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A imputação do resultado e o nexo de causalidade nos crimes omissivos

Primeiramente, faz-se importante ressaltar, no que tange à culpabilidade do agente, as teorias da causalidade existentes no direito penal brasileiro.

A primeira, adotada pelo código penal vigente, é a Teoria da Equivalência das Condições, ou, como também chamada, conditio sine qua non, sendo que para o desdobramento desta teoria, imprescindível ressaltar o artigo 13, caput, do Código Penal (1940), que dispõe que “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”

Nesta senda, verifica-se que, na primeira parte do referido artigo está inserido o nexo causal nos crimes materiais, ou seja, nos crimes de resultado. Já a segunda parte disciplina o uso da teoria da equivalência das condições, posto que abrange tanto os crimes de ação, comissivos, como também os de omissão, omissivos (BITENCOURT, 2012).

Posto isto, constata-se que a partir da referida teoria, conforme entendimento de Paulo Queiróz (2015, p. 220, grifo do autor):

A questão de quando uma conduta pode ser considerada como causa de um evento há de ser resolvida por meio de uma fórmula heurística de conteúdo hipotético: a fórmula da conditio sina qua non, é dizer, para saber se determinada condição

pode ser considerada causa do resultado, dever-se-á utilizar o chamado método (ou procedimento) hipotético de eliminação, segundo o qual, quando eliminada

mentalmente a causa, eliminar-se o efeito, haverá o nexo causal; caso contrário, isto é, se, cessada a causa, não cessar o efeito, a relação causal não estará configurada [...].

Por conseguinte, não havendo a relação de causalidade, ou seja, o nexo causal, não poderá ser imputado ao agente determinado resultado, “porque tal conduta não constituirá condição sem a qual o resultado não teria ocorrido (conditio sine qua non).” (QUEIRÓZ, 2015, p. 221).

Neste mesmo sentido, conforme Bitencourt (2012, p. 310, grifo do autor):

Para que se possa verificar se determinado antecedente é causa do resultado, deve-se fazer o chamado juízo hipotético de eliminação, que consiste no seguinte: imagina- se que o comportamento em pauta não ocorreu, e procura-se verificar se o resultado teria surgido mesmo assim, ou se, ao contrário, o resultado desapareceria em consequência da inexistência do comportamento suprido. Se se concluir que o resultado teria ocorrido mesmo com a supressão da conduta, então não há nenhuma relação de causa e efeito entre um e outra, porque mesmo suprindo esta o resultado existiria. Ao contrário, se, eliminada mentalmente a conduta, verificar-se que o resultado não se teria produzido, evidentemente essa conduta é condição indispensável para a ocorrência do resultado e, sendo assim, é sua causa.

No que se refere aos crimes omissivos impróprios, a causalidade está inserta diretamente no artigo 13 do Código Penal (BRASIL, 1940), visto que este adota o ponto de vista lógico, a fim de imputar como causa também as condições negativas, posto que, eventual omissão de quem deveria impedir determinado resultado vem a se tornar condição deste (BIERRENBACH, 2014).

Igualmente, salienta Bierrenbach (2014, p. 93), que “a estrutura lógica da causalidade é a mesma, na ação e na omissão. Na busca do nexo causal na omissão, pode-se utilizar a mesma fórmula prática de que se lança mão na conduta ativa, apenas invertendo-a.”

Desta forma, verifica-se que nos delitos praticados em razão da omissão deve-se averiguar se, caso acrescentada a ação esperada por quem tenha o dever de agir, ou seja, a ação do garante, o resultado teria a probabilidade de desaparecer, sendo que, em caso positivo, o garante omisso deverá responder objetivamente pelo resultado (BIERRENBACH, 2014).

A segunda teoria existente se trata da Teoria da Causalidade Adequada, que, segundo Bitencourt (2012, p. 317, grifo do autor):

Parte do pressuposto de que a causa adequada para a produção de um resultado típico (aspecto objetivo) não é somente a causa identificada a partir da teoria da equivalência das condições, mas sim, aquela que era previsível ex ante, de acordo com os conhecimentos experimentais existentes e as circunstâncias do caso concreto, conhecidas ou cognoscíveis pelo sujeito cuja conduta se valora (aspecto subjetivo).

Já a partir da Teoria da Causa Juridicamente Relevante, terceira teoria, averígua-se a relevância jurídica da conduta que veio a ser considerada como causa de um resultado a partir

da teoria da equivalência das condições, devendo ser abordada pela interpretação do tipo penal referente (BITENCOURT, 2012).

Há ainda a existência da teoria da imputação objetiva, que, segundo Guilherme de Souza Nucci (2014b, p. 167) “tem por finalidade imputar ao agente a prática de um resultado delituoso apenas quando o seu comportamento tiver criado, realmente, um risco não tolerado, nem permitido, ao bem jurídico.”

Não obstante as teorias suscintamente apresentadas, atualmente o art. 13 do Código Penal de 1940 adota claramente a teoria da equivalência dos antecedentes causais para fins de atribuição do resultado, não distinguindo, desta forma, ação e omissão, “causa e condição (que enseja o funcionamento da causa), causa e ocasião (que provoca, acidentalmente a produção do efeito) e causa e concausa (que coopera com a conduta do sujeito) [...]” (BIERRENBACH, 2014, p. 93).

Conforme entendimento de Bitencourt (2012, p. 303, grifo do autor), são três os pressupostos fundamentais dos crimes omissivos impróprios para a imputação do resultado, sendo o primeiro o poder de agir, que, segundo o autor:

É um pressuposto básico de todo comportamento humano. Também na omissão, evidentemente, é necessário que o sujeito tenha a possibilidade física de agir, para que se possa afirmar que não agiu voluntariamente. É insuficiente, pois, o dever

de agir. É necessário que além do dever, haja também a possibilidade física de agir,

ainda que com risco pessoal. Essa possibilidade física de agir falta, por exemplo, na hipótese de coação física irresistível, não se podendo falar em omissão penalmente

relevante, porque o emitente não tinha a possibilidade física de agir. Aliás, a rigor,

nem poderia ser chamado de omitente, porque lhe faltou a própria vontade, e sem vontade não há ação, ativa ou passiva.

Nesta senda, no que se refere à possibilidade de agir, refere Queiróz (2015, p. 228) que “é a capacidade de o agente atuar no caso concreto e evitar que o resultado lhe é imputado. Precisamente por isso, não cabe, por exemplo, imputar a omissão a alguém que, por não saber nadar, se recusa a prestar socorro a um banhista que se afoga.”

O segundo pressuposto trazido pelo autor se trata da evitabilidade do resultado, a partir do qual, observa-se que:

Ainda que o omitente tivesse a possibilidade de agir, fazendo-se um juízo hipotético

de eliminação – seria um juízo hipotético de acréscimo –, imaginando-se que a

conduta devida foi realizada, precisamos verificar se o resultado teria ocorrido ou não. Ora, se a realização da conduta devida impede o resultado, considera-se a sua omissão causa desse resultado [...] (BITENCOURT, 2012, p. 304, grifo do autor).

Assim, necessário se faz estar presente o nexo de causalidade entre o fato e a omissão, tendo em vista que, em ausente esse nexo, ou seja, essa relação de não impedimento, não é imputado ao omisso o resultado, posto que, se a realização da conduta esperada pelo agente não possibilitaria o impedimento de eventual resultado, pode-se inferir que este, em razão da sua omissão, causou tal resultado, ficando, desta forma desautorizado eventual atribuição do resultado ao omitente (BITENCOURT, 2012).

Deste modo, verifica-se que não é suficiente a possibilidade de agir para evitar o resultado, é necessário também que a ação omitida e exigida por lei seja efetivamente capaz de evitar de fato o resultado, visto que, demonstrando-se a inutilidade da ação, não caberá a imputação do resultado, pois inexiste, neste caso, o nexo de causalidade entre a omissão do agente e o resultado obtido (QUEIRÓZ, 2015).

O terceiro pressuposto para a configuração do crime omissivo impróprio, à luz de Bitencourt (2014, p. 304, grifo do autor), é o dever de impedir o resultado, visto que:

Se o agente podia agir e se o resultado desapareceria com a conduta omitida, ainda assim não se pode imputar o resultado ao sujeito que se absteve. É necessária uma

terceira condição, ou seja, é preciso que o sujeito tivesse o dever de evitar o resultado, isto é, o especial dever de impedi-lo ou, em outros termos, que ele fosse o

garantidor da sua não ocorrência.

Neste passo, refere Paulo Queiróz (2015, p. 228, grifo nosso), que:

Como se trata de um tipo penal em branco, que remete (parcialmente) a sua complementação a um dever extrapenal de proteção, cuidado, etc., os pressupostos e limites de incidência da omissão imprópria serão dados, em última análise, pela norma a que o tipo remete, expressa ou tacitamente. Assim, por exemplo, o dever de proteção, cuidado e vigilância dos pais [objeto do presente estudo] limitar-se-á aos filhos menores ou incapazes que se acharem sob sua guarda e enquanto essa situação persiste (CC, arts. 1.630 e seguintes). O mesmo ocorrerá quanto aos demais garantidores previstos em lei.

Por conseguinte, verifica-se que nos crimes omissivos impróprios há a necessidade de uma ação por aqueles que, por sua especial condição, possuem o dever legal de proteção,

cuidado e vigilância, assim, verificamos a existência de um “dever legal de agir, um dever

legal de evitar o resultado [...]” (QUEIRÓZ, 2015, p. 226, grifo nosso).

Dessa forma, caso quem possua tal posição de garante, em havendo determinada situação em que exija deste uma ação de modo a, ao menos, tentar evitar determinado delito e consequentemente seus resultados, e este, por sua vez, venha a se omitir, não responderá como nos crimes omissivos próprios, apenas em razão de sua omissão, e sim, de modo relevante, vindo a responder como se praticado tivesse o referido delito.

Isso ocorre pelo fato de “o legislador considerar, nos crimes omissivos impróprios, mais grave a inação, dado o tipo especial de relação que se estabelece entre o agente e o bem jurídico tutelado.” (QUEIRÓZ, 2015, p. 227).

Assim, verificamos a essencial necessidade de agir que recai sob aqueles que detêm este dever de cuidado, proteção e vigilância – ou seja, os garantes – perante seus garantidos, visto que, em caso de omissão por parte daqueles, responderão como se efetivos autores fossem de determinado ato ilícito que porventura vier a ocorrer diante de sua omissão.

Nesse sentido, oportuna é a transcrição de Bitencourt (2012, p. 305, grifo do autor), onde, a respeito do garante e sua omissão relevante, aduz que “se o sujeito, em virtude de sua abstenção, descumprindo o dever de agir, não obstruir o processo causal que se desenrola diante dele, digamos assim, é considerado pelo Direito Penal, como se o tivesse causado.”

Desta forma, cumpre ressaltar a relevância causal nos crimes omissivos impróprios, posto que, em tais crimes, o garante não tem simplesmente o dever legal de agir, e sim, o dever de agir a fim de evitar um resultado, ou seja, agir com o objetivo de evitar que determinado delito se concretize, não havendo, desta forma, um crime de cunho material, e sim, de resultado, exigindo-se, assim, a presença do nexo causal existente entre a omissão do agente e o resultado ocorrido (BITENCOURT, 2012).

Diante disso, à luz do entendimento de Nucci (2014b, p. 177):

São crimes omissivos impróprios os que envolvem um não fazer, que implica na falta do dever legal de agir, contribuindo, pois, para causar o resultado. Não têm tipos específicos, gerando uma tipicidade por extensão. Para que alguém responda

por um delito omissivo impróprio é preciso que tenha o dever de agir, imposto por lei, deixando de atuar, dolosa ou culposamente, auxiliando na produção do resultado. Exemplo: um policial acompanha a prática de um roubo, deixando de interferir na atividade criminosa, propositadamente, porque a vítima é seu inimigo. Responderá por roubo, na modalidade comissiva por omissão.

Portanto, constata-se a extrema relevância do nexo de causal para apuração da relevância da omissão, visto que “é um primeiro passo para a indagação da existência de uma infração penal que, finalmente, para poder ser atribuída a alguém, precisa satisfazer os requisitos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade.” (BITENCOURT, 2012, p. 319).

Logo, resta clara a necessidade de averiguar a presença dos requisitos essenciais para que seja imputada, nos crimes omissivos impróprios, a omissão penalmente relevante, ou seja o nexo causal entre o fato e o resultado, consistente na possibilidade de o agente agir, na evitabilidade do resultado, e, por fim, na condição especial, dever previsto em lei, de agir para evitar o resultado.