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A Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiados

O INSTITUTO DE ASILO NO DIREITO INTERNACIONAL

4. A instituição do asilo na ordem jurídica internacional: instrumentos e limites

4.1. Os desenvolvimentos do direito de asilo no âmbito universal A Declaração das Nações Unidas sobre o Asilo Territorial

4.1.2. A Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiados

A Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiados, de 1951, constitui outro marco a ser analisado na temática que nos ocupa. A adoção deste novo instrumento internacional de natureza convencional e de caráter universal permitiu que os Estados dispusessem, pela primeira vez, de um alicerce jurídico único para o tratamento de pedidos de proteção

150 Certos autores mostraram-se categóricos ao afirmar que “[a] nuestros juicio, es necesario comenzar por ubicar

claramente los problemas del asilo y de los refugiados como unos que, si bien penetran en otras áreas del derecho, son fundamentalmente problemas de derechos humanos.” (Cfr. PIZA ESCALANTE, CISNEROS SANCHEZ.: “Algunas ideas sobre la incorporación del derecho de asilo y de refugio al sistema interamericano de derechos humanos” in AA.VV.: Asilo y protección internacional…ob.cit., p. 104).

151 Atente-se nesta explicação: “[otra] consecuencia, enormemente sugestiva, del planteamiento del derecho al

asilo y al refugio como derecho humano, es la de que, por serlo, se sumerge en ese mundo novedoso y fecundo del derecho de los derechos humanos en general, con todas sus consecuencias; la principal, que se deriva de la naturaleza misma de esos derechos, como humanos y, por ende, los mismos para todos los seres humanos; como universidades y, por lo tanto, los mismos en todas partes y en todos los ámbitos del derecho: no hay tal cosa como unos derechos humanos internos y otros internacionales, o como unos regionales y otros universales, aunque sean diversos su grado de especificación, su desarrollo o su eficacia; por eso, no hay incompatibilidad posible, jurídicamente hablando, entre los principios o las normas de derechos humanos del sistema interamericano y del sistema universal: lo que puede haber son antinomias o lagunas, que siempre el derecho, que es plenitud, está capacitado para resolver mediante sus principios y métodos de interpretación.” (Cfr. PIZA ESCALANTE, CISNEROS SANCHEZ.: “Algunas ideas sobre la incorporación del derecho de asilo y de refugio al sistema interamericano de derechos humanos” in AA.VV.: Asilo y protección internacional…ob.cit., pp. 105-106).

152 Tenha-se em conta que “[atualmente] nos encontramos en un compás de espera, pero como puso de relieve la

Sexta Comisión en su Informe a la Asamblea General, «los efectos dados en la práctica a la Declaración por los Estados contribuirán a indicar si ha llegado o no el momento de dar el paso definitivo de elaborar y codificar normas jurídicas precisas relativas al asilo. A este respecto, muchos representantes expusieron la convicción de que la Declaración se consideraría como una medida de transición, con miras a la adopción en el futuro de normas jurídicas obligatorias mediante una Convención internacional» (U.N. Doc. A/6912: par.16).” (Cfr. DIEZ DE VELASCO.:

Instituciones de Derecho Internacional… ob. cit., 17ª ed. pp. 629-630).

153 Cfr., URIARTE ARAÚJO, Daoiz G.: “Los Límites a los Derechos Humanos en la Declaración Universal” in AAVV.: “50

Aniversario de la Declaración Universal de los Derechos Humanos”, Montevideo, Fundación de Cultura Universitaria,

2001, p. 193.

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internacional e, concomitantemente, os requerentes de asilo vissem também contemplados os seus direitos, liberdades e garantias.154

Na essência, a codificação visou facilitar o desejo das Nações Unidas “de que todos os Estados, reconhecendo o caráter social e humanitário do problema dos refugiados, façam tudo o que esteja em seu poder para evitar que este problema se torne uma causa de tensão entre Estados”,155 apesar de reconhecer também que da“concessão do direito de asilo [pode] resultar encargos excecionalmente pesados para alguns países e que a solução satisfatória dos problemas (…) não pode, nesta hipótese, obter-se sem uma solidariedade internacional”.156 Aliás, este princípio de solidariedade constitui o embrião do fundo pecuniário para os refugiados, desenvolvido posteriormente quer ao nível internacional quer ao nível da União Europeia.157

Apesar de a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados não incidir expressamente sobre o instituto de asilo, não podemos esquecer que os Estados aderentes a esta Convenção autoproclamam o respeito absoluto pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e, indiretamente, acordaram também em respeitar o direito que qualquer pessoa tem quando sujeita à perseguição de procurar e de beneficiar de asilo noutros países, exceto quando tiver cometido algum crime de direito comum ou atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações.158

Apesar de a presente Convenção “não ter como objetivo regulamentar a questão de asilo, a Convenção de Genebra tem um efeito a este nível. Os critérios que constam da Convenção para a sua própria aplicabilidade são também aqueles que os Estados utilizam para acordar ou não o asilo. Não se trata, assim, de conceder ou não asilo a um determinado indivíduo, mas de saber se esse indivíduo corresponde ou não ao conceito de refugiado que consta da Convenção.” 159 Todavia, a falta desse segundo instrumento internacional de caráter universal relativo ao asilo permite que os Estados interpretem esta Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados de forma mais ou menos restrita, benevolente ou humanitária, consoante os interesses internos de cada Estado, o que provoca, naturalmente, a arbitrariedade, a disparidade e a discricionariedade entre os Estados no que concerne aos critérios a aplicar ou a utilizar aquando da análise, concessão e/ou rejeição do pedido de asilo. Por outro lado, os Estados aderentes a esta Convenção, apesar de reconhecerem, indiretamente, por via do respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem o direito de procurar asilo, não certificam em simultâneo o direito de beneficiar de asilo, até porque a 154 Vide, art. 12º a 34º da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados.

155 Cfr. parágrafo 5º do preâmbulo da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados.

156 Idem, parágrafo 4º do preâmbulo.

157 Ao nível internacional, tivemos, por exemplo, o Fundo das Nações Unidas para os Refugiados (UNREF), de 1954.

No âmbito da União Europeia, tivemos, por exemplo: a Decisão 2000/596/CE, de 28 de setembro de 2000, que criou o Fundo Europeu para os Refugiados, de 216 milhões de euros para o período de 1 de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2004 (JO L 252 de 06/10/2000 p.12-18). Mais tarde, tivemos, ainda, a Decisão 2004/904/CE, de 2 de dezembro de 2004, que ampliou este fundo para o período de 2005 a 2010 (JO L 252 de 6.10.2000, p. 12). Vide, o ponto 3.3. do capítulo III.

158 Cfr. nº.1 e 2 do art. 14º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e, vide, também, o parágrafo 1º da

Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados.

159 Idem, p. 47.

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concessão deste direito de asilo continua a ser da exclusiva competência dos Estados. Aliás, os Estados estão somente obrigados a apreciar livremente, no exercício da sua soberania territorial, o pedido de asilo, mas, não estão obrigados a concedê-lo. Ou seja, apesar de existir com a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados um reconhecimento indireto pelo respeito pelo direito de asilo, na prática existe uma total arbitrariedade aquando da análise, da concessão e/ou da rejeição do estatuto de asilado.

A Convenção de Genebra adotou dois princípios nucleares e fundamentais para os refugiados, bem como para os requerentes de asilo,160 nomeadamente, o princípio de não discriminação previsto no artigo 3º161 e o princípio de non-refoulement previsto no artigo 33º.162 Em relação ao primeiro, é de realçar que este princípio não é mais do que uma adaptação imperfeita do artigo 2º. da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, porque apenas proíbe a discriminação dos refugiados por motivos de raça, religião ou país de origem. Enquanto a Declaração Universal dos Direitos do Homem salvaguarda os direitos de uma forma mais abrangentes, nomeadamente, o artigo 2º., no qual se refere que todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamadas na presente Declaração, sem distinção alguma de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento, ou de qualquer outra situação. Além disso, nele se afirma que não será feita qualquer distinção baseada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

O princípio de non-refoulement 163 consiste na consagração positiva de um dos princípios de

jus cogens164 internacional.165 Todavia, convém salientar que a “proibição do refoulement não

160 Aparentemente, a Convenção de Genebra não faz qualquer referência à exceção das já identificadas com o

instituto de asilo. Porém, “[é] de destacar, no entanto, que a Convenção faz alguma referências ao direito de asilo, ao interditar as sanções penais para quem entrar e permanecer irregularmente num determinado país (artigo 31º.) e ao consagrar o princípio de non-refoulement e de não expulsão (artigo 33º.). Estas duas claúsulas são as únicas que limitam a liberdade soberana dos Estados no que respeita à instituição de asilo”. (Cfr. CIERCO.: ob.cit., p. 47).

161 Cfr. Artº. 3º (Não discriminação) da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiado: “Os Estados

Contratantes aplicarão as disposições desta Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça, religião ou país de origem”.

162 Cfr. Artº. 33º (Proibição de expulsar e de repelir) da Convenção cit: “1- Nenhum dos Estados Contratantes

expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas. 2. Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado que haja [tenha] razões sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra, ou que tenha sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país.” Deste modo, foi referido a este propósito: “[un] refugiado a quién no se aplica el principio de non-refoulement por una de las razones previstas no deja de ser un refugiado, es decir, alguien que teme ser sometido a persecución en su país de origen. La interpretación de la excepción al non-refoulement debe ser, tal como se configura en el sistema de la Convención de Ginebra, restrictiva, y sólo debe poder aplicarse de forma excepcional o en casos extremos. (…) De forma más general, incluso puede afirmarse que las excepciones a la regra del non-refoulement establecidas en la Convención de Ginebra de 1951 ya no son aplicables en casos en que se vulnerarían principios o normas consuetudinarias imperativas o inderogables, como la que prohíbe el riesgo de ser sometido a tortura. ” in MORGADES GIL, Silvia.: “La Protección de los Demandantes de Asilo por razón de su vulnerabilidad especial en la jurisprudencia del tribunal europeo de los Derechos Humanos” in Revista de Derecho

Comunitario Europeo, núm. 37, Madrid, septiembre/diciembre, 2010, p. 809.

163 Como foi realçado, “[El] principio de non refoulement se encuentra recogido en el artículo 33 de la Convención

de Ginebra. Éste establece la prohibición de devolución o expulsión de una persona a un país donde su vida o libertad corran peligro debido a motivos de raza, religión, nacionalidad, pertenencia a un determinado grupo social u opiniones políticas; prohibición que no impide el envío a otros países en los que no sufra ningún tipo riesgo. Por

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é, no entanto, absoluta, podendo o Estado invocar razões de segurança pública para proceder à devolução,”166 conforme as exceções previstas no nºs. 1 a 3 do artigo 32º. da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados.167 Contudo, apesar de só existirem estas três exceções ao princípio de non-refoulement, a prática tem demonstrado que os Estados se squecem, deliberada e sistematicamente, de que este princípio começa a vigorar no momento em que o pedido de asilo é formulado e não após a concessão ou rejeição do estatuto de refugiado.

Em suma, esta Convenção foi extremamente útil para a harmonização do conceito de refugiados, para a consagração jurídica do princípio de non-refoulement e para a salvaguarda dos mais elementares direitos humanos dos requerentes de asilo, na medida em que, como foi referido, “cuidar de los refugiados significa, en gran medida, devolverles sus derechos básicos y su dignidad.”168 Todavia, a Convenção em causa deve adaptar-se à realidade do século XXI e, consequentemente, ampliar o conceito de refugiado, tal como acontece com alguns instrumentos de caráter regional.

tanto, según lo establecido en este artículo, el principio de non refoulement no incluye el derecho a la obtención del estatuto de refugiado o el asilo, como tampoco incluye un derecho de estancia en el país.” (Cfr. FERNÁNDEZ ARRIBAS.: ob.cit., p. 19). Relativamente à evolução história desse principio, refere RODRIGO MAGNOS SODER “que somente no século XX é que começa a constituir-se, em âmbito internacional, o instituto do non-refoulement. A primeira ver que aparece este instituto, em um instrumento jurídico de Direito internacional, é no ano de 1928, ainda que de forma incipiente e imperfeita, no Ajuste Relativo ao Estatuto Jurídico dos Refugiados Russos e Arménios. Na expressão de José Fischel de Andrade, tratava-se esta regulação do “embrião do princípio de non- refoulement.” (Cfr. MAGNOS SODER.: O Direito de asilo na União Europeia...ob.cit., p.27); Vide, também, GOODWIN-GILL, Guy S.: The refugee in international law, New York, 2ª Claredon, 1996, p.30; GRAHL-MADSEN, Atle.:

Territorial asylum, Estocolmo, Almqvist, Wiksel International, 1980, p. 40.

164 A noção de jus cogens está prevista nos artigos 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de

1969.

165 Atente-se nesta explanação: “o princípio de non-refoulement atingiu o valor normativo de jus cogens, os Estados

estão impedidos, tanto individualmente, como coletivamente, de violarem, em qualquer circunstância, essa norma. Desse modo, caracterizar a obrigação do non-refoulement como jus cogens é um instrumento poderoso para garantir a proteção dos indivíduos, especialmente dos refugiados, e dos seus direitos humanos, particularmente quando se considera o crescimento das medidas e políticas restritivas contra solicitantes de refúgio a partir dos anos 1970, 1980, especialmente, na década de 1990 e, sobretudo, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.” (Cfr. VIEIRA DE PAULA, Bruna.: “O princípio de non-refoulement, sua natureza Jus Cogens e a proteção internacional dos Refugiados” in Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, Ano 7, Vol. 7, Número 7, 2006- 2007, pp. 51-52).

166 Cfr. PINTO OLIVEIRA.: ob.cit., p. 65 e, MAGNOS SODER.: Direito de asilo na União Europeia... ob.cit., pp.34-36.

167 «1. Os Estados Contratantes só expulsarão um refugiado que se encontre regularmente nos seus territórios por

razões de segurança nacional ou ordem pública. 2. A expulsão de um refugiado só se fará em execução de uma decisão tomada em conformidade com o processo previsto pela lei. O refugiado, a não ser que razões imperiosas de segurança nacional a isso se oponham, deverá ser autorizado a apresentar provas capazes de o ilibar de culpa, apelar e a fazer-se representar par esse efeito perante uma autoridade competente ou perante uma ou mais pessoas especialmente designadas pela autoridade competente. 3. Os Estados Contratantes concederão a esse refugiado um prazo razoável para este procurar ser admitido regularmente noutro país. Os Estados Contratantes poderão aplicar durante esse prazo as medidas de ordem interna que entenderem oportunas».

168 Cfr. HARTLING, Poul.: “Declaración del señor Poul Hartling en la abertura del coloquio sobre el asilo y la

protección internacional de refugiados en America Latina, ciudad de México, 11 de mayo de 1981” in AA.VV.: Asilo y

protección internacional…ob.cit., p. 21.

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