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O papel do garantidor, dolo e culpa nos crimes omissivos impróprios

Conforme explicitado, nos crimes omissivos impróprios a legislação equivale a omissão à ação, sendo que assim, caso o agente que possui o dever legal de garante não atue da maneira esperada ao fato, como é o caso da mãe que possui o conhecimento dos fatos é omissa aos abusos de alguém perante o filho, esta responderá penalmente como se praticado tivesse o delito, a título de dolo ou culpa (QUEIRÓZ, 2015).

Tal dever do garante encontra-se disposto no artigo 13, § 2º, alínea “a”, do Código Penal (BRASIL, 1940):

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

[...]

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

[...]

Por conseguinte, os crimes omissivos impróprios, ou comissivos por omissão, segundo entendimento de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 173) “[...] são os delitos de ação, excepcionalmente praticados por omissão, restrita aos casos de quem tem o dever de impedir o resultado.”

Assim, “para a caracterização de um crime omissivo impróprio, é necessário que, além de um dever legal de agir, o agente tenha o dever de evitar o resultado, nos termos do artigo 13, § 2º, do Código Penal, por se encontrar na condição legal de garante ou garantidor.” (QUEIROZ, 2015, p. 209).

Dito isto, verifica-se que o garantidor, ou garante, como também chamado, possui o

dever de legal de evitar o resultado, ou seja, de mover esforços a fim de impedir que

determinado ilícito venha a ocorrer perante seu protegido, que, em nosso presente estudo trata-se de sujeito vulnerável, qual seja, adolescentes e crianças.

Nesse viés, garantes “são aqueles que, por sua especial posição, podem ser sujeitos ativos especiais nos crimes omissivos impróprios. Constituindo o crime comissivo por omissão na não evitação do resultado típico por parte de quem tem o dever legal de evitá-lo.” (BIERRENBACH, 2014, p. 80).

Trata-se assim, conforme o entendimento de Bierrenbach (2014, p. 81), de um dever especial de proteção, tendo em vista que “nos crimes omissivos impróprios [...] cabe somente aos garantes, diante de uma situação de perigo que paire sobre o bem jurídico de seu garantido, agir para conjura-lo [...]”

Destarte, “somente pode ser autor de conduta típica omissiva imprópria aquele que se achar em posição de garante vale dizer, em uma relação com o sujeito passivo que o obrigue a garantir a conservação, reparação ou restauração do bem jurídico penalmente tutelado.” (MIRABETE; FABBRINI, 2012, p. 90).

Assim sendo, conforme o entendimento de Juarez Estevam Xavier Tavares (2015, p. 300, grifo nosso):

[...] A posição de garantidor é característica específica dos crimes omissivos impróprios, daí dizer-se que a omissão, no caso, é qualificada. A omissão é qualificada, porque tem alguma coisa além da omissão requerida nos crimes omissivos próprios, como no delito de omissão de socorro, que pode ser praticado por qualquer pessoa, independentemente se o omitente conhece a vítima, ou se guarda com ela uma relação de proteção. Fala-se que essa relação especial do sujeito (qualificado) para com a vítima corresponde a um dever especial de proteção, diferentemente do dever geral de solidariedade dos delitos omissivos próprios.

Importante ressaltar que, no que tange ao dever de vigilância, inserto no art. 13, § 2º, “a”, do Código Penal (BRASIL, 1940), além da incumbência de evitar determinados perigos perante o garantido, inclui-se neste aspecto também, a obrigação de reprimir a ação de terceiras pessoas sobre aquele, ficando ao garante imposto o dever de ação para impedir a ocorrência de eventuais perigos àquele a quem deve vigiar (BIERRENBACH, 2014).

Segundo Paulo Queiróz (2015, p. 230), “uma vez configurada a relevância jurídico- penal da omissão, nos termos do art. 13, §2º, do CP, o agente/garante responderá a título de dolo ou culpa, conforme tenha se omitido intencional ou imprudentemente.”

No que se refere ao dolo, está disposto no artigo 18, inciso I, do Código Penal de 1940 (BRASIL), o qual aduz ser o crime doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.”

À luz do entendimento de Bierrenbach (2014, p, 85), o dolo nos crimes omissivos impróprios “constitui consciência e vontade de preencher todos os elementos do tipo objetivo”, constata-se que nos crimes omissivos impróprios, para fins de adequação típica, é necessário uma dupla averiguação. É preciso verificar o tipo que vem a descrever o resultado vedado por lei com uma das alíneas elencadas no parágrafo segundo do artigo 13 do Código Penal (BRASIL, 1940). Desta forma, o garante omisso deve ter plena consciência e vontade para responder dolosamente (BIERRENBACH, 2014).

Nesta senda, para que seja caracterizada essa “consciência”, faz-se necessário estar presentes os seguintes elementos:

a) a situação típica, que se configura na existência do perigo para o bem jurídico; b)

o poder de agir, consistente na capacidade, por parte do sujeito, de agir com êxito

para conjurar o perigo que ronda o bem jurídico, evitando ou tentando evitar sua transformação em dano com a materialização do resultado típico; c) a posição de

§2º do art. 13, da qual emana o dever de agir (o que não inclui a consciência da ilicitude da infração do dever) (BIERRENBACH, 2014, p. 85, grifo nosso).

Quanto à vontade, esta “deve manifestar-se sempre na resolução por parte do omitente de permanecer inativo. Na maioria dos casos, o omitente tolera o resultado descrito no tipo penal.” (BIERRENBACH, 2014, p. 85, grifo do autor).

Com efeito, “haverá omissão dolosa imprópria sempre que o agente, podendo atuar concretamente, omite, voluntária e conscientemente, a ação que lhe é possível e exigível, permitindo a realização do resultado típico (consumado ou tentado).” (QUEIRÓZ, 2015, p. 230).

No que se refere à culpa, segundo Bierrenbach (2014), nos crimes omissivos impróprios se verifica que há uma violação do dever de cuidado, proteção e vigilância, por meio de conduta omissiva, de modo a evitar eventuais riscos e perigos aos que estariam legalmente assistidos por seus garantidores.

Nesse viés, conforme disposto no inciso II, do artigo 18 do Código Penal (BRASIL, 1940), culposo é um crime “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.”

Por seu turno, importante ressaltar, o que a doutrina traz por conceito para a imprudência, negligência e imperícia. Conforme entendimento de Guilherme de Souza Nucci (2014b, p. 191), “imprudência é a forma ativa de culpa, significando um comportamento sem cautela, realizado com precipitação ou com insensatez. Ex.: a pessoa que dirige em alta velocidade dentro da cidade, onde há passantes por todos os lados.”

Em relação à negligência, trata-se de uma

forma passiva de culpa, ou seja, assumir uma atitude passiva, inerte material e psiquicamente, por descuido ou desatenção, justamente quando o dever de cuidado objetivo determina de modo contrário. Ex.: deixar uma arma de fogo ao alcance de uma criança ou não frear o carro ao estacionar em uma ladeira. (NUCCI, 2014b, p. 162).

Já a imperícia, segundo Nucci (2014b, p. 162) “é a imprudência no campo técnico, pressupondo uma arte, um ofício ou uma profissão. Consiste na incapacidade, inaptidão, insuficiência ou falta de conhecimento necessário para o exercício de determinado mister.”

Desta feita, há que se salientar ainda a diferenciação entre a culpa consciente e culpa inconsciente. De acordo com Damásio de Jesus (2011, p. 344, grifo nosso):

Na culpa inconsciente o resultado não é previsto pelo agente, embora previsível. É a culpa comum, que se manifesta pela imprudência, negligência ou imperícia. Na

culpa consciente o resultado é previsto pelo sujeito, que espera levianamente que não ocorra ou que possa evitá-lo. É também chamada culpa com previsão. [...]

A culpa consciente se diferencia do dolo eventual. Neste, o agente tolera a produção do resultado, o evento lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou não. Ele assume o risco de produzi-lo. Na culpa consciente, ao contrário, o agente não quer o resultado, não assume o risco nem ele lhe é tolerável ou indiferente. O evento lhe é representado (previsto), mas confia em sua não produção.

Ademais, verifica-se que “tal como na culpa comissiva, na culpa omissiva assenta-se na previsibilidade, na possibilidade de o garante prever que sua inação pode gerar perigo para o bem jurídico [...] permitindo a ocorrência do resultado vedado por lei.” (BIERRENBACH, 2014, p. 87).

Nesse sentido, vale destacar que, segundo entendimento de Zaffaroni (apud BIERRENBACH, 2014, p. 87) eventual transgressão do dever legal de cuidado, na grande maioria das vezes, advém das seguintes hipóteses:

a) da apreciação descuidada da situação típica – quando, por exemplo, o guarda- vidas contratado por um clube, ouvindo um dos sócios gritar por socorro, dentro da piscina, não lhe presta auxílio, pensando tratar-se de brincadeira; b) da execução

defeituosa da ação salvadora – quando, para exemplificar, o garantidor utiliza

gasolina, ao invés de água, para apagar um incêndio; c) da errônea apreciação da

própria capacidade física para executar a ação salvadora – o garante omite

socorrer a vítima de afogamento, acreditando que a água é profunda, quando de fato, não é; d) do desconhecimento de sua condição de garante – aquele que deixa de atender um paciente, porque ignora que é o único médico de plantão no hospital.

Assim sendo, como se pode verificar, a omissão imprópria culposa decorre da omissão do garante, que deixa de cumprir com o dever lhe imposto por lei, em razão de imprudência, negligência ou imperícia, pressupondo assim a elaboração de um risco proibido e a concretização deste risco através dor resultado em virtude do não agir do garantidor (QUEIRÓZ, 2015).