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A Convenção sobre Asilo Territorial

O INSTITUTO DE ASILO NO DIREITO INTERNACIONAL

4. A instituição do asilo na ordem jurídica internacional: instrumentos e limites

4.2. A regulação do asilo no âmbito regional Especial referência à América Latina

4.2.3. O direito de asilo na América Latina

4.2.3.2. As Convenções de Caracas de

4.2.3.2.2 A Convenção sobre Asilo Territorial

A Convenção de Caracas sobre Asilo Territorial,309 externo ou internacional, encontra-se distribuída por quinze artigos e seis reservas efetuadas por alguns países da América Latina, nomeadamente, Guatemala, República Dominicana, México, Peru, Honduras e Argentina.310 À semelhança da anterior Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático, podemos extrair desta também alguns princípios fundamentais que fazem parte da génese do próprio instituto de asilo: o princípio de soberania dos Estados, o princípio de asilo como ato pacífico e humanitário, o princípio da proibição de extradição, o princípio de não discriminação, o princípio da liberdade de expressão do pensamento, de reunião e de associação, o princípio da vigilância ou do internamento e, finalmente, o princípio da liberdade coartada.

Com efeito, esta Convenção começa por retratar logo no seu articulado primeiro, o princípio da soberania dos Estados, confrontando-o com o direito subjetivo do indivíduo em procurar asilo.311 Neste âmbito, é reforçada a ideia de que, a concessão de asilo é um direito absoluto,

309 Tal como foi referido “[o] asilo territorial, que não deve ser confundido com o diplomático, pode ser definido

como a proteção dada por um Estado, em seu território, a uma pessoa cuja vida ou liberdade se acha ameaçada pelas autoridades de seu país por estar sendo acusada de haver violado a sua lei penal, ou, o que é mais frequente, tê-lo deixado para se livrar de perseguição política.” (Cfr. EULALIO DO NASCIMENTO E SILVA, Geraldo, ACCIOLY, Hildebrando.: Manual de Direito Internacional Público, São Paulo, Editora Saraiva, 2002, p.376).

310 Felizmente, a presente Convenção foi objeto de algumas reservas muito pertinentes por parte de alguns Estados

como, por exemplo: a Guatemala reitera que o termo internamento previsto no artigo IX não é mais do que um simples afastamento das fronteiras e o México ressalva que as disposições previstas nos artigos IX e X são contrárias às garantias individuais que gozam os habitantes da República de acordo com a Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos.

311 A este propósito foi dito que “[la] Convención de Caracas recogió los elementos consuetudinarios y algunos

positivos existentes en América sobre la materia, en especial das disposiciones del Tratado de 1939, pelo a diferencia de los otros instrumentos convencionales, que también disponen sobre el asilo, la Convención de 1954 tiene la finalidad principal de definir los derechos y obligaciones de las personas a las cuales se aplica, así como a reafirmar el principio ya estipulado en el artículo XXVII de la Declaración Americana, (…) de que el asilo territorial se otorga para todos aquellos perseguidos políticos sea cual fuere la forma como ingresan al territorio del Estado asilante teniendo éste el derecho en “ejercicio de su soberanía, a admitir dentro de su territorio a las personas que juzgue conveniente, sin que por el ejercicio de este derecho ningún otro Estado pueda hacer reclama alguna (articulo 1)” (Cfr. B. DE MAEKELT,.: “Instrumentos regionales en materia de asilo. Asilo Territorial y Extradición. La

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livre e arbitrário dos Estados, e não um dever do Estado em concedê-lo, embora seja um direito subjetivo do indivíduo. Assim, “[todo] Estado tiene derecho, en ejercicio de su soberanía, a admitir dentro de su territorio a las personas que juzgue conveniente, sin que por el ejercicio de este derecho ningún otro Estado pueda hacer reclamo alguno.”312

Em conjugação com este princípio de soberania dos Estados, há que realçar o princípio do asilo como um ato pacífico e humanitário. Aliás, à semelhança do anterior princípio, este não é também um princípio inovador, na medida em que já vinha sendo desenvolvido em diversos outros instrumentos adotados, quer na América Latina quer no Continente Africano. Assim sendo, este princípio reitera que a concessão de asilo é um ato pacífico e humanitário concedido por um Estado soberano a cidadãos de outros Estados, pelo que não pode ser nunca considerado como causa justificativa para ruturas de relações amistosas, diplomáticas, de cooperação e de colaboração entre os Estados e muito menos pode ser causa justificativa para um eventual conflito armado. A jurisdição de cada Estado deve ser respeitada e não é tolerada nem atenuada em caso de violação.

Naturalmente que estes dois princípios apregoados, o da soberania dos Estados e o do asilo como ato pacífico e humanitário, devem obrigatoriamente ser conjugados com o disposto no artigo II da presente Convenção: “[El] respeto que según el Derecho Internacional se debe a la jurisdicción de cada Estado sobre los habitantes de su territorio, se debe igualmente, sin ninguna restricción a la que tiene sobre las personas que ingresan con procedencia de un Estado en donde sean perseguidas por su creencias, opiniones o filiación política o por atos que puedan ser considerados como delitos políticos. Cualquier violación de soberanía consistente en atos de un gobierno o de sus agentes contra la vida o la seguridad de una persona, ejecutados en el territorio de otro Estado, no puede considerarse atenuada por el hecho de que la persecución haya empezado fuera de sus fronteras u obedezca a móviles políticos o a razones de Estado.”

Paralelamente aos princípios ora enunciados, a presente Convenção, nos artigos III a XI, remete para outros princípios:

- O princípio da proibição de extradição no caso de pessoas perseguidas por delitos políticos ou por delitos comuns cometidos com fins políticos. Este princípio deve ser aplicado, independentemente de as pessoas entrarem de forma sub-reptícia ou irregular dentro da jurisdição territorial de um Estado;

- O princípio da não discriminação entre estrangeiros e/ou nacionais:313 “[ningún] Estado está obligado a establecer en su legislación o en sus disposiciones o atos administrativos aplicables

Cuestión de los Refugiados ante las posibilidades de una nueva codificación interamericana” in AA.VV.: Asilo y

protección internacional…, ob.cit., p.153).

312 Cfr. art. I da Convención de Caracas sôbre Asilo Territorial.

313 Aliás, o artigo II da Convención de Caracas sôbre Asilo Territorial, reitera, o princípio da não discriminação entre

nacionais estrangeiros admitidos no seu território “[o] respeto que según el derecho Internacional se debe a la jurisdicción de cada Estado sobre los habitantes de su territorio, se debe igualmente, sin ninguna restricción a la que tiene sobre las personas ingresan con procedencia de un Estado en donde sean perseguidas por atos que puedan ser considerados como delitos políticos”. Mais, reafirma que qualquer violação desta soberania, não poderá

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a extranjeros distinción [314] alguna motivada por el solo hecho de que se trate de asilados o refugiados políticos.”315 De certo modo, o disposto neste artigo VI da presente Convenção não é mais do que a transposição do artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem;316 - O princípio da liberdade de expressão do pensamento, de reunião e de associação, são, na realidade, direitos que devem ser salvaguardados na exata medida em que são atribuídos aos cidadãos nacionais, e não pode existir qualquer tipo de descriminação e/ou de limitação dos mesmos, exceto nos casos em que o uso destes direitos constitua uma propaganda sistemática, por meio da qual se incite ao emprego da força ou da violência contra o governo do Estado reclamante;

- O princípio da vigilância ou do internamento de refugiados ou de asilados está relacionado com as pessoas que tenham sido dirigentes notórios de um qualquer movimento subversivo ou, porventura, existam provas de que estão dispostos a incorporar esses movimentos.317 Lamentavelmente, este princípio não confere ao Estado asilante nenhuma vinculação no sentido de averiguar da veracidade dos motivos invocados pelo Estado interessado, aquando do pedido de vigilância ou do internamento. Apenas se estipula que as despesas por esta vigilância ou por este internamento correm por conta do Estado interessado, devendo, para o efeito, o Estado asilante manter os refugiados ou os asilados a uma distância prudente das fronteiras a determinar pelo Estado interessado. Obviamente que esta norma vem coartar a liberdade de circulação e de movimentos dos refugiados e dos asilados;

- O princípio da liberdade coartada: “[los] internados políticos, (…) darán avisos al gobierno del Estado en que se encuentren siempre que resuelvan salir del territorio. La salida les será concedida, bajo la condición de que no se dirigirán al país de su procedencia, y dando aviso al gobierno interesado.”318 Este princípio da liberdade coartada é inovador e exclusivo da

ser considerada atenuada, mesmo que se alegue que a perseguição começou fora das suas fronteiras ou obedeça motivos políticos ou razões de Estados.

314 Cfr. art. VII a X da Convencion de Caracas sôbre Asilo Territorial. Por exemplo, os asilados ou refugiados políticos

têm a mesma liberdade de expressão e de pensamento, de reunião e de associação, igual aos cidadãos nacionais ou idêntica a que a lei reconhece aos estrangeiros. Esta, apenas, pode ser limitada se constituir propaganda sistemática de incitamento à força e a violência contra o Estado reclamante. Estes, ainda, poderão ficar limitados na sua mobilidade, pois, a pedido do Estado reclamante pode, o Estado que concedeu asilo ou refúgio ver-se obrigado a proceder “a la vigilancia o a la internación, hasta una distancia prudencial de suas fronteras, de aquellos refugiados o asilados políticos que fueren notoriamente dirigentes de un movimiento subversivo”. É curioso, salientar, aqui a reserva que a Guatemala fez ao art. IX desta Convenção “entiende el término “internación”, (…) como simple alejamiento de las fronteras.” Todavia, estes não ficam impedidos de asilo do território asilante, contudo, devem afastar-se do território de procedência.

315 Cfr. art. VI, da Convención de Caracas sôbre Asilo Territorial.

316 Aliás, como foi sublinhado “[todos] os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamadas na

presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião pública ou outra, de origem nacional ou social de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita qualquer distinção baseada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território dos quais a pessoa depende, quer este país ou território seja independente, tutelado, não autónomo ou sujeito a qualquer limitação de soberania.” (Cfr. AGNÈS COMBESQUE.: ob.cit., p. 34).

317 Este princípio não é inovador aliás tal como foi referido “[el] Tratado de Montevideo de 1939 prevé en ciertos

casos la posibilidad de la internación de los refugiados asilados o refugiados políticos (artículos 13 y 14). La Convención de Caracas de 1954 considera también esta posibilidad (artículos 9 y 10) y califica a los internados como internados políticos.” (Cfr. GROS ESPIELL, Hector.: “El derecho internacional americano sobre asilo territorial y extradición en sus relaciones con la Convención de 1951 y el Protocolo de 1967 sobre estatuto de los refugiados” in AA.VV.: Asilo y protección internacional…ob.cit., p.39).

318 Cfr. Art. X, da Convención de Caracas sobre Asilo Territorial.

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presente Convenção. Porém, esta norma ou princípio veio conferir aos refugiados e aos asilados uma dupla punição, uma vez que se esqueceu, na sua essência, o significado da palavra refugiado e de requerente de asilo, bem como das causas subjacentes ao abandono do local de origem que são, precisamente, a falta de liberdade ou a violação sistemática dos mais elementares direitos humanos.

De facto, a essência deste princípio ou norma é totalmente incompreensível e inaceitável, do nosso ponto de vista. Mas, infelizmente, é um princípio atual e violador dos mais elementares direitos humanos. Na realidade, julgamos que não é admissível que refugiados ou asilados estejam internados ou vigiados numa zona estritamente reservada para eles, como se fossem criminosos. Não é aceitável, também, que eles tenham de pedir autorização para sair destas zonas de internamento ou de vigilância e, muito menos é compreensível que esta autorização esteja condicionada ao facto de estes não se dirigirem ao país de procedência. Como se não bastasse, este princípio prevê, ainda, que o Estado asilante fique vinculado a comunicar esta saída ao Estado interessado, pondo, assim, em perigo a segurança e a integridade dos refugiados e dos asilados.

Pese embora os méritos introduzidos com a presente Convenção, é de sublinhar que esta se encontra munida de várias deficiências, dado que não permite uma proteção efetiva aos requerentes de asilo nem resolve os problemas que estes causam aos Estados asilantes quando são em número considerável. Esta Convenção é, portanto, como referiu Cesar Sepulveda, um documento limitado, antiquado e pensado essencialmente para os casos de asilo por perseguição política, geralmente de dirigentes conceituados ou conhecidos.319

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