• Nenhum resultado encontrado

No que tange à possibilidade de coautoria nos crimes omissivos impróprios, apesar de haver divergência doutrinária quanto à viabilidade ou não de sua aplicabilidade, de acordo com o entendimento de Queiróz (2015), esta é perfeitamente plausível.

Nesse sentido, verifica-se a ocorrência da coautoria por omissão imprópria sempre que os coautores vierem a descumprir o dever de agir imposto a estes por lei, de comum acordo. Por conseguinte, para que se configure a coautoria, há a necessidade de ambos serem

garantes, isto é, possuírem o dever legal de cuidado, proteção ou vigilância, o dever de agir a

fim de evitar determinado resultado descrito em lei como ilícito (QUEIRÓZ, 2015).

Ademais, para que seja caracterizada a coautoria, é necessário que ambos os garantes “procedam de comum acordo (nexo subjetivo), pois do contrário ambos responderão individual e autonomamente, como autores de uma omissão [...]” (QUEIRÓZ, 2015, p. 334).

Segundo Jescheck (apud BIERRENBACH, 2014, p. 128, grifo da autora):

No entender de Jescheck, concorre coautoria de vários omitentes, quando estes só

podem cumprir, conjuntamente, um dever que obriga a todos. Sendo

perfeitamente factível a hipótese, não há por que rechaçar-se a coautoria na omissão imprópria. Exemplificando: vítima, obesa mórbida, encontra-se na iminência de afogar-se em mar aberto. Não é possível o salvamento por uma única pessoa. Vários guarda vidas presentes, garantes, portanto, presenciam o fato e decidem nada fazer. Hipótese de coautoria em crime omissivo impróprio.

Assim, “o princípio, portanto, é o mesmo dos crimes comissivos: houve consciência e vontade de realizar um empreendimento comum, ou melhor, de não realizá-lo

conjuntamente, logo, respondem em coautoria.” (QUEIRÓZ, 2015, p. 334).

Quanto à participação nos crimes omissivos impróprios, em que pese não aceita pela maioria dos doutrinadores, observa-se a existência da autoria mediata, a qual ocorre quando alguém se utiliza de outra pessoa para o fim de cometer determinado delito, ou seja, usa de alguém como instrumento para satisfazer seu desejo de que determinado resultado ilícito ocorra (BIERRENBACH, 2014).

Nesse sentido, conforme Bierrenbach (2014, p. 127), “a autoria mediata pode nascer de: a) imputabilidade; b) coação moral irresistível; c) obediência a ordem de não manifestamente ilegal de superior hierárquico; c) erro determinado por terceiro.”

Não obstante, tendo em vista que para a caracterização de um crime omissivo impróprio seja imprescindível a condição de garante do agente, seria impossível este garante valer-se de um terceiro não garante para realizar determinado ato omissivo que venha a violar um dever a ele imposto (BIERRENBACH, 2014).

No mais, excetuando-se ao acima referido, a única hipótese admitida para fins de tipificação de participação em crime omissivo impróprio, seria por meio de instigação moral ou de determinação por terceiro não garante (BIERRENBACH, 2014).

Logo, conforme entendimento de Paulo Queiróz (2015, p. 334-335, grifo nosso):

A participação pressupõe que o partícipe instigue ou induza o autor a se omitir (participação por comissão em crime omissivo), porque se houve a simples omissão, a sua conduta será jurídico-penalmente irrelevante, de modo que nos crimes omissivos próprios não é possível a participação por simples omissão.

Desta feita, verifica-se a omissão do garante diante de um crime comissivo praticado por terceiro não garante, objeto principal desde estudo, a partir do qual “[...] o garante omite agir em defesa de bem jurídico de seu garantido que está sendo atacado por outrem.” (BIERRENBACH, 2014, p. 133).

Nesta senda, refere Bierrenbach (2014, p. 133, grifo da autora):

Como exemplo, de ocorrência diária, mãe que permanece inerte diante de agressão infligida em seu filho, por parte de seu companheiro (que não é pai da criança). Ocorrido o resultado, responderão ambos. O companheiro, por crime comissivo. A mãe, por crime omissivo impróprio.

Sendo assim, diante do já exposto, em tais casos de ocorrência de crime omissivo impróprio, deverá o garante omisso responder pelo resultado, ou seja, como se praticado tivesse eventual delito, conforme autoriza o tipo penal do artigo 13, §2º, alínea “a”, do Código Penal (BRASIL, 1940).

Logo, percebe-se que, em virtude do seu dever legal de cuidado, proteção e vigilância, a omissão do garante é penalmente relevante e deve ser punida pelo resultado da prática do delito, “[...] em razão de o legislador considerar, nos crimes omissivos impróprios, mais grave a inação, dado o tipo especial de relação que se estabelece entre o agente e o bem jurídico tutelado.” (QUEIRÓZ, 2015, p. 227-228).

Nessa esteira, é notória a extrema relevância da imputabilidade do garante nos crimes sexuais praticados com a anuência de quem possui o dever legal de proteção, pelo fato de que, sob a ótica do direito penal brasileiro, tal medida visa atribuir a este não só a responsabilidade por eventual omissão, mas sim, como conduta omissiva imprópria, devendo o garante omisso responder como se praticado tivesse tal delito.

Posto isto, faz-se necessário, através da atuação do Estado, garantir a proteção ao Direito Fundamental de preservação à Dignidade Sexual de crianças e adolescentes vítimas de crimes de cunho sexual perpetrados no âmbito familiar ante à omissão de seu protetor, visando coibir a ocorrência de tais delitos, além de efetuar a responsabilização penal de maneira severa do garantidor omitente.

2 OS CRIMES SEXUAIS CONTRA PESSOA VULNERÁVEL E A RESPONSABILIZAÇÃO DO GARANTE POR CONDUTA OMISSIVA

Os crimes de violência sexual, praticados contra crianças e adolescentes, estiveram presentem em nossa sociedade desde os tempos primórdios, sendo que, em que pese os anos passem, a sociedade e a cultura se transformem e o direito se volte cada vez mais para a proteção dos Direitos Humanos, as estatísticas ainda preocupam muito.

Consoante o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF BRASIL, 2016, grifo nosso), “[...] em 2015, segundo dados do Disque 100, foram registradas 17.588 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, equivalentes a duas denúncias por hora. Foram 22.851 vítimas, sendo 70% delas meninas.”

Ademais, não obstante as alarmantes estatísticas, vale ressaltar que os crimes de natureza sexual praticados contra criança e adolescente, quando ocorridos no âmbito familiar, por muitas vezes são silenciados, passando por despercebidos pela sociedade em geral.

Nesse sentido, de acordo com informações obtidas através do 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2015), “apenas 35% dos crimes sexuais são notificados.”

Dessa forma, verifica-se que há grande violação à dignidade dessas crianças e adolescentes, que, por sua condição de sujeitos vulneráveis e, por estarem em desenvolvimento, tanto físico como mental, merecem máximo amparo e proteção pelo Estado.