXIMAÇÃO

O debate sobre transgênicos envolveu os mais diversos atores com diferentes pressupostos a respeito da realidade, com posições a favor e contra a imediata autorização para comercializar OGMs. Tentaremos descrever, a seguir, o quadro no qual operaram esses atores e a relação entre eles.

Como afirma Guivant (2004, p. 1), “novos desenvolvimentos da ciência e da tecnologia, especialmente na área de biotecnologia têm colocado novos desafios referentes a como deve ser o processo decisório sobre políticas de ciência e tecnologia envolvendo incertezas.” A conseqüência dessas transformações científicas e tecnológicas foi a geração de conflitos entre atores com visões de mundo diferenciadas sobre a segurança de produtos geneticamente modificados e o grau de incerteza associado a eles. Programas como HACCP (Hazard Analysis Critical Control Point) preconizam a necessidade da adoção de um sistema de segurança alimentar baseado na ciência a fim de prevenir a disseminação de elementos patógenos em todas as etapas do sistema alimentar. Ao mesmo tempo, reconhece-se que há incerteza quando o assunto é a

avaliação de certo tipo de riscos alimentares 1) colocados pelos produtos químicos nos alimentos; 2) doenças como a vaca louca, que levam ao reconhecimento de que existem ‘ilhas de conhecimento num oceano de incerteza’, e 3) alimentos transgênicos.” (GUIVANT, 2004, p. 2).

As arenas em que esse debate ocorreu foram várias, indo da arena jurídica até a legislativa, passando pelo debate na arena do executivo. O debate na arena jurídica se inicia quando o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) entra com uma medida cautelar questionando a decisão da Comissão Técnica Nacional de Biosegurança (CTNBio) que liberou a soja transgênica Round up Ready (RR), da Monsanto. Nesse momento a discussão sobre transgênicos se polariza entre duas coalizões, contra e a favor a imediata liberação, reunindo, em ambas, uma diversidade de atores sociais partidos políticos, associações científicas, movimentos sociais com diferentes percepções sobre riscos, dentre outros. O resultado foi a constituição de alianças heterogêneas. (GUIVANT, 2002a)

No ano de 2003, até final de Outubro, o debate se desenvolve, fundamentalmente, na arena do executivo, devido, em grande parte, à disseminação clandestina da soja transgênica no Rio Grande do Sul. A pressão do fato consumado gerado pelo plantio em larga escala fortaleceu a coalizão favorável à imediata liberação do plantio e comercialização de transgênicos, obrigando o Governo a emitir medidas provisórias em seqüência para regularizar uma irregularidade, dado que estava proibida a comercialização desse tipo de produto. Nesse momento a Monsanto busca cobrar royalties dos produtores, ao mesmo tempo em que ataca os posicionamentos contrários à imediata liberação. Esse segundo movimento é efetivado através da utilização de dados científicos, os quais fornecem bases confiáveis, segundo a empresa, para garantir a segurança dos produtos transgênicos, em oposição à coalizão contrária à liberação da soja RR. Os dois lados do confronto, portanto, passam a se valer da ciência como instrumento legitimador de seus discursos, o que evidenciava que o campo científico se apresentava enquanto espaço permeado por controvérsias.

Entre o final de 2003 até o final de 2005 a arena privilegiada do debate entre os atores pró e contra a imediata liberação dos transgênicos passou a ser o Poder Legislativo, visto que as atenções se deslocaram para o processo de aprovação e regulamentação da lei de biossegurança no Congresso Nacional. Um dos pontos mais controversos da lei dizia respeito à reformulação da CTNBio em termos de composição e atribuições. Os defensores da autorização imediata se posicionaram favoravelmente a manter os poderes da Comissão quanto à liberação de OGMs para pesquisa e comercialização, ao passo que os setores contrários se posicionaram a favor da limitação de poderes e pela ampliação do número de participantes da Comissão, que seria composto por integrantes de vários ministérios. (GUIVANT, 2002a, p. 7-9)

A coalizão contrária à imediata liberação comercial de transgênicos operava a partir de dois objetivos fundamentais, a saber, informar a população sobre os riscos que os transgênicos poderiam trazer à saúde humana e ao meio ambiente e que há a possibilidade de se instalar um monopólio de sementes comercializadas por grandes empresas multinacionais, o que representava uma ameaça à agricultura nacional. Quanto aos cientistas, eles se encontravam divididos em duas posições: parcela defendia a adoção do princípio de precaução, e, portanto, se posicionava contrariamente à imediata autorização, ao passo que, outra parte chamava a atenção para a necessidade de adotar essa tecnologia, seja pela sua presença no dia-a-dia, seja pela necessidade do Brasil competir no mercado internacional de produtos agrícolas ou mesmo pela necessidade de desenvolver a “ciência nacional”. O problema da participação pública na ciência, entretanto, carecia de maior problematização quanto à forma dos debates e a legitimação dos espaços, o que acabava por reforçar o modelo positivista de ciência, que excluía, como afirma Guivant (2004, p. 12), “a possibilidade de institucionalizar o debate sobre como deve ser o debate.”

A coalizão favorável à liberação envolvia três setores: cientistas que defendeia os critérios e decisões da CTNbio, representantes das empresas de biotecnologia e associações de produtores rurais. Esse grupo foi reforçado, a partir de 2002, com representantes do ministério do governo Lula, especialmente da pasta da agricultura e da ciência e tecnologia.

As empresas de biotecnologia, notadamente a Monsanto, tinham seus interesses expressos por pesquisadores, os quais afirmavam que as posições contrárias à liberação de transgênicos eram irracionais, desinformadas, catastrofistas e contrárias ao progresso, pois as críticas ao transgênicos não se baseariam em fatos, uma vez que existiam análises de risco e estudos científicos que garantiriam níveis de segurança razoáveis para sua produção e consumo. Some-se a isso o fato de que muitos cientistas afirmavam que o uso de OGMs reduzia o consumo de herbicidas, contribuindo para a preservação da natureza.

No caso da Embrapa, embora não existisse unanimidade entre os pesquisadores quanto aos transgênicos, havia o estímulo à sua pesquisa, a fim de evitar que o Brasil se tornasse dependente desse tipo de tecnologia.

Os produtores rurais, por sua vez, exerciam forte pressão sobre deputados e senadores, a fim de liberar o plantio e a comercialização de produtos geneticamente modificados, o que foi conseguido através da aprovação da Lei de Biossegurança. O fato consumado do plantio de soja geneticamente modificada foi decisivo para pressionar os congressistas no momento de decidir pela liberação ou não dos transgênicos, o que tornou os

produtores rurais um ator chave no desfecho dos conflitos entre contrários e favoráveis à imediata liberação.

Nessa coalizão um aspecto que chama atenção é a incapacidade dos seus atores de questionar o modelo positivista de ciência, indo na contramão do que é feito na Europa, especialmente a partir do evento do “mal da vaca louca”, que abriu caminho para um intenso questionamento a respeito dos sistemas peritos. Segundo Guivant (2004), ambas as coalizões apelavam para esse modelo, classificando a coalizão adversária de ideológica e a si própria como científica.

As referências são a um tipo de ciência que se apóia fundamentalmente no modelo positivista, como um conhecimento neutro, isento de valores. Os argumentos das alianças contrárias à liberação dos transgênicos não chegam a questionar o papel da ciência nem assumem que a ciência não é livre de valores, preferindo colocar-se no lado de uma ciência menos contaminada de interesses políticos e econômicos (GUIVANT, 2004, p. 17).

Em ambos os setores não há um efetivo debate a respeito da participação pública. Aqueles setores favoráveis à imediata liberação de OGMs, por acreditar na capacidade da ciência gerar controle e segurança e por entenderem que a postura contrária à liberação era irracional e adversária do progresso, não problematizava a necessidade da criação de formas que viabilizassem a participação dos cidadãos no processo decisório quanto à pesquisa e consumo de transgênicos. Os setores contrários à imediata liberação, por sua vez, adotavam formas “teatralizadas” de participação, desvirtuando o sentido e os objetivos da participação pública, contribuindo assim para descaracterizá-la e destituí-la de importância para um processo de democratização da ciência.