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A conveniência da responsabilização do garantidor nos crimes contra

Uma vez compreendido de que modo ocorre a responsabilização do garantidor perante o cometimento de crime omissivo impróprio, importante demonstrar que a ocorrência de crimes comissivos por omissão se fez presente em nossa história desde os tempos primórdios, sendo imperioso enfrentar tais ocorrências a fim de cessar a ideia que se trata de algo normal, pois não é.

Há muito se busca enfrentar o que chamamos de cultura do estupro, que, nada mais é do que “normalização da violência sexual contra a mulher na sociedade e na mídia.” (GUIA..., 2016, p.8). Nesse contexto, trata-se da forma como a sociedade vêm a mitigar tal crime e torna-lo, de certa forma, natural aos olhos, buscando maneiras de culpabilizar a vítima pela ocorrência do crime, como muitas vezes ouvimos comentários do tipo, ‘ela estava pedindo por aquilo’, ou ainda a negação dos fatos, de modo a minimizar a ocorrência dos abusos, tornando-os invisíveis aos olhos da sociedade (GUIA..., 2016, p.8).

[...] quando se vê uma mulher como objeto de uso, quando se duvida do que ela diz numa denúncia, ou coloca a culpa nos trajes, no jeito de ser, no horário que está na rua, quando há impunidade, quando se expõe a mulher de forma vulgar, quando se tolera e deixa passar atos de violência contra a mulher [...], existe uma cultura do

estupro. (GUIA..., 2016, p. 8, apud KEHDI, grifo nosso).

Dessa forma, a cultura do estupro apresenta características marcantes, dentre as quais se ressaltam:

[...] culpar a vítima e falar frases como: ‘ela pediu por isso’; banalizar uma agressão sexual; fazer piadas sexualmente explícitas menosprezando a mulher, seus sentimentos e desejos; duvidar da vítima e exigir que ela comprove que sofreu o abuso; violência de gênero gratuita em filmes e na televisão; acreditar que o homem é o dominante e pode ser agressivo, enquanto a mulher deve ser submissa e passiva sexualmente; supor que as mulheres promíscuas merecem ser estupradas; ensinar a mulher a não ser estuprada em vez de ensinar o homem a respeitá-las e não praticar o estupro. (GUIA..., 2016, p. 10).

Nesse sentido, observa-se que várias dessas características ainda estão presentes em nosso cotidiano, o que demonstra a dificuldade de quem sofreu algum tipo de violação sexual em buscar ajuda, no intuito de alcançar a penalização de quem a cometeu, pois normalmente ainda se está muito abalada e fragilizada com o ocorrido, não tendo, muitas vezes, forças para enfrentar a sociedade.

Não por outra razão que crimes envolvendo violação à dignidade sexual por muitas vezes são silenciados, pois a vítima prefere superar o ocorrido sozinha, a procurar auxílio, pois sabe que sempre terá alguém para justificar a ocorrência do crime, ou ainda, culpá-la pelo ocorrido, o que é muito triste.

Assim, “com medo de serem julgadas, muitas optam pelo silêncio, e não denunciam os seus agressores[...] É comum escutar comentários do tipo: ‘você vai denunciar mesmo? Não quer pensar melhor? [...], que desestimulam a procura por justiça.” (GUIA..., 2016, p. 13).

Não obstante, a situação é ainda pior quando o agressor é o companheiro da vítima, pois esta vem a acreditar que ele vai mudar, e quando se envolve filhos, o medo de ficar desamparada, bem como ser julgada pela sociedade, é um entrave, e a busca por ajuda é quase rara (GUIA..., 2016). Não por outra razão que, segundo informações contidas no 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015, apontam que o “[...]crime de estupro é o que

apresenta menos denúncias, e, por isso, torna-se mais difícil prevenir e combater a violência sexual.” (GUIA..., 2016, p. 13, apud FÓRUM BRASILEIRO).

Destarte, a cultura do estupro não envolve tão somente pessoas adultas. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, “[...] 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes. E, na metade das vezes, há históricos de violências sexuais anteriores.” (GUIA…, 2016, p. 87).

Ademais, outro fator alarmante é que a violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo pesquisa realizada pelo Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância – CRAMI, do ABCD, em 90% dos casos, não é denunciada, passando por despercebidos, sendo que “[...] dados estatísticos apontam que a maioria dos autores de abuso sexual identificado é o pai biológico, com 31% dos casos, contra 15% cometidos pelo padrasto. Os demais casos estão distribuídos entre outros parentes, desconhecidos e sem informação.” (GUIA..., 2016, p. 88).

Tal fato demonstra a nítida situação em que tais sujeitos, na grande maioria dos casos, tidos como vulneráveis, encontram-se, visto que por muitas das vezes o fato do abuso sexual é normal aos olhos da família, seja porque passaram pela mesma situação quando de sua infância, tornando-se a violência sexual parte de sua cultura, seja pelo medo de denunciar, seja pelas ameaças, seja pela dependência financeira perante o agressor, etc.

Da mesma forma, “[...] muitas vezes, o agressor conduz a situação de tal forma, que os pequenos não percebem que é um abuso e acreditam que estão participando de um jogo. Geralmente, as crianças são subordinadas ou ganham recompensa se ficarem em silêncio.” (GUIA...,2016, p. 88).

Precisamos superar a cultura do estupro, para que crimes contra a dignidade sexual possam ser erradicados. A sociedade precisa evoluir, pois precisamos entender que crimes são crimes, “a vítima nunca é culpada, ou nunca deveria ser compreendida como culpada [...] (GUIA..., 2016, p. 13 apud SILVA).

Por sua vez, conforme referido no Guia Mundo em Foco (2016, p. 36, apud SAGRILLO):

A violência contra a mulher acontece num contexto. E mudar esse contexto requer tempo. Acabar com a cultura do estupro requer uma mudança de nível pessoal, mas também social e cultural. Envolve economia, política, garantia de direitos, fim da desigualdade social, o combate à desigualdade de gênero e o reconhecimento da questão racial.

Assim, para que se possa, de uma vez por todas, acabar com a cultura do estupro, mostra-se necessária uma mudança geral. A sociedade precisa estar mais consciente do que de fato ocorre e, a partir disso, mudar sua forma de pensar, percebendo que é necessário agir, e agir logo.

Diante de todo o exposto, a responsabilização do garante omisso é uma das formas de se abolir a cultura do estupro, pois não se pode deixar ‘passar em branco’ a ocorrência de crimes tão graves e desprezíveis, como os crimes contra a dignidade sexual de pessoas vulneráveis. É necessário ter pulso firme e penalizar de maneira adequada, tanto quando o agressor de fato, visto que o mal causado à vítima é de difícil reparação, pois quando crianças e adolescentes são desamparadas por quem mais amam e confiam, gera um trauma imensurável.

Nesse sentido, conforme jurisprudência analisada, a legislação é clara, e é preciso estar atento à sua volta, de modo a que garantes cumpram com o seu papel, seja de pais, ou quem possua a guarda da criança ou do adolescente, visando coibir a prática destas agressões, buscando punir o violador e coibir que tais atos voltem a ocorrer, tendo assim a função não só de praticar “justiça”, mas também de punir de fato quem pratica crimes contra a dignidade sexual de sujeitos vulneráveis, desestimulando o silêncio, e erradicando com impunibilidade dos agressores e garantes omissos.

De outra banda, por muitas vezes ocorre de a garante, genitora da vítima, silenciar pelo medo. Tal fato ocorre em razão da violência doméstica sofrida no âmbito familiar, outro fator crucial, assim como a cultura do estupro. Há casos em que famílias são completamente desestruturadas, nas quais, em que pese a existência de todo arcabouço jurídico, como a Lei 11.340 (BRASIL, 2006), “que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, não se busca por ajuda, seja por desconhecimento, medo, insegurança, ou qualquer outro fator.

Tal fato vem a contribuir para o silenciamento dos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, pois por muitas vezes a própria genitora também é vítima, sendo o ambiente de convívio familiar uma verdadeira “casa dos horrores”, pois as barbáries lá cometidas, pela frequência e pela ausência de ajuda, acabam por se tornar algo normal do cotidiano, perpetuando-se as agressões na família. Assim, as chances de aquelas crianças, que cresceram vendo e sofrendo violência sexual, reproduzirem no futuro tal estilo de vida, são grandes.

Nesse sentido, segue o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (BRASIL, 2006, grifo nosso):

EMENTA: ATENTADO VIOLENTO A PUDOR. PROVA. Inobstante a cautela com que deve ser acolhido o depoimento infantil, a palavra segura do ofendido vem respaldada por declarações coerentes e uniformes de sua avó e pela avaliação psicológica a que se submeteu o infante, restando isolada nos autos a negativa do acusado. APELO MINISTERIAL. ABSOLVIÇÃO. Omissão cometida pela avó, diante das circunstâncias fáticas do caso concreto representa uma omissão penalmente relevante, vez que não se faz presente o dever de agir.

Impossibilidade de se exigir conduta diversa por parte da agente. Absolvição mantida.[...]

No caso acima narrado, trata-se de crime contra a dignidade sexual de pessoa vulnerável (salienta-se que na época ainda não existia a Lei 12.015/09) praticado por avô em face da neta, de 8 anos de idade à época dos fatos, sendo que a avó, em que pese soubesse da ocorrência dos fatos, era submissa ao marido, visto que também era vítima, mas de violência doméstica. Importante se faz relatar um trecho da sentença, prolatada em 1º grau, que veio a absolver a avó do crime omissivo impróprio:

Todavia, é importante ressaltar que, além de ser pessoa humilde e sem instrução,

a ré encontrava-se totalmente submissa ao marido, tendo em vista ser ele pessoa muito violenta, e ameaçadora, conforme relatos.

Efetivamente, em tais circunstâncias, a omissão da acusada diante dos fatos inomináveis, moralmente inaceitável, não representa uma omissão penalmente relevante, vez que não se faz presente o dever de agir da acusada, o que faz com que o veredito absolutório seja o posicionamento deste juízo. (BRASIL, 2006, grifo nosso).

Assim, não há como punir alguém que também é vítima, posto que mulheres vítimas de violência se tornam, muitas vezes, completamente subjugadas e sem condições, vindo a se omitir diante da violência sexual.

Posto isto, é de se perceber que apenas a penalização, no âmbito do Direito Penal, em que pese seja extremamente necessária, não é suficiente para se combater, de vez, a violação sexual em face de crianças e adolescentes, sendo que para que efetivamente haja o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, exige-se uma estruturação de políticas públicas que busquem a prevenção desta forma de violência.

Sendo assim, é preciso colocar em prática a legislação já existente, como o art. 7º, da Lei 8.069 (BRASIL, 1990) e art. 13, da Lei 13.431 (BRASIL, 2017), já anteriormente mencionados, no sentido de se criar políticas sociais públicas capazes de proporcionar às crianças e aos adolescentes um desenvolvimento digno, pleno e saudável.

Nesse diapasão, prevê o art. 15, também da Lei 13.431 (BRASIL, 2017, grifo nosso) que:

a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar serviços de

atendimento, de ouvidoria ou de resposta, pelos meios de comunicação

disponíveis, integrados às redes de proteção, para receber denúncias de violações

de direitos de crianças e adolescentes.

Parágrafo único. As denúncias recebidas serão encaminhadas: I - à autoridade policial do local dos fatos, para apuração; II - ao conselho tutelar, para aplicação de medidas de proteção; e

III - ao Ministério Público, nos casos que forem de sua atribuição específica.

Por conseguinte, considerando que o Direito Penal só pode ter um papel subsidiário de proteção à infância, visto que entra em campo apenas quando a violência já se perpetrou, faz- se extremamente necessário a colocação em prática de políticas públicas educativas que sejam capazes de: a) combater a cultura do estupro; b) tornar visível e desnaturalizar a violência doméstica; c) disseminar a cultura de respeito a todos os indivíduos, o que se dará quando todos forem capazes de reconhecer os outros (inclusive os membros da família) enquanto sujeitos de direitos e dotados de dignidade humana.

Desse modo, para que efetivamente se concretize os direitos e garantias previstos na Carta Maior (BRASIL, 1988), bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), é preciso apostar em políticas educacionais que foquem na prevenção e, sobretudo, no reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos e de dignidade, pois

é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Art. 227, BRASIL, 1988).

Portanto, em decorrência de todo o exposto, verifica-se a importância da sociedade, do Poder Público e de todos, cumprirem com seu papel, cada um, de modo a não deixar passar a ocorrência de crimes contra a dignidade sexual de sujeitos vulneráveis, abolindo a ideia do silêncio e rompendo com a cultura do estupro, garantindo a ocorrência efetiva e a plenitude dos direitos humanos e fundamentais, previstos na Constituição Federal de 1988 e demais normas do ordenamento jurídico, de modo a proporcionar às crianças e adolescentes, de fato, um bom desenvolvimento físico, psíquico e mental e, principalmente, uma vida digna.

CONCLUSÃO

Os crimes que envolvem violência sexual contra pessoas vulneráveis (crianças e adolescentes) representam um dos mais graves problemas que vêm sendo enfrentados desde os tempos primórdios e, ainda hoje, em que pese a evolução em que se encontra a sociedade, ainda apresentam índices bastante significativos, visto que, na maioria dos casos, tais situações se dão no ambiente familiar e envolvem pessoas próximas, perpetuando-se em razão da omissão ou negligência de quem tem a obrigação de proteção, cuidado e vigilância (garantidores).

Entendido em seu aspecto formal/analítico, o crime é considerado um fato ilícito, tipificado em lei e culpável e, para sua caracterização, é necessário que haja uma conduta penalmente relevante. Desta feita, dentre as condutas penalmente relevantes, há a comissiva, aquela em que o sujeito age positivamente, com o fim de obter algum resultado, e a omissiva, na qual o indivíduo deixa de agir, descumprindo com seu comportamento, a determinação legal. Essa última, subdivide-se em dois grupos: O primeiro, refere-se à conduta omissiva própria – na qual o agente apenas deixa de fazer o que a lei exige, independentemente do resultado posterior, como por exemplo o crime disposto no art. 13517, do Código Penal (BRASIL, 1940).

Já o segundo grupo, que objetivou a construção do presente estudo, refere-se aos crimes omissivos impróprios, que são aqueles em que o agente possui um dever especial, qual

17 Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou

extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

seja a condição de garante sobre a vítima (dever de cuidado, proteção e vigilância), sendo imputado a este, não apenas o fato da omissão em si, mas o resultado típico do delito, equiparando tal omissão à ação. Nesse viés, dispõe o art. 13, §2º do Código Penal (BRASIL, 1940), que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. [...]”

Por conseguinte, a posição especial do garante vem respaldada no artigo 13, § 2º, alínea “a”, do Código Penal (BRASIL, 1940), incumbindo a quem tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, ou seja, o dever de agir para evitar algum resultado.

Dessa forma, caso quem possua tal obrigação, em havendo determinada situação em que se exija deste (e que seja possível) uma ação de modo a, ao menos, tentar evitar a ocorrência de determinado delito e, consequentemente, seus resultados, e este, por sua vez, se omita, não responderá como nos crimes omissivos próprios, apenas em razão de sua simples omissão, e sim, de modo relevante, vindo a responder como se praticado tivesse o referido delito.

Nessa esteira, é notória a extrema relevância da imputabilidade do garante nos crimes sexuais praticados com a anuência de quem possui o dever legal de proteção, pelo fato de que, sob a ótica do direito penal brasileiro, tal medida visa atribuir a este não só a responsabilidade por eventual omissão, mas sim, como conduta omissiva imprópria, devendo o garante omisso responder como se praticado tivesse tal delito.

Por sua vez, com o advento da súmula 593 do STJ (BRASIL, 2018) consolidou-se o entendimento (já antes firmado pelo STF e STJ) de que a vulnerabilidade da vítima menor de 14 anos presume-se ABSOLUTA, de modo a inibir qualquer hipótese lícita de relação sexual com menores de 14 anos, compreendidos como sujeitos vulneráveis. Com isso, constata-se que os sujeitos considerados vulneráveis têm uma proteção mais expressiva pelo legislador, isso em razão de sua condição de desenvolvimento, tendo em vista que crianças e adolescentes ainda não têm um completo discernimento sobre seus atos.

Ademais, constatou-se que a violência sexual não compreende apenas o ato da conjunção carnal contra a vontade em si, visto que há várias outras formas de violar o direito

à liberdade sexual do próximo que configuram também violência sexual, conforme análise dos crimes sexuais praticados contra vulneráveis em espécie.

De acordo com as estatísticas apresentadas e analisadas, os índices de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil são muito expressivos, sendo que apenas parte desses crimes é denunciada, o que demonstra um elemento significativo de “invisibilidade” a tais delitos.

Assim, verifica-se que há significativa violação à dignidade dessas crianças e adolescentes, que, por sua condição de sujeitos vulneráveis e por estarem em desenvolvimento, tanto físico como mental, merecem máximo amparo e proteção pelo Estado.

Em que pese cada sujeito detenha o direito a decidir sobre o seu corpo, a tutelar acerca da sua liberdade sexual, deve o Estado estar atento ao que ocorre contra a vontade, ultrapassando os limites da liberdade e ferindo o valor da dignidade sexual.

À propósito, se crimes envolvendo violação à dignidade sexual de adultos são considerados execráveis, causando muita repulsa e indignação pela sociedade, quando envolvem crianças e adolescentes, principalmente em casos familiares em que há o consentimento, omissão ou negligência de garantidores, tornam-se ainda mais perversos, pois afetarão para sempre a vida daquele ser em desenvolvimento.

Logo, é de se perceber que para que crianças e adolescentes, de fato, desenvolvam-se plenamente, é preciso que cresçam de maneira digna e saudável, sendo protegidas e amadas por seus pais, de modo a não passarem por situações traumáticas como a violação à sua intimidade sexual, pois conforme o art. 5º do ECA (BRASIL, 1990), “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [...]”

Isto posto, não obstante as alarmantes estatísticas analisadas no decorrer do presente estudo, constatou-se que os crimes de natureza sexual praticados contra criança e adolescente, quando ocorridos no âmbito familiar, por muitas vezes são silenciados, passando por despercebidos pela sociedade em geral.

Assim, verifica-se a importância da sociedade, do Poder Público e de todos, cumprirem com seu papel, cada um, de modo a não deixar passar a ocorrência de crimes contra a dignidade sexual de sujeitos vulneráveis, abolindo a ideia do silêncio e rompendo com a cultura do estupro, garantindo a ocorrência efetiva dos direitos humanos e fundamentais, previstos na Constituição Federal de 1988 e demais normas do ordenamento jurídico, de modo a proporcionar às crianças e aos adolescentes, de fato, um bom desenvolvimento físico, psíquico e mental e, principalmente, uma vida digna.

A responsabilização do garantidor omisso é uma das estratégias que podem contribuir para o enfrentamento da cultura do estupro, pois não se pode tolerar a omissão diante de crimes graves e desprezíveis, especialmente quando envolvem a dignidade sexual de pessoas vulneráveis. É necessário responsabilizar adequadamente o garante omisso e também o agressor de fato, visto que o mal causado à vítima é de difícil reparação, pois quando crianças e adolescentes são desamparadas por quem mais amam e confiam, gera um trauma imensurável.

Além disso, em que pese seja extremamente necessária a responsabilização penal, tanto de quem pratica de fato o crime, quanto de quem contribui para que tal aconteça (garante omisso), para que, de fato, haja o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, exige-se uma estruturação de políticas públicas que busquem a prevenção desta forma de violência.

Desta feita, verifica-se que a prevenção passa, necessariamente, pela formatação de políticas educativas que sejam capazes de: a) combater a cultura do estupro; b) tornar visível e desnaturalizar a violência doméstica; c) disseminar a cultura de respeito a todos os indivíduos, o que se dará quando todos forem capazes de reconhecer os outros (inclusive os membros da família) enquanto sujeitos de direitos e dotados de dignidade humana.

Consoante ao disposto, é preciso atenção redobrada, de modo a assegurar que os garantes cumpram com o seu papel, visando coibir a prática destas agressões, buscando punir